Dificilmente modal ferroviário chegará a 40% de participação só com exportação, diz TCU

Modal Ferroviário

A área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) vai iniciar, no segundo semestre, um levantamento sobre o mercado doméstico de cargas no Brasil. A ideia é entender as potencialidades e as necessidades desse tipo de movimentação nas ferrovias brasileiras, hoje estruturadas basicamente para o transporte de cargas em corredores de exportação. 

O argumento utilizado pela área técnica do TCU para fazer o estudo é que dificilmente o país alcançará 40% de participação ferroviária na matriz de transporte de cargas, como estima o Plano Nacional de Logística (PNL), se as ferrovias continuarem focadas em cargas para exportação, em detrimento daquelas destinadas ao mercado interno. Hoje a ferrovia responde por cerca de 18% de tudo que é transportado no Brasil.  

O chamado tráfego doméstico, ou seja, aquele que faz a distribuição das mercadorias no mercado interno, além de ser mais custoso, porque exige estrutura de pátios, hub e volumes perenes de carga, requer maior esforço das equipes comerciais e de operação das concessionárias. Isso pode explicar o fato de as ferrovias brasileiras darem preferência à movimentação de cargas em corredores de exportação.  

O estudo, diz uma fonte que acompanha o assunto, poderá evidenciar o potencial de carga interna que poderia ser movimentada sobre trilhos e não é, quais regiões apresentam mais possibilidades nesse sentido e as mudanças que poderiam ocorrer para incrementar esse tipo de operação ferroviária.   

“Os números estão indicando que a política pública cravada no PNL de aumento da participação do modal ferroviário não deverá funcionar. Por isso, o Tribunal tem legitimidade para agir, fazer esse levantamento e evidenciar que as chances são mínimas de se alcançar esses 40% apenas com carga para exportação”, afirma a mesma fonte.  

Existe um apagão de dados oficiais em nível federal sobre o volume de cargas transportadas internamente no país, mas no pedido para dar início ao levantamento, os técnicos do Tribunal ressaltaram que em alguns mercados é possível ter uma ideia dos números. No de celulose, por exemplo, cerca de 60% da produção é exportada e o restante (40%) fica no Brasil.  

Carga interna 

Com exceção da carga destinada à exportação, toda a produção de celulose é movimentada internamente por caminhões no país. O mesmo ocorre com a soja e milho: em torno de 100 milhões de toneladas são produzidas para distribuição interna – o que não é feita por ferrovia. No pedido foi citado também um estudo feito pelo Fundação Dom Cabral sobre o potencial do trecho ferroviário de Corinto (MG) a Salvador (BA), sob concessão da Ferrovia Centro-Atlântica e atualmente inoperante. O estudo afirma que há um fluxo de mais de 90 milhões de toneladas de mercadorias por ano, de caminhão, entre as regiões Sudeste e Nordeste, com origens e destinos espalhados pelos estados.  

“Volume de carga existe nessas regiões, mas sem definição de origem e destino, a atração para ferrovia acaba ficando prejudicada com o modelo que se tem hoje de operação”, diz a fonte, acrescentando que os números analisados dão a entender que, em média, apenas 30% de tudo que é produzido no Brasil vão para exportação. “Como será possível conseguir 40% de participação no modal ferroviário se tudo que se exporta no Brasil é 30% do que se produz? Cerca de 70% ficam dentro do país e são transportados basicamente por caminhões”.  

A movimentação de carga interna por ferrovia, segundo a fonte, requer, além da recuperação de trechos inoperantes da malha e investimentos em infraestrutura de carga e descarga em pátios e hubs, uma mudança estrutural na mentalidade empresarial dentro das concessionárias. “É preciso começar a se pensar em termos de movimentação de vagão e não apenas em termos de composição, como é hoje”. 

5 Comentários

  1. A ação das concessionárias em nada contribuiram para reverter o quadro de terra arrasada da politica de transporte ferroviário do País no século passado. Ao contrário, em certos casos foi um passo em direção ao precipício com a desativação de quase metade da rede ferroviária privatizada. Por outro lado, a senha dos corredores de exportação propostos pela GEIPOT não se voltava para o aperfeiçoamento nem para a lucratividade do transporte, mas apenas para a territorialidade. O resultado foi o total esfacelamento do modo ferroviário, razão pela qual penso que o estudo do TCU poderá trazer luz ao problema, uma vez que os números não fecham para se alcançar a previsão do PNL-2035.

  2. Reconheço como muito importante esse levantamento feito pelo TCU. A área técnica do TCU tem total capacidade de contribuir com avaliações sérias, fundamentadas para uma recuperação da função de nossas ferrovias. Entender as potencialidades do transporte de carga doméstica no Brasil irá nos trazer a oportunidade de atingir outro patamar no transporte de carga que deve ser ampliado e diminuir a dependência do transporte rodoviário.

  3. Muito bom esse estudo que o TCU vai fazer. Até que enfim alguém está olhando que o potencial do modal ferroviário está sendo muito subaproveitado no Brasil. Já que o executivo e o legislativo não sacaram o que acontece com nossas ferrovias, e as deixaram a bel prazer das concessionárias, que fazem o que e como bem entendem, que o TCU cumpra esse papel, e que não fique apenas no TCU, mas que as mudanças estruturais que ele vir a propor virem assunto na pauta dos governantes e legisladores. Não faz sentido relegar nossas ferrovias (sim, nossas, pois são públicas) para transportar apenas commodities para exportação enquanto praticamente tudo o que consumimos em nossas cidades chega de caminhão, com o alto custo de frete pago por nós…

  4. Tá tudo de cabeça pra baixo. O TCU agora virou planejador do setor de transportes do país, “praticando” estudos de demanda de trapoeraba-azul, por modal. Tudo na linha dos tribunais superiores: o STF legislando, o TSE dizendo quem pode ser votado/eleito, é o BNDES financiando infraestrutura no exterior. Viva a tecnocracia aparelhada.

  5. Excelente matéria!
    Finalmente essa questão está sendo devidamente abordada.
    É bizarro o que acontece hoje, com as nossas ferrovias dedicadas somente à matérias-primas de exportação, enquanto este país-continente tem de se espremer em rodovias pra lá de saturadas e perigosas.
    Pior ainda as concessionárias praticarem uma tabela de preços totalmente bizarra, com base em míseros descontos de 15% em relação ao frete rodoviario.
    Isso tudo precisa ser reformulado urgentemente, sem mais atrasos ainda.

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