Sérgio Avelleda
é sócio-fundador da Urucuia: Mobilidade Urbana e coordenador do Núcleo de Mobilidade Urbana do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper
Escrevi, neste espaço, em novembro de 2022, que ultrapassadas as eleições presidenciais eu vivi o sonho do novo governo anunciar um compromisso inédito com a mobilidade urbana, com os investimentos em transporte público, no acesso às cidades, na sustentabilidade e no desenvolvimento de uma indústria nacional.
Parte do sonho já se concretizou: O Ministério das Cidades foi recriado e com ele a Secretaria Nacional da Mobilidade Urbana. Quero registrar quão alvissareira foi a nomeação do ex-prefeito de Santa Bárbara D´Oeste, progressista cidade do interior de São Paulo, para o cargo. Em poucas semanas, Denis Andia, já recebeu todos os setores, escutou com atenção e tem demonstrado forte sensibilidade para liderar a política nacional da mobilidade urbana.
Contudo, partes do meu sonho, que penso ser o sonho de muitos dos leitores da coluna, ainda são quimeras.
Quero focar na ausência de um plano do governo federal para a retomada da nossa outrora pujante indústria ferroviária.
Recentemente o Governo Federal anunciou um plano para incrementar a venda de carros. Redução de impostos para carros que eles denominam de “populares”. Ainda não conheci um trabalhador das classes C e D, a imensa maioria da nossa população, que tenha se entusiasmado para comprar carros na faixa de sessenta mil reais. Ademais, repete-se os equívocos do passado: promover a venda de automóveis contribuirá para piorar os graves congestionamentos das cidades brasileiras, a poluição gerada pela queima de combustíveis fósseis, incrementar os índices inaceitáveis de mortes no trânsito e, de quebra, não será capaz de gerar empregos e nem o desenvolvimento de uma indústria limpa e moderna.
Recentemente a WRI (World Resources Institute) publicou um estudo demonstrando que investimentos na indústria limpa e sustentável tem a capacidade de gerar muito mais empregos e de melhor qualidade do que investimentos na indústria tradicional.
As reações foram tantas e tão negativas que rapidamente o Governo ajustou o plano para contemplar também incentivos aos ônibus urbanos. Esse tipo de incentivo, sim, é bem-vindo. Os custos de capital para aquisição dos ônibus impactam as tarifas do transporte público. Proporcionar redução de impostos deverá contribuir para a redução do preço que as pessoas pagam para assegurar acesso nas cidades brasileiras. Sonegamos a uma legião de brasileiras e brasileiros o direito básico ao acesso às oportunidades de trabalho e renda, serviços públicos e lazer.
O Ipea acaba de divulgar importante pesquisa sobre o impacto da gratuidade do transporte público no dia das últimas eleições presidenciais. Os pesquisadores concluíram que a decisão não teve qualquer impacto no resultado do pleito, mas que confirma a barreira que se cria com o preço do transporte. Muitas pessoas impedidas de viajar nas cidades por falta de capacidade de pagamento das tarifas, puderam fazê-lo naquele domingo eleitoral. Não é à toa que a discussão em torno da redução, ou até mesmo eliminação da cobrança das tarifas, vem ganhando corpo na sociedade.
Ao acompanhar o anúncio do programa de incentivo à indústria de carros e ônibus eu fiquei me perguntando: e o trem?
A indústria ferroviária de trens de passageiros tem longa tradição no Brasil. Fomos e podemos ser, a qualquer momento, uma plataforma produtora e exportadora de trens e outros equipamentos ferroviários. Temos parque industrial, profissionais competentes e experimentados e, fundamentalmente, muita demanda.
Faltam muitas novas linhas de metrô, trens metropolitanos e trens intercidades. Há uma frota de trens em todo o Brasil que precisa ser renovada. Há sistemas obsoletos clamando por modernização.
Na verdade, não nos falta quase nada para termos um complexo industrial ferroviário que atenda o mercado nacional atual e aquele que necessita ser expandido, possibilitando sermos competitivos também para atendimento do mercado internacional.
Não preciso me alongar aqui dos benefícios ambientais do transporte ferroviário e do imenso potencial que metrôs e trens de passageiros oferecem para redesenhar cidades, espraiando as centralidades econômicas.
Se temos a necessidade, o parque industrial, o conhecimento e o potencial mercado, o que, de fato, nos falta?
Uma política industrial, de desenvolvimento urbano e de mobilidade clara, estável e com visão de longo prazo. Perdemos recentemente a nossa capacidade de produzir rodas de trens. E ainda não temos demanda que justifique uma fábrica local de rodeiros. Que país é esse, continental e com tradição ferroviária, que não possui demanda para fabricação de rodas de trens?
