Como é viajar pelo sul do México a bordo do controverso Trem Maia

O Globo – Desci da plataforma na nova e reluzente estação de trem de Maxcanú, no México, ansioso para ver o magnífico sítio arqueológico maia de Uxmal. Tudo o que eu precisava era de um táxi para me levar até lá, uma viagem de cerca de 48km. Mas não há táxis.

Estava na metade de uma viagem de cinco dias para explorar o novíssimo Trem Maia e vários de seus destinos na Península de Yucatán, no México. Projetado para percorrer 1.554km em torno de um circuito de 34 estações quando concluído, o trem levará os passageiros em conforto fresco através de cidades coloniais, sítios arqueológicos, resorts extravagantes e florestas tropicais.

Agora eu estava atônito. Conseguir um táxi nunca foi um problema no México. Mas os motoristas reunidos na praça principal de Maxcanú ofereciam apenas vans desgastadas que fazem paradas em pequenas cidades, onde eu poderia ou não encontrar um táxi para Uxmal. A próxima van sairia em 45 minutos.

As camadas de história de Yucatán sempre me fascinaram. Durante viagens anteriores de carro, escalei templos e palácios maias abandonados, entrei nas naves frescas de imensas igrejas do século XVI e visitei fazendas restauradas, testemunhos da ostentação — e da dificuldade — da economia de plantações do século XIX da península. Viajar de trem, pensei, me permitiria mergulhar mais nessa história.

Mas, como descobri em Maxcanú, um trem não necessariamente te leva aonde você quer ir.

Durante minha viagem em fevereiro, viajei na única rota então disponível, um trecho leste-oeste que foi inaugurado em dezembro e vai de Cancún a Mérida, e depois ao sul pela cidade portuária de Campeche até o sítio maia de Palenque (um curto trecho entre Cancún e Playa del Carmen foi inaugurado em março, com três trens por dia). Encontrei confusão de horários, estações inacabadas e uma escassez de trens — apenas dois operando diariamente em cada direção entre Cancún e Campeche, e apenas um para Palenque. Trens-leito e vagões-restaurantes especiais parecem estar distantes.

O presidente Andrés Manuel López Obrador considera o Trem Maia seu principal projeto de desenvolvimento e quer inaugurar o restante do trem antes de deixar o cargo em 1º de outubro. Com base na minha experiência, esse objetivo parece distante de ser atingido.

Uma rota na selva de US$29 bilhões

Comecei minha jornada em Cancún, onde, na penumbra de antes de amanhecer, a estação pairava como uma nave espacial brilhante. Um atendente escaneou o bilhete que eu havia comprado online e mais meia dúzia me direcionou para o meu vagão de classe turística, que estava cerca de um quarto cheio. Eu planejava ir para Campeche, a cerca de 482km de distância, parando uma vez a cada dia. A 120km/h, o trem cobre a rota em cerca de seis horas, o mesmo que um carro — quando a construção estiver completa, a velocidade do trem deve aumentar para 160km/h.

As amplas janelas do vagão davam para uma parede de selva baixa. Os assentos azul-verde eram confortáveis, e havia amplo espaço entre as fileiras. Comprei um cappuccino muito bom no bar de lanches, mas recusei os sanduíches embalados em plástico. O resto da mercadoria era composto por copos de frutas, caixas de leite e comidas industrializadas.

O trem acabará custando muito mais do que os US$29 bilhões orçados até agora, e não é a primeira vez que planejadores ambiciosos se fixam na região. Cancún já foi uma pequena vila de pescadores, selecionada há meio século como um centro turístico. No ano passado, dez milhões de turistas internacionais voaram para o seu aeroporto, mais do que os aeroportos da Cidade do México, Los Cabos e Puerto Vallarta juntos.

Mas o crescimento descontrolado tem estressado o frágil ambiente da costa do Caribe. O Trem Maia, alertam os cientistas, empurrará esses problemas para o sul, ameaçando o suprimento de água da área, seu sistema único de cavernas calcárias subterrâneas e suas vastas reservas naturais.

