Abandono, insegurança e aumento de custos: moradores reclamam da falta dos trens e demora do VLT no subúrbio de Salvador

G1 – Há mais de dois anos, o sistema ferroviário de Salvador foi desativado, para que fosse instalado o VLT – Veículo Leve de Transporte, uma espécie de monotrilho movido à propulsão elétrica. O trem fez sua última viagem em 13 de fevereiro de 2021. Desde então, cerca de seis mil pessoas que usavam o serviço todos os dias foram obrigadas a adotar outras alternativas de deslocamento, como foi comprovado pela reportagem do g1 ao percorrer trechos que deveriam estar em construção, mas seguem sem previsão de operações.

Os trens ligavam a região do Subúrbio Ferroviário até a Cidade Baixa pela orla da baía de Todos-os-Santos. Eram 10 estações, instaladas do bairro da Calçada até Paripe, em um trecho de quase 14 quilômetros. Segundo o governo do estado, as obras de implantação do VLT estavam previstas para serem concluídas em 24 meses, ou seja, o prazo já expirou.

Desse modo, os ônibus e os micro-ônibus têm sido os meios de transporte público disponíveis para a população, o que implica em aumento de custos e de tempo gasto em viagens. Além disso, quem mora e trabalha na região reclama da sensação de insegurança causada pelo vazio no local onde deveria estar ocorrendo uma grande obra, e que já teve fluxo bastante intenso.

Moradora do bairro de Coutos, a técnica de enfermagem Silvonete Sales usava o trem diariamente para ir até a Calçada. Agora, precisa esperar mais tempo no ponto de ônibus, que fica em frente à antiga estação ferroviária.

Com os ônibus, o tempo de viagem dura uma hora, meia hora a mais do que ela precisava quando utilizava os trens. Além disso, a passagem custava apenas R$ 0,50, na época em que os serviços foram suspensos, valor incomparável com os atuais R$ 4,90 cobrados nos coletivos.

Para além dessas questões, o principal problema que Silvonete enfrenta ao pegar ônibus é o medo. Ela não considera os pontos de Coutos seguros, sobretudo por causa dos tapumes que isolam os trilhos por onde passavam os trens. “A gente fica recuado e não tem como ver quem está vindo. A segurança aqui já era ruim e com isso, piorou”, opinou.

“Tem duas escolas e uma maternidade aqui. Mato de um lado, tapume do outro, e às vezes fica tudo escuro. A gente tem que passar rápido e termina sendo perigoso”, pontuou a moradora, fazendo referência à Maternidade Maria da Conceição de Jesus, inaugurada há dois anos.

Muitos tapumes instalados estão danificados pelo ação humana e também pelo tempo sem manutenção. Cleide Matos, que também mora em Coutos, detalhou que esses equipamentos quebrados se tornaram um facilitador na fuga de suspeitos de assaltos a ônibus, frequentes na Avenida Afrânio Peixoto, conhecida popularmente como Suburbana.

“O pessoal assalta os ônibus e desce correndo. Essas placas deixam a gente isolado, tanto na parte de cima quanto na de baixo. Se acontece alguma coisa por aqui, ninguém de lá de cima vê nada”, analisou, fazendo relação com os trechos onde a pista e o trilho estavam lado a lado, mas em desnível.

A comerciante Lúcia Santos costumava fazer caminhada entre os bairros de Escada, onde mora, e Plataforma. O hábito saudável foi deixado de lado por causa do medo. Segundo ela, os tapumes viraram pontos estratégicos para criminosos se esconderem e abordarem vítimas.

“Sem os trens, as ruas ficaram ‘desertonas’. Para você andar, tem que ser acompanhado de duas ou três pessoas, sozinha é muito perigoso. Eu sou mulher, fico com medo de ter um homem escondido para me assaltar ou até fazer coisas piores, me estuprar”, comentou.

Segundo um morador de Plataforma, que preferiu não revelar a identidade, os assaltos aumentaram na região nos últimos meses. “Aqui ficou mais perigoso, porque as ruas estão desertas. Rola ‘assalto de celular’ direto e os pais de família correm risco de perder a vida por causa de um celular”, desabafou.

Em Escada, outro morador, identificado pelo prenome Pascoal, confirmou a informação de crimes frequentes. “Fica tudo escuro e aqui tem assalto direto. Ninguém pode ficar com o celular na mão na porta de casa”, aconselhou.

Perda de renda

O Porto das Sardinhas, tradicional local de venda de pescados do subúrbio de Salvador, sempre foi conhecido pela grande movimentação de comerciantes e clientes, sobretudo nas primeiras horas do dia, quando as mercadorias estão mais frescas.

Desde 2021, a partir da suspensão da ferrovia, a situação mudou, conforme relato do comerciante Júnior Figueiredo, que trabalha no local há uma década.

“A saída dos trens acabou com a vida da gente. A gente tinha trens subindo em vários horários de Plataforma para Calçada e a gente liberava, em média, dez toneladas de sardinhas. Agora, a gente não consegue nem cinco, porque o comprador do trem não vem mais”, comparou.

Segundo Júnior Figueiredo, os trens costumavam a chegar lotados e as vendas eram garantidas, inclusive para clientela de outros bairros da capital baiana, não só do subúrbio – muitos clientes, ele diz que não vê há mais de dois anos.

“As pessoas não conseguem mais chegar aqui, porque a mobilidade está horrível. A gente ficou super prejudicado com isso. O sentimento é de que eu e meus colegas ficamos esquecidos, ilhados”, desabafou.

