Análise: Depois de recuo do governo, sucessão na Vale deve se estender por fevereiro

Valor Econômico – Depois do recuo do governo em tentar colocar o ex-ministro Guido Mantega na Vale, a expectativa se volta agora para os próximos passos no complexo processo sucessório para CEO da mineradora. As negociações, apurou o Valor, vão se estender pelo mês de fevereiro.

O conselho de administração da Vale deve se reunir de forma extraordinária na próxima sexta-feira (2) para discutir a sucessão do presidente da companhia.

Antes, na quarta-feira (31), está marcada a reunião ordinária do colegiado da mineradora, cuja pauta está fechada há mais tempo, é extensa e não deve abordar a questão sucessória.

O recuo político do governo no caso Mantega significou vitória para parte dos acionistas da empresa e para gestores e investidores, que enxergam nos movimentos do Planalto uma clara interferência na mineradora, que foi privatizada há 27 anos, em 1997, e cuja governança foi sendo aprimorada, sobretudo depois das tragédias de Mariana (MG), em 2015, e Brumadinho (MG), em 2019.

“Nessa guerra se ganhou uma batalha”, avalia um interlocutor. Mas ainda há um longo caminho até a definição da liderança da Vale. O processo sucessório segue aberto e indefinido.

A “guerra” em questão começou quando o Planalto sinalizou, ainda em 2023, que gostaria de colocar Mantega na companhia. Seria uma escolha pessoal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tem colocado aliados em cargos-chave na volta ao poder (vide Aloizio Mercadante, no BNDES, e Marcio Pochmann, no IBGE).

No início de 2024, o tema Mantega na Vale chegou a esfriar, mas voltou com força nas últimas duas semanas à medida em que se aproximava o prazo final para definir o próximo presidente da empresa.

Na semana passada, o Planalto lançou mão de todo seu arsenal, que envolveu, inclusive, o próprio presidente Lula que, embora não tenha abordado o tema sucessório diretamente, fez postagem criticando a Vale no dia em que a tragédia de Brumadinho completou cinco anos, na quinta-feira (25). A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, também entrou no jogo, ao defender Mantega para o conselho da mineradora em postagem na rede X (antigo Twitter).

Também no circuito, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, ligou para acionistas da Vale para pressionar pela indicação de Mantega, conforme antecipou o colunista Lauro Jardim, de “O Globo”. Na sexta-feira (26), contudo, Silveira deu entrevista, em Brasília, para dizer que desconhecia qualquer movimento nesse sentido e voltou a criticar a gestão da Vale.

O Valor apurou que Silveira conversou com o presidente do conselho de administração da Vale, Daniel Stieler, e indicou que o governo está disposto a receber conselheiros do grupo para discutir os rumos da empresa. Fontes afirmam que Stieler teria conversado com Lula sobre a Vale na semana passada. O executivo não comenta o assunto.

No mesmo dia em que Lula desistiu de emplacar Mantega, o Ministério dos Transportes enviou notificação à Vale cobrando R$ 20 bilhões em concessões que foram renovadas de forma antecipada no fim do governo Jair Bolsonaro.

Em entrevista ao Valor, o ministro Renan Filho negou haver qualquer relação entre os dois episódios. A notificação feita à Vale, segundo o ministro, segue entendimento do Tribunal de Contas da União (TCU) em um acordo já firmado pelo governo Lula com a Rumo. A ferrovia pertence a Rubens Ometto, sócio minoritário da Vale.

No entendimento do tribunal, a empresa descontou do valor da outorga, de maneira incorreta, os ativos não amortizados em uma ferrovia ao renovar antecipadamente a concessão. A Vale adotou procedimento semelhante ao renovar a concessão da Estrada de Ferro de Carajás por mais 30 anos, abatendo R$ 19,4 bilhões em ativos para pagar R$ 640 milhões de uma outorga de R$ 20 bilhões. No entendimento do ministro, esse abatimento deveria ser feito ao longo dos 30 anos e, da maneira como ocorreu, configura “duplo benefício”.

Procurada para falar sobre a concessão, a Vale confirmou ter recebido a notificação e informou que irá analisar o documento. “A empresa continua cumprindo com as obrigações decorrentes da renovação antecipada das ferrovias Estrada de Ferro Carajás em 2020, tendo entregado 100% do compromisso cruzado da Fiol e adquirido os equipamentos necessários para expansão da oferta de trem de passageiros. As obras de mobilidade urbana, que irão beneficiar 33 municípios a partir de investimentos previstos de R$ 2,8 bilhões, e a obra da Fico (Ferrovia de Integração do Centro-Oeste), desembolsos de R$ 10,7 bilhões, seguem em implantação.”

A mineradora, contudo, não comenta sobre a sucessão.

Um ponto em aberto para o novo presidente da Vale é se o governo teria buscado uma contrapartida após o recuo sobre Mantega. O governo retiraria o nome do ex-ministro, mas não haveria a recondução do atual CEO, Eduardo Bartolomeo. Essa versão não é confirmada por fontes próximas à empresa, mas é possível que o arranjo seja colocado na mesa em algum momento.

O nome de Luís Henrique Guimarães, membro do conselho da Vale, tem sido defendido por parte dos acionistas. Guimarães, da Cosan, é executivo de confiança de Rubens Ometto, que se tornou acionista da Vale e tem apoio de parte dos investidores da mineradora, apurou o Valor. Um executivo de mercado também não está descartado.

Na semana passada, o comitê de pessoas, ligado ao conselho da Vale, se reuniu para seguir com a avaliação da gestão de Bartolomeo. O relatório do comitê ainda deve ser apresentado ao colegiado. Mas a palavra final será mesmo do board, formado por 13 integrantes, sendo 12 eleitos em assembleia e um pelos empregados da mineradora.

O conselho da Vale, que tem mandato até abril de 2025, parece estar dividido quanto à recondução de Bartolomeo, segundo relatos de pessoas próximas da discussão. A avaliação geral seria positiva em relação à gestão do executivo, que centrou o trabalho na recuperação da empresa depois de Brumadinho, a maior crise na história de mais de 80 anos da Vale.

Críticos dizem, porém, que também são apontados pontos “fracos” da gestão. Um deles seria a baixa interlocução com o governo, que é o “dono” das riquezas minerais exploradas pela Vale e também quem dá as licenças para operação de minas, ferrovias, portos. A Vale é, antes de tudo, uma empresa de logística integrada.

No conselho da Vale, a Previ, o fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, aliada do governo, tem duas cadeiras. A Bradespar, holding de participação do Bradesco, e a japonesa Mitsui têm um assento cada uma. Há ainda oito conselheiros considerados independentes, além do representante dos empregados.

É desse colegiado que sairá a palavra final sobre o CEO, o que ainda pode demorar além do que se previa inicialmente. Colaborou Mônica Scaramuzzo.

Fonte: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2024/01/27/analise-depois-de-recuo-do-governo-sucessao-na-vale-deve-se-estender-por-fevereiro.ghtml

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