López Obrador seguiu em frente, entregando o trem aos militares, e argumentando que ele espalhará a riqueza de Cancún e atrairá novos visitantes. O México recebeu mais de 42 milhões de turistas estrangeiros no ano passado, e eles gastaram quase US$31 bilhões.

Os governos locais veem uma oportunidade.

— O trem permitirá que as pessoas se dispersem pela península — disse Michelle Fridman, secretária de turismo do estado de Yucatán, que promove dezenas de atrações muito além de destaques como Mérida e Chichén Itzá.

Agora que o trem está operando, as empresas de transporte começarão a conectar as estações com locais menos conhecidos nas proximidades, disse ela.

É justo perguntar se o trem é a maneira mais eficaz de desenvolver o turismo da península. Empresas de turismo já realizam viagens para muitos locais a partir de grandes cidades, que são bem atendidas por ônibus. Dirigir um carro alugado pela maior parte da área é considerado seguro, de acordo com as orientações de viagem do Departamento de Estado dos EUA.

Viagem cancelada?

Levou duas horas (e uma mudança de fuso horário) para chegar a Valladolid, uma cidade colonial com ruas elegantes e igrejas antigas, onde comprei o restante dos meus bilhetes na estação. Um bilhete de classe turística de Cancún para Valladolid custa 472 pesos (cerca de R$ 142). A primeira classe, com assentos mais largos, custa 755,50 pesos (R$ 228), e há descontos para viajantes mais velhos. Um ônibus de primeira classe do centro de Cancún para Valladolid custa entre 222 pesos (R$ 67) e 344 pesos (R$ 104), dependendo do horário do dia, e leva meia hora a mais.

Era impossível estender os trilhos do novo Trem Maia até os centros urbanos densos, e a estação de Valladolid, como as demais, ficava fora do núcleo urbano. Um ônibus esperava os passageiros desembarcarem e os levava ao centro da cidade, uma viagem de 15 minutos por 35 pesos (R$ 10).

Naquele dia, visitei Ek Balam, o local de um reino maia do nono século, dominado por um palácio de 30 metros de altura, distinto por uma fachada com entalhes que retratam guerreiros alados, características animais estilizadas e padrões geométricos bordados por dentes gigantes. A entrada no local inclui acesso ao cenote X-Canché, um dos milhares de sumidouros de calcário que eram sagrados para os maias.

Mais tarde, naquela tarde, enquanto eu passeava pelo Museu de Roupas Étnicas, uma coleção particular de trajes tradicionais, bordados e chapéus, uma mensagem do escritório de bilhetes piscou no meu telefone pelo WhatsApp. Meu trem programado para o dia seguinte havia sido cancelado.

Decidi resolver o problema pela manhã e aproveitar a cidade. Enquanto eu passava pelas lojas de antiguidades e hotéis boutique da elegante Calzada de los Frailes, ficou claro que o turismo de Valladolid e a infraestrutura para lidar com ele estavam bem estabelecidos. O Trem Maia é simplesmente uma maneira alternativa de chegar a uma cidade que os turistas descobriram há anos.

‘Estamos no Trem Maia!

De manhã, descobri que meu trem não havia sido cancelado, mas a estação para a qual eu tinha um bilhete, Tixkokob, estava fechada. Em vez disso, desci uma parada antes em Izamal, conhecida por suas ruas ocre e pelo gigantesco convento franciscano de San Antonio de Padua, construído sobre as ruínas de uma pirâmide.

Durante a viagem de 90 minutos, ouvi entusiasmo generalizado entre os colegas viajantes, que demonstraram disposição para dar tempo ao trem para resolver os problemas.

— Somos um experimento — disse Oliva Escobedo Ochoa, de 64 anos, que estava de férias em sua casa na região central do México.

Leticia Iliassich, de 57 anos, que é mexicana, estava viajando com seu marido croata e parentes do México e da Croácia. Eles inicialmente estavam programados para um trem anterior para Mérida, que foi cancelado.

— Sabíamos que era um novo projeto — disse ela. — Não nos importamos.

O grupo já havia enviado um vídeo para os amigos declarando: “Estamos no Trem Maia!”

