Estrangeiro mantém tom otimista com Brasil, mas fluxo não vem

Valor Econômico – O rali dos ativos brasileiros observado no fim do ano passado ficou definitivamente para trás, mas o investidor internacional mantém uma visão positiva sobre o país – apesar da queda do Ibovespa, da desvalorização do real e da alta dos juros de longo prazo de janeiro para cá.

Embora tenham contribuído para esse movimento de reversão, os estrangeiros ainda demonstram otimismo e deixam em segundo plano as incertezas domésticas. O que eles esperam é um sinal do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) sobre o início do corte das taxas nos Estados Unidos para uma melhora no desempenho do mercado local.

Enquanto isso não acontece, o que se vê é um fluxo de saída de capital desde o início do ano. De acordo com dados da B3, o estrangeiro sacou R$ 23,19 bilhões no mercado secundário de ações de janeiro até terça-feira, dia 12, ao mesmo tempo em que aumentou a posição comprada em dólar via derivativos em US$ 9,7 bilhões até quarta.

O viés otimista do estrangeiro com os ativos locais, porém, segue intacto, ao menos no curto e médio prazos. Nem mesmo o ruído em torno da Petrobras desde a semana passada abalou essa visão.

“O Brasil continua a ser uma posição ‘overweight’ [acima da média] favorecida pelos investidores internacionais devido ao superávit comercial considerável; aos preços favoráveis das commodities; às elevadas taxas de juros reais ex-ante; e aos desequilíbrios externos limitados”, diz o chefe de gestão para mercados emergentes da Pimco, Pramol Dhawan.

O executivo destaca, em especial, a expectativa com o real, ao notar que a moeda não teve um bom desempenho neste ano, já que uma parte das posições otimistas foi anulada pelo ruído político crescente. “No entanto, continuamos a acreditar que o retorno total do investimento será positivo nos próximos seis a 12 meses, especialmente tendo em conta a melhora na sazonalidade à frente”, afirma.

É um olhar que guarda semelhança com o de Carlos Carranza, gestor para mercados emergentes da Allianz Global Investors, que também está “overweight” nos mercados locais de câmbio e de juros. “O Banco Central fez um bom trabalho nos ciclos de aperto e afrouxamento e o cenário político segue estável, com os ruídos na Petrobras devendo se manter restritos à empresa”, avalia.

Carranza nota que diversos países na América Latina têm empresas estatais “e o mercado sempre soube precificá-las de forma diferente dos títulos de dívida locais, por exemplo”. O gestor, porém, não espera um desempenho tão robusto das ações brasileiras, “na medida em que a economia diminui o ritmo de crescimento em relação ao ano passado, e isso pode acarretar queda do consumo, das vendas e, consequentemente, dos resultados das empresas à frente”.

Para o executivo da Allianz, 2024 tende a ser “o ano da renda fixa” no mercado doméstico. E essa percepção otimista sobre os juros é compartilhada, ainda, por Joana Freire, gestora da italiana Eurizon SLJ Capital, ao apontar que o Brasil “continua a ser uma proposição de investimento atrativa para investidores globais” por causa dos níveis ainda elevados dos juros.

“Com taxas de dois dígitos em boa parte da curva (10,25% em três anos, por exemplo) e um spread de 6 pontos percentuais em relação ao dólar (em mais ou menos quatro anos), o Brasil ainda é um dos paises emergentes tradicionais e familiares com maior ‘carry’ do mundo”, nota, fazendo referência ao diferencial de juros do país. Ela, assim, acredita que esse cenário oferece um “buffer” (colchão) que mantém o Brasil atraente, mesmo se comparado a outros emergentes.

“Assim, apesar da evolução dos riscos políticos e econômicos no Brasil, as preocupações continuam a ser relativizadas, em um universo de mercados emergentes complexos e cheios de desafios, com a exclusão da Rússia; a redução de participação de estrangeiros na Turquia; e os controles de capital no Egito sendo os exemplos mais recentes. África do Sul e México também enfrentam incertezas politicas, com as eleições de 2024. Além disso, na China, ainda persistem muitas incertezas em relação às prioridades políticas”, diz a gestora ao enumerar problemas dos principais emergentes.

O ambiente para mercados de países em desenvolvimento, no geral, tem sido mais desafiador. Com o balde de água fria jogado pelo Fed nas apostas mais agressivas de cortes de juros neste ano, um processo de reprecificação deu as caras nos mercados globais, o que não deixou os ativos emergentes incólumes. No entanto, o desempenho mais fraco dos emergentes em relação aos mercados desenvolvidos não vem de hoje.

“Apesar da evolução dos riscos políticos e econômicos no Brasil, as preocupações continuam a ser relativizadas”
— Joana Freire

De acordo com o J.P. Morgan, os fundos dedicados a ações de mercados emergentes, por exemplo, perderam participação quase sem parar no universo dos fundos globais desde 2011, caindo de 13,4% em 2010 para 5,2% atualmente.

“Estamos vendo uma demanda bem maior por ativos de emergentes do que os dados de empresas como a EPFR mostram, assim como estamos recebendo cada vez mais pedidos de clientes para alocar em produtos com exposição a emergentes”, revela Carranza, da Allianz Global. “Isso, inclusive, nos tem feito questionar a utilidade dessas informações em um ambiente de mudanças significativas na base de investidores globais.”

“Também é verdade que as bolsas americanas têm ‘performado’ ininterruptamente nos últimos anos, o que mudou o balanço dos mercados”, nota Carranza. Ele, além disso, ressalta que há uma questão cambial que interfere no tamanho dos mercados emergentes. “Quando o real cai 10%, o mercado diminui 10% de tamanho em dólares, mesmo que não seja o caso em termos reais. Com problemas em Argentina, Turquia e Rússia nos últimos anos, o impacto foi grande para emergentes”, ressalta.

A percepção de que o investidor estrangeiro dedicado a emergentes ainda está otimista com os ativos locais, com recomendação “overweight” e, em alguns casos, aumentando a exposição, é corroborada pela chefe de pesquisas e estratégia de ações para Brasil do Santander, Aline Cardoso. “O que temos de fluxo de saída neste momento é mais via ETFs e fundos quantitativos. Com a alta do juro lá fora, há uma redução de exposição aos mercados emergentes nessas modalidades, mas investidores não têm falado em diminuir.”

Segundo ela, a decepção com a China e a guerra da Ucrânia não ajudam, e está muito difícil competir com o S&P 500. “São empresas muito grandes, com muita liquidez e que crescem 20% ao ano. Nos últimos dois anos, cresceu também a competitividade do mercado de juros americano”, diz.

“No passado, 70% das perguntas nos ‘roadshows’ [apresentações a investidores] eram sobre o cenário macro local. Neste ano, me encontrei com dezenas de investidores e eles queriam focar as conversas em ‘stock picking’, mais especificamente em ‘mid caps’ [seleção de ações de empresas de média capitalização]. A leitura é que as mais capitalizadas do índice já andaram e agora a busca é por opções secundárias. Isso indica que a visão construtiva com Brasil pegou, porque não são posições tão fáceis de sair”, diz Cardoso. “Mas, por enquanto, é interesse, não fluxo.”

De acordo com a executiva, os investidores ficaram decepcionados com a Petrobras. “Para o investidor local, já estava mais precificado, acredito que foi uma surpresa maior para os não residentes. Mas eles ainda têm esperança que de vai haver distribuição de proventos, mesmo que parcialmente.”

Fonte: https://valor.globo.com/financas/noticia/2024/03/15/estrangeiro-mantem-tom-otimista-com-brasil-mas-fluxo-nao-vem.ghtml

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