Valor Econômico – O governo federal apresentou recentemente uma nova versão do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), para o qual se estimam investimentos públicos e privados de aproximadamente R$ 1 trilhão, pelo período de quatro anos.
O lançamento dessa nova versão do PAC visa a repetir o impacto positivo que a sua primeira versão, lançada em 2007, projetou sobre a economia brasileira. De fato, o primeiro PAC deu um verdadeiro empurrão no país, e fez com que o Brasil desses passos largos para escapar da inércia que refreava o seu desenvolvimento. Foram movimentos importantes que pretendiam superar velhos gargalos, e que, em certa medida, se mostraram exitosos, com a construção de novas rodovias, portos, aeroportos, ativos energéticos e tantos outros.
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Apesar disso, o Primeiro PAC também enfrentou uma série de desafios e obstáculos operacionais que culminaram em atrasos, obras inacabadas e enormes desperdícios. Muito mais que a corrupção, que, por si só, fez desmoronar a credibilidade de diversos investimentos, os atores envolvidos em projetos de grande envergadura se depararam com graves entraves burocráticos, planejamento inadequado e controvérsias avolumadas, que quase fizeram naufragar a eficiência e objetivo do programa.
Esse conjunto de percalços não apenas inflou os custos dos empreendimentos, como também impediu o aproveitamento pleno dos benefícios econômicos e sociais das obras. O resultado foi a frustração do interesse coletivo, que minou a confiança, até então depositada no governo, de conduzir projetos vultosos de forma segura e eficaz.
Daí que, com o Novo PAC, urge a necessidade de se colocar em prática, de uma vez por todas, solução viável para enfrentar e mitigar os problemas que, desde já, podem ser vislumbrados nos rumos que as futuras obras virão a trilhar.
Essa solução reside na implementação dos chamados Disputes Boards (DBs), ou Conselhos de Resolução de Disputas, vocacionados a conferir maior transparência, agilidade e responsividade à execução projetos de infraestrutura, minimizando litígios, bem como os riscos de atrasos, sobrecustos e abandono de obras.
Em suma, os DBs são constituídos por um ou mais profissionais imparciais e independentes, que acompanham assiduamente o andamento das obras, com a missão de prevenir o surgimento de conflitos resultantes do natural desgaste entre partes envolvidas em contratos de execução continuada. E nas ocasiões em que não puderem preveni-los, os DBs são extremamente eficientes em pacificá-los, seja por meio da emissão de recomendações de soluções às partes, seja por meio da prolação de decisões vinculantes, e que devem ser imediatamente respeitadas.
De acordo a Dispute Resolution Board Foundation (DRBF), organização internacional sem fins lucrativos dedicada à promoção dos DBs, cerca de 97% das disputas que surgem no decorrer de contratos, que têm previsão de DBs, são resolvidas internamente, sem a necessidade de que as partes contratantes tenham que recorrer à arbitragem ou ao Poder Judiciário. Isso, porque as controvérsias não se acumulam em pleitos infindáveis e de montas estratosféricas. Pelo contrário, quando há DB instalado, os impasses são resolvidos quase que instantaneamente.
A despeito de tudo isso, e apesar de a nova lei de licitações no Brasil, promulgada em 2021, já reconhecer os DBs como ferramenta idônea à prevenção e saneamento de disputas, a implementação efetiva do mecanismo no território nacional tem enfrentado grandes desafios, sobretudo em razão da ausência de regulamentação específica.
Tanto o Tribunal de Contas da União (TCU) quanto outros órgãos de fiscalização expressaram preocupações sobre a falta de uma regulamentação detalhada, sob o argumento de que isso poderia comprometer a clareza e a eficácia do processo. Especificamente, o TCU suscita que a ausência de regulamentação sobre o tema acaba gerando lacunas e eventuais ambiguidades na forma como os DBs devem operar e ser instalados no âmbito dos contratos públicos.
Por esse motivo, é particularmente relevante que o Projeto de Lei (PL) 2421/2021, que busca estabelecer regulamentação específica para os DBs, tenha progresso célere na Câmara dos Deputados.
Há de se ter atenção, contudo, para imprecisões que foram inseridas no PL 2421/2021. Desde o seu nascimento no Senado em 2018, até a fase em que ele hoje se encontra, foram aportadas novas redações ao texto que colocam em risco a adequada operação dos DBs. Ilustrativamente, pode-se apontar a confusão que se faz entre DBs permanentes e DBs permanentes e DBs ad hoc; a falta de clareza sobre a eficácia imediata das decisões vinculantes; e o uso impróprio de referência a câmaras de arbitragem.
Se houver real interesse em se evitar os erros do passado, e em se garantir que as obras de infraestrutura do Novo PAC serão concluídas dentro do prazo e orçamento inicialmente estabelecidos, é essencial que os DBs sejam, de fato, utilizados, nos formatos ideais em que foram concebidos.
Ricardo Medina Salla e Mateus Pires Zottarelli são, respectivamente, sócio do Toledo Marchetti Advogados e advogado especializado em arbitragem e solução de disputas no setor de infraestrutura e construção
Fonte: https://valor.globo.com/legislacao/coluna/dispute-boards-e-o-novo-pac-uma-questao-de-urgencia.ghtml
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