‘Há uma grande transformação tecnológica no agronegócio’, diz fundador do fundo Aqua

Estadão – Maior fundo de investimentos em empresas voltado exclusivamente ao agronegócio, o Aqua viu uma fronteira de oportunidades inexploradas no interior do Brasil, há 15 anos. Na frente mais pujante da economia do País, encontrou mercados pulverizados, com forte tendência de crescimento, mas com empresas pouco profissionalizadas. Foi, então, às compras. Com US$ 1,1 bilhão sob gestão, dos quais 90% de estrangeiros, o fundo de private equity adquiriu fatias em 50 companhias da área, consolidando-as em 15 plataformas. Vendeu seis delas e continua avançando em novas frentes de negócios.

“Só há um país no mundo, entre os maiores produtores de alimentos, voltado à exportação: o Brasil, que é extremamente competitivo tanto globalmente quanto em relação a seus pares da América Latina”, diz Sebastian Popik, fundador do Aqua. “Os investidores querem ter exposição ao agro brasileiro e podem fazê-lo de diferentes formas, seja investindo em terra, infraestrutura, crédito… a gente oferece isso via empresas.”

Ele falou com o Estadão/Broadcast sobre as linhas de investimento do fundo, onde enxerga as próximas oportunidades e sustentabilidade, entre outros temas, na entrevista a seguir:

Por que o Aqua investe exclusivamente no agronegócio?

Vimos um cenário bastante claro lá atrás. Os maiores produtores de alimentos do mundo são os de maior população: China, Índia, União Europeia e EUA mas, nem por isso, eles são exportadores. Na verdade, são importadores líquidos. Nós somos produtores gigantescos, com um porcentual grande da produção voltado à exportação. Vimos espaço para melhorar práticas e produtividade em um setor que cresce há muitos anos. Procuramos então empresas ao redor dessa cadeia da terra, que podem se beneficiar vendendo insumos, serviços e oferecendo tecnologia.

Por que investir em empresas que estão ao redor dessa cadeia e não na produção em si?

São duas estratégias de investimento muito diferentes. Investir em terra é outro tipo de ativo, não necessariamente mais arriscado, mas muito difícil de obter o mesmo retorno do que se investir em empresas. Em uma empresa há mais riscos, mas é possível melhorar portfólio de produtos, registros, o know how, os times, profissionalizar a gestão, trazer tecnologia digital. Num pedaço de terra, não dá para fazer nada disso. A capacidade de gestão impacta menos no resultado. O retorno na terra também depende de fatores que não se controlam, como clima, logística e preço de grãos.

A competitividade do setor aumentou nos últimos anos?

Sim, porque a logística sempre tende a melhorar. Os parceiros comerciais que fazem negócios no Brasil, não só em grãos, tendem a aumentar. A indústria que fornece serviços, tecnologia, processa e faz alimentos também tende a melhorar. Tudo isso traz competitividade para a produção agrícola.

Quando os srs. viram essa tese lá atrás, havia essa clareza?

Sim. Minha família vem do agro. Do lado de mãe, eram imigrantes italianos muito humildes, que trabalhavam na terra e não tinham mais do que uma escolaridade básica. Meu avô materno evoluiu para ser diretor de uma empresa de maquinário agrícola na Argentina e a trouxe para o Brasil, para Passo Fundo (RS), no fim dos anos 60. Já tinha uma ideia de tecnologia, de maquinário, de colheitadeiras, lá atrás. Meu pai se apaixonou pela terra, virou agrônomo e, orientado pelo meu avô, que tinha clareza de que o Brasil precisava de profissionais da área, veio para o País trabalhar em uma empresa de sementes internacional. Criei o Aqua porque recebi uma demanda para fazer um fundo de maquinário agrícola, em 2005. Achei que seria muito específico mas que, se a gente replicasse esse conceito com outras teses ao redor da terra, poderíamos ter um fundo bem sucedido.

Isso foi antes do sucesso do agronegócio brasileiro?

Sim, naquele momento, o boom de commodities não havia acontecido. Somos competitivos porque o capital privado não tinha chegado ao setor. Em 2005, o mundo entrou num crescimento econômico enorme e a China passou a ser forte importador de alimentos. Tudo o que estávamos fazendo entrou no holofote do investidor internacional. Em 2009, eu montei o Aqua para ficar mais centrado no Brasil. Ao longo do tempo, a ideia só foi se refinando.