O Governo Federal ainda pode, e deve, olhar para a mobilidade urbana das cidades e contemplar o seu compromisso com a modernização e a expansão dos sistemas de transporte de passageiros sobre trilhos. O impacto da retomada da indústria ferroviária brasileira seria sentido na geração de empregos, divisas e na melhoria da economia urbana, com a redução de engarrafamentos, doenças respiratórias, mortes no trânsito e maiores oportunidades para negócios. Cidades paradas no caos do trânsito não são convidativas para novos investimentos. De quebra, contribuiria significativamente para as metas de redução de emissão de gases de efeito estufa.
Compete ao Governo Federal desenhar e liderar essa política de longo prazo, adotando a indústria ferroviária como estratégica para o país, beneficiando o setor com ações concretas de fomento e desenvolvimento. Linhas de crédito precisam ser desenhadas, investimentos diretos do Governo Federal nos sistemas sobre trilhos, além da necessidade de preferência à aquisição de bens produzidos no Brasil. Lembro das licitações conduzidas para aquisição de trens em 2007 no Metrô e na CPTM quando o Governo do Estado de São Paulo valeu-se da escala da aquisição (40 trens na CPTM e 17 no Metrô) para possibilitar a abertura de nova fábrica de trens no Brasil.
Também registro que as novas medidas em favor das Parcerias Público-Privadas, recentemente anunciadas pelo Ministério da Fazenda, podem favorecer novos investimentos privados nas ferrovias. Aqui, a conjugação das novas regras com a liderança do Governo Federal no desenho de projetos, pode alavancar a expansão e modernização dos nossos trilhos.
Seguimos com esperança, afinal “a esperança é um dever do homem”.
Olá Prof. Sérgio (me permita chamá-lo assim).
Concordo com cada palavra sua em gênero, número e grau.
Depois de décadas de abandono em um País onde o lema era de “construir rodovias para o progresso”, finalmente, em 2021, o modal ferroviário brasileiro foi contemplado com uma legislação que poderá auxiliar no reaquecimento do transporte sobre trilhos no Brasil.
Mas, para que esta legislação possa se tornar operacional e eficaz na ferrovia brasileira, muitos obstáculos devem ser superados, afinal de contas, ainda há muito a ser feito pelo Governo Federal, que continua incentivando o modal rodoviário com descontos na compra de novos automóveis e outras benesses (parece até que estamos vivendo um loop temporal de um passado não muito distante).
Existe uma série de utilizações ferroviárias que são possíveis e podem interessar prefeituras locais e os governos estaduais, mas isso precisa ser trabalhado. Para isso, o Governo Federal tem que criar incentivos a fim de que estes projetos na malha ferroviária brasileira possam se materializar, até porque, isso não acontecerá do nada.
Enquanto isso, aqui no Rio de Janeiro, a malha ferroviária para o transporte de passageiros continua cada vez mais no sinal vermelho: esquecida pelo Governo, respirando a trancos e barrancos em meio à violência e depredação diária típica do movimento carioca. Desse jeito, por maior que seja o investimento privado, não há concessionária que aguente.
Mas … é isso … Sigamos em frente.
Fraternal abraço.
Um desgoverno de esquerda que não aceita fazer privatizações, só quer arrecadar para gastar, vai pensar em ferrovia? Ferrovia é coisa de governos de direita que tem compromisso com o Brasil e não com os camaradas e companheiros.
Realmente, concordo com o que o senhor escreveu.
Agora, vê se pode, aqui no Estado de São Paulo, como em outros estados haviam ferrovias com serviço de passageiros. Aqui no estado de São Paulo, antigamente havia a Companhia Paulista de Estradas de Ferro, ferrovia modelar, terceira maior ferrovia do mundo, só atrás da Union Pacific e Pensilvania Rairoad. Mas os governos, que se seguiram à epoca, trataram de destruir o patrimônio ferroviário.
Quando foi feito a licitação para o trem de grande velocidade entre São Paulo e Rio de Janeiro, foi feito um lobbe para impedir que o projeto fosse concretizado. Na ocasião, uma empresa alemã preencheu todos os requisitos, ai os “concorrentes” entraram com pedido de anulação da licitação e depois ficou por isso mesmo.
Agora estão pensando na implantação de trem intermunicipais, deviam pensar em trens de longo percurso, mas depois da destruição, para viabilizar um projeto desta natureza, será a um custo astronômico para as condições econômicas brasileira. Não somos a Europa, que construiu a linha do Eurostar.
Bem acho que já falei demais.
Abraço!!!