Sérgio Avelleda
é sócio-fundador da Urucuia: Mobilidade Urbana e coordenador do Núcleo de Mobilidade Urbana do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper
“Ponta de Areia, ponto final Da Bahia-Minas, estrada natural Que ligava Minas ao porto, ao mar Caminho de ferro mandaram arrancar”
Milton Nascimento
POD NOS TRILHOS
- Investimentos, projetos e desafios da CCR na mobilidade urbana
- O projeto de renovação de 560 km de vias da MRS
- Da expansão da Malha Norte às obras na Malha Paulista: os projetos da Rumo no setor ferroviário
- TIC Trens: o sonho começa a virar realidade
- SP nos Trilhos: os projetos ferroviários na carteira do estado
Recentemente, tive que ir ao Rio de Janeiro para atender uma importante reunião de um projeto que acabamos de começar naquela linda cidade. Para me deslocar até lá, fiz o óbvio: cotei uma passagem aérea. Ao mesmo tempo, estava cotando uma passagem para a Europa, para uma outra viagem a trabalho.
Eu fiquei abismado com o resultado: para ir de São Paulo ao Rio de Janeiro, percorrer míseros 400 km, em um vôo de menos de uma hora, me pediram a quantia de R$ 3.050,00. Ida e volta, exatos R$ 6.100,00. Para Roma, percorrendo 9.500 km, a tarifa era de R$ 2.800,00. Talvez fosse mais barato ir ao Rio de Janeiro, de avião, via Roma.
Recusei-me a pagar esse absurdo e decidi ir de ônibus, leito cama, que, com todo conforto, me leva de São Paulo ao Rio em, aproximadamente, seis horas de viagem. Como tinha um compromisso pessoal em Campinas, decidi comprar Campinas, Rio de Janeiro, São Paulo, gastando a bagatela de R$ 488,00.
Passagem marcada, me dirigi à rodoviária de Campinas, de onde o ônibus partiria às 23h59 de um sábado. Feliz porque iria passar o domingo no Rio de Janeiro, o quê, convenhamos, é uma das melhores coisas a se fazer na vida.
Passava da meia noite e vinte, sem sinal do ônibus, decidi perguntar ao atendente o que estava acontecendo. O moço vira para mim e diz: “Vixe! Esse ônibus vem de longe! Talvez chegue aqui lá por duas da manhã!” Em nenhum lugar, antes de comprar a passagem, fui alertado que era um ônibus que vinha de tão longe. Me senti enganado. Sem muitas alternativas, decidi esperar o tal carro que vinha de longe. Às 3h30 da madrugada o ônibus estacionou na gare da Rodoviária de Campinas. Cadeiras não higienizadas e sem fornecimento de travesseiro e cobertor. O ônibus não estava limpo. Desisti de embarcar.
Voltei para São Paulo de ônibus e vim para casa onde adormeci, depois de uma noite em claro. Às 10h despertei e comprei uma nova passagem de ônibus, leito cama, para às 13h. Ao menos chegaria para jantar com amigos na cidade maravilhosa.
A viagem transcorria tranquila e confortável, até a região de Volta Redonda, quando o ônibus foi tragado para um monstro engarrafamento que nos deteve por mais de três horas. Ao fim, cheguei ao Rio de Janeiro quase 24 horas depois da minha primeira tentativa de empreender a viagem. Não tive domingo no Rio e nem jantar com amigos!
Esse caos de conexão entre as duas maiores cidades do Brasil escancara o drama decorrente da ausência de uma conexão ferroviária entre elas.
Me lembro dos primeiros anos deste século, quando o Governo Federal anunciou uma conexão ferroviária de alta velocidade, ligando Campinas, São Paulo e Rio de Janeiro, com paradas intermediárias. À época, muitos perfilaram contra o projeto, alegando, entre outras razões, a megalomania de um trem de alta velocidade em um país com tantas carências.
Ignoramos que a conexão ferroviária entre São Paulo e Rio de Janeiro teria um impacto imenso no desenvolvimento econômico e social dos dois maiores centros urbanos do país e, também, de outras áreas lindeiras e beneficiadas pelo projeto.
Gosto muito do conceito de Cidades Diamantes. É a ideia de que cidades, ao invés de seguirem crescendo indefinidamente, se conectam a outras cidades para potencializar o uso dos seus recursos, ampliar seus horizontes, criando alianças que dinamizam os seus próprios desenvolvimentos.
No caso de São Paulo e Rio, caso estivéssemos conectados de forma confiável, acessível e com um tempo de viagem inferior a três horas, poderíamos criar uma sinergia com imenso potencial econômico, social e urbanístico, cada cidade se valendo do potencial da outra. Tanto as duas capitais como todas as demais cidades lindeiras. Poderíamos facilmente redesenhar áreas urbanas para desenvolvimento de novas centralidades. Seria fácil morar em São José dos Campos e trabalhar em São Paulo ou no Rio de Janeiro.
Além disso, esse projeto poderia contribuir para a retomada do desenvolvimento da cidade do Rio de Janeiro, contribuindo para que a cidade mais bonita do mundo voltasse a ter pujança econômica, incrementando o turismo, a segurança e o desenvolvimento urbano.