Como assim?

Por exemplo, todo investidor gosta do agro, mas não gosta do risco. E agro tem volatilidade. O desafio é saber como ter exposição a esse mercado, sem estar exposto a toda essa volatilidade. Há indústrias que estão um pouco mais amparadas – e tentamos estar aí. Não estão totalmente isentas da volatilidade mas, se o agro for bem, o que fazemos vai melhor.

Como se dá a escolha das investidas?

Tentamos entender os elos de competitividade e crescimento em dois macroconceitos que norteiam as teses de investimento. O primeiro são setores que crescem, mas a cadeia está desorganizada, pulverizada e nos quais a profissionalização pode melhorar. Podemos fazer uma ou mais aquisições, organizar a casa, colocar um time de gestão, profissionalizar processos, melhorar fábricas, fazer um upgrade no capital humano – e criar uma empresa que realmente se destaque. O agro tem muito disso, não só no Brasil, porque é um setor pulverizado, no qual a tecnologia não entrou tanto, o capital não está tão próximo como de outros setores mais urbanos e o entendimento técnico cria uma barreira.

Qual é a segunda tese?

A segunda grande geradora de oportunidades é onde há transformações geralmente associadas à tecnologia, geralmente em estágio inicial. Dentro desses dois macroconceitos a gente procura os setores que crescem e a gente pode entrar e organizar uma plataforma, com profissionalização, transformação e melhoria no modelo de negócios, que alguém depois se interessará em comprar. Hoje também investimos nos EUA e Canadá, com muito orgulho, porque é geralmente o contrário. Somos muito competitivos.

O fundador fica no negócio adquirido?

Sim, compramos participações, quase sempre o controle, de empresas boas, que já tem um time profissional. Mas tem um ditado em inglês que diz: ‘o que te trouxe até aqui, não é necessariamente o que vai te levar até lá’. Quando falamos de profissionalizar, é evoluir competências para chegar em um lugar mais ousado, maior e mais sofisticado, que passa pelo crivo de um comprador internacional muito exigente. Mas o time fundador é uma parte importante porque queremos respeitar suas competências e know how, que valem ouro.

Foi a fórmula que usaram na Agrogalaxy?

Sim. A Agrogalaxy é um distribuidor que vende o que o produtor precisa, como insumos para todo o processo de plantio, proteção e estímulo das lavouras. Começou com uma aquisição, em 2016, de uma empresa que faturava R$ 700 milhões e fizemos outras sete porque é um mercado muito fragmentado geograficamente. Hoje, o Agrogalaxy tem R$ 12 bilhões de receita. Parte foi por meio de aquisições e metade, mais ou menos, foi de crescimento orgânico.

Mas a empresa enfrentou dificuldades recentes, certo?

As dificuldades (da Agrogalaxy) são bem intrínsecas ao agronegócio. Há anos em que a cadeia de pagamentos dá uma travada. O produtor tomou a decisão de plantio em 2022 com o custo dos insumos muito alto por causa da guerra da Ucrânia. Só que as commodities também estavam em alta, então as contas fechavam. Como o produtor brasileiro tende a não travar preço e, na colheita, o valor dos produtos tinha caído muito, vários preferiram esperar do que vender (os grãos). Sem liquidez, alguns atrasaram as compras e os pagamentos. Isso é uma coisa sistêmica da indústria, que ocorre de tempos em tempos, e afetou todo mundo. Sentamos com os fornecedores, com produtores, trouxemos a inadimplência para baixo. Ela está maior do que nos outros anos, mas bastante equacionada.

Além da consolidação do varejo, quais as tendências nas quais o Aqua está apostando?

São algumas novas fronteiras. Adquirimos recentemente, por exemplo, a Exata, que faz análise de solos e vai se transformar em uma plataforma. Outra fronteira que vai vir é o carbono do solo. Em outra frente, estão dando os primeiros passos na análise biológica do solo, em vez de se buscar apenas componentes químicos. Por exemplo, quais microrganismos benéficos do solo podem ser recomendados para tirar os parasitários. Há uma grande transformação tecnológica acontecendo no agro. Todos olham para o mundo digital, mas a transformação é biológica.

Como assim?