Na estação de Izamal, peguei uma carona de 15 minutos até o centro da cidade com um homem que me pediu para tirar uma foto dele ao lado do trem e de seu pai. De lá, negociei um táxi para a Hacienda San Lorenzo Aké, uma fazenda em funcionamento que ainda transforma as fibras de uma planta de agave chamada henequén em cordas grossas. A demanda global pelo henequén, conhecido como o “ouro verde” de Yucatán, trouxe riqueza fantástica para a região no meio do século XIX, pontilhando a península com mais de mil haciendas. (Muitas delas são agora hotéis suntuosos.)

Geometria, natureza e o divino

Foi durante o meu terceiro dia que me vi preso em Maxcanú, após uma viagem de trem de 90 minutos a partir de Izamal. O chefe da estação, um capitão do exército, me ofereceu uma carona para Uxmal, assim como havia feito com os turistas perdidos antes de mim.

Observando a venda final de ingressos para Uxmal às 16h, aceitei.

Minha situação deixou claro o quão distantes são as promessas do Trem Maia para os turistas que desejam explorar mais de Yucatán. Com o tempo, isso mudará, disse Fridman, a secretária de turismo.

— A ideia é ter mais hotéis ao longo da linha do trem — disse ela. — Isso acontecerá aos poucos.

Mas Uxmal, um dos sítios maias mais impressionantes, compensou o inconveniente. Os grandiosos edifícios de Uxmal são adornados com intricadas máscaras decorativas, bem como frisos nos quais geometria, natureza e o divino se fundem. Novas placas em cada estrutura oferecem informações detalhadas em inglês e espanhol, como parte do investimento do governo na melhoria das exposições nos sítios maias para o projeto do trem.

A maioria dos turistas faz passeios de um dia de carro ou ônibus para Uxmal a partir de Mérida ou se hospeda em um dos três hotéis próximos. Enquanto terminava o jantar em meu hotel, a sala de jantar começou a encher: 47 turistas poloneses haviam chegado.

Chapéus Panamá e uma van apertada

Meu plano para o dia era pegar um táxi para Bécal, uma cidade onde os chapéus Panamá são tecidos em cavernas de calcário para manter as fibras macias, e depois pegar o trem da tarde em Calkiní para a cidade portuária de Campeche.

Mas gastei tanto tempo assistindo à demonstração de fabricação de chapéus e depois experimentando meu novo chapéu e comprando presentes que saímos com pouco tempo para chegar à estação. Para minha consternação, perdi o trem, o último do dia.

Na praça central de Calkiní, encontrei uma van que estava indo para Campeche. Custo: 65 pesos. Tempo: cerca de 1h20m, semelhante ao que eu teria gasto no trem. Claro, eu estava preso em um assento apertado e tive que ouvir a escolha de baladas sentimentais do motorista, mas fui deixado no centro de Campeche, perto do meu hotel.

No dia seguinte, visitei o Museu de Arqueologia Maia, uma coleção cuidadosamente curada que incluía assustadoras máscaras funerárias de jade, glifos e delicadas figuras de cerâmica.

José Madrigal, de 45 anos, um engenheiro de Fremont, Califórnia, estava tentando tornar a cerâmica maia interessante para seus filhos gêmeos. Os meninos acabaram de completar 5 anos, e o presente de aniversário deles foi um passeio no Trem Maia.

— Eles adoram trens — disse Madrigal.

Em seguida, a família seguiu em frente, mantendo um ritmo rápido pelo museu. Eles tinham outro trem para pegar.

Você deve pegar o trem?

Sim, se você estiver viajando entre estações maiores. O trem também oferece uma maneira de chegar a Palenque, que é mais difícil de alcançar e tem estradas com preocupações de segurança. Os viajantes podem transportar bicicletas a bordo.

Para ver os horários do trem, verifique os destinos no site. Você não pode comprar ingressos online com mais de uma semana de antecedência. Mas quando você finalmente embarca, a viagem é tranquila — e o café é excelente.

Fonte: https://oglobo.globo.com/boa-viagem/noticia/2024/04/24/como-e-viajar-pelo-sul-do-mexico-a-bordo-do-controverso-trem-maia.ghtml

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