Indústria terá R$ 106 bi em crédito com juro subsidiado

Valor Econômico – O vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, anunciou nessa quinta-feira (6) que o governo vai injetar R$ 106,16 bilhões, nos próximos quatro anos, para a renovação da indústria brasileira – o que está sendo chamado pela gestão petista de “neoindustrialização”. A maior parte desses recursos (R$ 65 bi) virá do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e será oferecido tendo como base a Taxa Referencial, conhecida como TR, cujos juros serão de 1,9% ao ano.

Especialistas ouvidos pelo Valor mostraram preocupação com o custo da operação a taxas subsidiadas. Como o juro cobrado está muito abaixo da inflação, a taxa será “bastante negativa”, na definição de um deles – que comentou a questão em caráter reservado.

“A ‘neoindustrialização’ será voltada à inovação, uma ‘neoindustrialização’ verde e com transição energética. Teremos R$ 106 bilhões, neste primeiro momento, só para a indústria. A indústria representa mais de 60% do investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação no país. Enfim, é um grande investimento para a gente conter a desindustrializaço precoce”, disse Alckmin.

Os recursos serão provenientes de três órgãos: BNDES, Finep e Embrapii – sendo que a maior parte são linhas de crédito ou financiamento. Há também fundos de apoio à inovação. Os recursos do BNDES, por exemplo, serão destinados prioritariamente para financiar projetos de inovação e digitalização e produção de bens nacionais voltados à exportação.

Pela Finep, R$ 40,68 bilhões serão destinados a pesquisa e desenvolvimento, para apoiar as diferentes etapas do ciclo de desenvolvimento científico e tecnológico. Já a Embrapii vai repassar seus recursos para apoiar as instituições de pesquisa tecnológica, fomentando a inovação na indústria brasileira.

“Por que é importante a TR? São só R$ 5 bilhões este ano, mas eu posso fazer um ‘mix’ da taxa de juros”
— Aloizio Mercadante

O anúncio foi feito depois da reunião de relançamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), que aconteceu no Palácio do Planalto. O colegiado é responsável pela elaboração da nova política industrial brasileira e retomou seus trabalhos após sete anos inativo, já que ficou paralisado nas últimas gestões.

Durante o encontro, o presidente do BNDES, Aloísio Mercadante, cobrou o Conselho Monetário Nacional (CMN), pela regulamentação para que o banco utilize a TR nas operações de financiamento em vez da Taxa de Longo Prazo, que em julho é de 5,49% ao ano mais a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). O Congresso aprovou uma medida provisória que permite ao banco essa troca, mas as regras não foram definidas pelo CMN.

“Por que é importante a TR? São só R$ 5 bilhões [que podem ser utilizados para empréstimo com essa taxa] este ano, mas eu posso fazer um ‘mix’ da taxa de juros. Posso botar num projeto um pouco da TL e pouco da TLP – que nós estamos engessados nela – que já barateia o custo e agiliza os investimentos”, disse Mercadante.

O financiamento de projetos a juros baixos acende um sinal de alerta entre especialistas. Uma preocupação é que uma taxa de cerca de 2% ao ano representa um juro real bastante negativo, prática que o BNDES já adotou no passado e cujos resultados são criticados – como no caso da linha de empréstimos à compra de caminhões.

Além disso, há a preocupação de que taxas de juros reais negativas distorcem a alocação de recursos, viabilizando investimentos que, talvez, não tivessem viabilidade a taxas positivas. Por isso, segundo especialistas, é necessário definir com muita clareza quais serão os critérios para aprovação e monitoramento desses investimentos, para que eles resultem efetivamente, por exemplo, em ganhos de  produtividade.

O encontro de ontem contou com a participação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ministros do governo e representantes da indústria. O CNDI tem composição paritária de entes governamentais e de representantes da sociedade civil. Na prática, são 20 ministros, além do presidente do BNDES, e 21 conselheiros representantes da sociedade civil, o que inclui entidades industriais e representantes de trabalhadores.

Para Rafael Lucchesi, diretor de Educação e Tecnologia da Confederação Nacional da Indústria (CNI), as medidas anunciadas vão ajudar a desenvolver as capacidades do Brasil dentro da agenda de sustentabilidade e da bioeconomia.

“O Brasil tem uma enorme vocação nessa área, não apenas para exportar energia verde, mas também para atrair um novo bloco de investimentos e transformar isso em novas tecnologias”, disse.

Na reunião, integrantes do governo se revezaram nas críticas ao Banco Central (BC) pela manutenção da taxa básica de juros, a Selic, em 13,75% ao ano. Um dos mais contundentes foi Mercadante.

Ao tratar da questão, Mercadante recorreu a uma analogia utilizada pelo próprio presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, há alguns meses. Na ocasião, ele disse que a política monetária era como um antibiótico: se parar de tomar antes do tempo fica mais difícil combater depois. Em tom irônico, Mercadante, por sua vez, deu a entender que o “antibiótico” do BC pode se converter em “veneno” por conta da “dose”. Mercadante cobrou o Senado, responsável pela aprovação do presidente do BC, a debater o assunto.

“O Senado tem que fazer esse debate [sobre redução dos juros]. Essa história de que não pode reduzir a taxa de juros não é um valor democrático. Se pode discutir o presidente, o Congresso, o ministro, o Supremo, por que não pode discutir também a política econômica?”, questionou.

Fonte: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2023/07/07/industria-tera-r-106-bi-em-credito-com-juro-subsidiado.ghtml

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*