Os biológicos são produtos que surgem de organismos vivos, como bactérias, fungos ou vírus, que basicamente têm o mesmo efeito final de um produto químico. Como as vacinas, ele mata um organismo. Outras vezes, impede que o vírus se reproduza ou se multiplique. Uma bactéria, por exemplo, pode mudar algo no solo que altera o PH de uma planta, fazendo com que o inseto não queira mais comer a planta. É o mesmo efeito que matar o inseto: de alguma forma, conseguiu-se preservar a planta. Isso tem aplicações também para o mundo de proteína animal. Se há a demanda por um frango sem antibiótico, por exemplo, é possível dar um prebiótico que fortalece a imunidade do animal, promove o crescimento e reduz a mortalidade. O antibiótico ainda é muito mais barato do que o prebiótico, mas tem demanda crescente. Nossa investida Solubio tem produtos com base em bactérias e fungos que substituem os produtos químicos e têm efeito de sustentabilidade e saúde gigantescamente maiores. Hoje, de 7% a 8% do mercado de insumos de proteção vêm de biológicos no Brasil, o que é uma transformação gigantesca.

O digital no agro já vale investimentos?

Temos visto muitas coisas digitais e faremos investimentos. A maioria das empresas no digital, porém, tem maturidade e tamanho menor do que as que a gente investe. Não queremos comprar risco de lançamento.

Que tipo de empresa?

São sensores de monitoramento, drones, software de gestão, marketplace e e-commerce. Mas há alguma resistência dos clientes ao comércio eletrônico. O digital da Agrogalaxy, por exemplo, é feito para melhorar a produtividade da organização, a experiência do produtor e ajudar com algumas ferramentas tecnológicas. Temos, por exemplo, um aplicativo satelital que, complementado com informações de teste de solo, mostra o mapa de fertilidade para o produtor tomar decisão de plantio. Tem uma versão freemium e uma versão paga. Fizemos uma aquisição para isso.

É fácil encontrar compradores para os investimentos maduros?

Sim, tem compradores estrangeiros e brasileiros e sempre perguntamos quem seria um interessado natural no negócio. Vendemos há pouco, por exemplo, uma empresa chamada Yes, que basicamente processa a levedura de cana. Entramos na empresa em 2016, crescemos 24% ao ano em média, tudo organicamente. Fizemos um upgrade industrial grande, com aumento de capacidade, qualidade, controles e conseguimos certificações para poder vender para grandes empresas mundiais. Também reposicionamos o portfólio com novos produtos, com base em dados científicos de performance na saúde do animal. Já exportávamos para oito ou nove países e passamos para mais de 40. Em julho, vendemos o controle para uma empresa francesa do mesmo setor e ficamos com 30% de participação.

A saída via bolsa é um caminho natural?

Geralmente é mais difícil porque é preciso ter um tamanho mínimo muito grande. Não é o plano A, mas está dentro das possibilidades.

Os investidores estrangeiros cobram políticas do Aqua ligadas à proteção do meio ambiente?

Estamos conectados a um mundo para quem isso é importante. A vasta maioria do produtor brasileiro é bastante sustentável e segue as regras do jogo – e repito isso com frequência em fóruns internacionais. É preciso reconhecer os grandes avanços que o Brasil teve com o código florestal. A consciência da função do agro e do alimento como grande agente de mudança, por outro lado, está chegando no investidor. A agenda do carbono ainda está muito incipiente, mas a sustentabilidade está presente de formas mais indiretas, como na redução da intensidade do uso de alguns insumos ou trocando por insumos biológicos.

Mas há cobranças?

Alguns investidores estão olhando para isso, mas a maioria não presta atenção, não entende e nem quer.

Como funciona a política do Aqua contra riscos por vezes associados ao agro, como desmatamento ou trabalho escravo?

A gente adere a três ou quatro normativas internacionais grandes e importantes, que aplicamos no momento de investir e monitorar a empresa. No momento em que uma empresa passa por um processo de venda, ela é muito auditada nesse sentido de governança e sustentabilidade de forma muito profunda. Aderimos ao OPIM (operating principles for impact management), que tem regras bem altas. Tem de ter impacto e obriga sermos auditados por terceiros. Somos o fundo mais premiado da América Latina em ESG pela Associação de Private Equity da América Latina (Lavca). É um trabalho de uma década de construção porque ESG (princípios ambientais, sociais e de governança) e agro estão completamente interligados.

Fonte: https://www.estadao.com.br/economia/negocios/entrevista-fundador-fundo-aqua-agronegocio-transformacao-tecnologica/

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