Outra vendedora de peixe prejudicada pela falta do serviço ferroviário é Marília Souza, que sustenta oito crianças e depende dos pescados para garantir a sobrevivência da família. “O movimento ficou ruim. Aqui dava muito cliente, mas depois que tiraram os trens, parou tudo. Cada trem que chegava vinha cheio, gente de tudo que é lugar”, recordou.

Moradora de Plataforma, Marília costumava ir de trem até a estação da Calçada, e de lá seguia para a Feira de São Joaquim, comprar frutas e verduras para casa. Sem o transporte, ela passou a gastar mais com as despesas familiares, porque segundo ela, os produtos vendidos no bairro onde vive são mais caros.

“Quem tem pouco dinheiro, tem que procurar o que é mais barato, só que agora eu não posso ir mais na feira, que é o melhor lugar para esse tipo de compra. O pobre é quem sai no prejuízo”.

Devido ao atraso nas obras, Marília não acredita que vai ver o VLT ser implantado no local. “Vai ser pior que o metrô, mais de 50 anos para chegar. Eu vou morrer e não vou ver”, criticou.

Abandono das obras

A Avenida Afrânio Peixoto, mais conhecida como Avenida Suburbana, é uma das mais importantes vias da capital baiana. A via liga a Cidade Baixa até diversos bairros do subúrbio, como Periperi, Plataforma, Lobato, Itacaranha, Escada, Praia Grande, Coutos, Fazenda Coutos e Paripe.

Durante anos, a vista da avenida, às margens da baía de Todos-os-Santos, era considerada uma das mais bonitas da capital baiana. De muitos trechos, era possível ver os trens passando pelo trilho, a orla e até mesmo assistir a um belo pôr do sol. O cenário mudou nos últimos anos, pois, com os tapumes, não é possível visualizar nada.

Em Periperi, tapumes foram colocados recentemente para proteger pedaços de ferro e madeira que estão colocados no chão, na área da antiga estação de transporte.

Fora da área protegida, pedaços grandes de concretos dividem espaço com lixo e entulho, em frente a Comunidade Guerreira Zeferina. Os moradores reclamam da situação e temem pegar doenças.

Trem desativado em 2021

Desde o anúncio da interrupção dos trens, a população tem feito queixas. O Ministério Público da Bahia (MP-BA) chegou a entrar com uma ação para derrubar a medida do Governo do Estado, de suspender a operação do sistema. O órgão alegou, na época, que a decisão prejudicava orçamentos familiares de quem pegava o transporte diariamente.

Além da população, o encerramento do transporte por trens também gerou queixas de ferroviários demitidos. Trabalhadores Companhia de Transportadores do Estado da Bahia (CTB), que era responsável pela gestão do transporte ferroviário, fizeram vários protestos na região onde fica a empresa.

A ferrovia foi a primeira da Bahia e a quinta do Brasil, e começou a ser criada em 1853, quando Joaquim Francisco Alves Muniz Barreto recebeu do Governo Imperial a concessão para a construção de uma estrada de ferro ligando Salvador à cidade de Juazeiro. A estrutura funcionou durante 160 anos.

Proposta do VLT

O projeto do VLT conta com uma ampliação do então sistema de trilhos, e pretende ligar o Comércio, no centro antigo de Salvador até a Ilha de São João, no município de Simões Filho, na região metropolitana da capital, e com ligação com o metrô.

A expectativa é de que o VLT tenha cerca de 23 km de extensão, 25 estações – 23 na linha laranja e mais duas na linha verde – e capacidade para transportar mais de 170 mil usuários por dia.

Na prática, pouco mudou e as obras não avançaram. Imagens aéreas gravadas em fevereiro de 2022 mostraram que, na época, a terraplanagem do que seria o pátio de manutenção dos veículos na antiga Estação da Calçada chegou a ser iniciada, porém, imagens feitas em março deste ano mostraram que pouca coisa mudou no local.

O g1 fez uma reportagem em que explica como a obra do VLT de Salvador passou a custar R$ 5,2 bilhões. O governo baiano já evidenciou insatisfação com os rumos do contrato e, assim como a chinesa Build Your Dreams (BYD), diz que negociações seguem em andamento.

O que diz o governo

Em resposta aos questionamentos feitos pela g1, a Companhia de Transportes do Estado da Bahia (CTB) informou que os entendimentos para a construção do VLT seguem em andamento e são prioridades do Governo da Bahia.

A CTB afirmou que as obras do VLT são complexas e o cronograma vigente está sendo rediscutido entre esferas do governo para ser retomado. Até o momento, foram realizados serviços preliminares, como topografia, sondagens, implantação de canteiros e elaboração de projetos executivos.

Segundo a Companhia, para minimizar os impactos aos moradores do subúrbio, foram disponibilizadas e reforçadas linhas de ônibus, além de colocada à disposição da comunidade uma linha de ônibus elétrico e gratuito.

Em relação aos tapumes, a empresa informou que são “extremamente necessários para a segurança da população”, já que se trata de uma área de obra e é “fundamental” que haja isolamento, para evitar acidentes com os moradores.

A CTB afirmou, ainda, que as placas são constantemente vandalizadas, depredadas e até mesmo roubadas. Por esse motivo, são substituídas com frequência.

Fonte: https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2023/07/14/abandono-inseguranca-e-aumento-de-custos-moradores-reclamam-da-falta-dos-trens-e-demora-do-vlt-no-suburbio-de-salvador.ghtml

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