Quando nos apequenamos e descartamos projetos que podem parecer gigantescos, renunciamos ao crescimento econômico e às oportunidades de desenvolvimento e diminuição das desigualdades. Se Juscelino e Getúlio tivessem ouvido os arautos do pessimismo, ainda seríamos um país agrícola e acanhado. Quando Getúlio anunciou a construção da primeira siderúrgica ao sul do Equador, ouviu que o projeto jamais seria viável. Segundo os detratores, era impossível fundir o ferro nas bandas austrais.
Recentemente, um grupo de corajosos empreendedores obteve autorização do Governo Federal para a retomada do projeto da conexão ferroviária entre Rio e São Paulo. Deveríamos, como sociedade, estar unidos para que o projeto se viabilize. Os prefeitos do Rio, São Paulo e de todas as cidades lindeiras, os respectivos Governadores, o Governo Federal, associações empresariais e a sociedade civil deveriam se unir para uma grande aliança em torno deste projeto. É uma oportunidade única de alavanca para a conexão e sinergia entre duas das maiores metrópoles do continente.
Poderia manter o mesmo serviço do trem de prata, modernizando a via e sinalização,e claro, alterar o contrato de concessão da empresa de carga que opera esse trecho, dando o direito de passagem ao trem Rio São Paulo e Japeri Barra do Piraí (barrinha).
Sou a favor de conexão Ferroviária de passageiros entre Rio e São Paulo, mas um trem de alta velocidade seria um erro, pense grande mas comece pequeno, um trem de média velocidade custaria muito menos, poderia usar o ramal de carga de maneira compartilhada, e mesmo fazendo o trajeto em 3 ou 4 horas, seria uma boa alternativa frente aos ônibus e aviões, se posicionando estrategicamente entre os dois, mais caro, mas mais rápido que ônibus, mais barato e não muito mais lento que o avião, uma vez que um voo de 1 hora leva na verdade 3 h considerando deslocamento, chegada antecipada embarque desembarque, etc. Conforme o modal ferroviário se consolida, dai pode-se penar em fazer uma linha segregada para TAV, vale lembrar que mesmo em países com tradição de trens de alta velocidade, menos de 10% da malha é de alta velocidade.
TAV Brasil: argumentos prós e contras – André Borges Lopes
Uma discussão que eu ainda não vi devidamente colocada, é sobre a real necessidade dessa ligação ferroviária SP-RIO ser realizada por um “trem-bala” de altíssima velocidade (fala-se em 350 km/h), num padrão encontrado hoje apenas nos trens mais velozes do mundo.
Parte-se da ideia de que, tendo em vista que será construída uma linha férrea inteiramente nova (já que o aproveitamento da obsoleta linha da Central do Brasil é impraticável), deve-se construir uma linha nos melhores padrões internacionais hoje existentes. Mas o fato é que a engenharia, projeto, construção e operação (em boas condições de segurança) dessas linhas especificamente desenhadas para trens de altíssimo desempenho é significativamente mais cara que a construção de uma linha convencional de média velocidade (180-200 km/h), como as que são utilizadas em boa parte das linhas férreas da Europa e Ásia no melhor trem expresso dos EUA (Amtrack Acela Express).
Um exemplo: a Alemanha tem um dos melhores (se não o melhor) sistemas integrados de trens de passageiros do mundo. Eu já tive oportunidade de conhecer e usar os trens alemães, e eles são excelentes, embora na maior parte das linhas não sejam particularmente velozes.
Você pode entrar no site da empresa estatal de trens alemã (http://www.deutschebahn.com) e consultar as opções de viagem entre duas grandes cidades – Colonia (Koln) e Munique – distantes 460 km em linha reta, o que deve dar algo próximo a 500 km em linha férrea (maior que a distância estimada para a ligação via TAV de São Paulo ao Rio).
O trem expresso mais rápido (ICE) faz esse trecho em cerca de 4h30 a um custo de 130 Euros. O trem normal (EC) faz o mesmo trecho em cerca de 6h00 e a passagem sai por 100 Euros (ambas na tarifa “cheia”; comprando com antecedência, os preços caem para 70 e 60 Euros, respectivamente). A limitação de desempenho dos ICE não decorre do trem, mas sim da utilização, em vários trechos, de linhas antigas, que têm restrições de velocidade. Mas não me parece que os alemães estejam insatisfeitos com o transporte ferroviário que lhes é oferecido.
No Brasil, falamos agora de um TVA no qual “o trajeto de 417 km entre São Paulo e Rio de Janeiro será percorrido em 84 minutos”, para concorrer com o avião. Um desempenho digno de TGVs ou Shinkansens de última geração. Para termos uma ideia, basta lembrar que o primeiro Shinkansen japonês (que deu origem ao termo “trem-bala” no início dos anos 1960) viajava a 200 km/h. Sinceramente, eu não creio que haja tal necessidade. Do ponto de vista do tempo, um trem razoavelmente rápido – e que, principalmente, seja pontual – tem inúmeras vantagens sobre o avião.
Agora, do nada que nos restou após as privatizações, queremos retomar o transporte ferroviário de passageiros com um trem-bala que fará Europa e Japão se curvarem diante do Brasil. Nessas horas, eu lembro do velho conselho que diz que “o pior inimigo do bom é o ótimo”. Eu gostaria muito de ver uma comparação do tipo Custos X Benefícios entre o Bom e o Ótimo, e não apenas entre o Ótimo e o Nada.
Fui contra e continuo sendo. E olha que sou ferroviário. No Brasil é preciso investir pesado em ferrovias para cargas e retirar se possível a maior parte delas das rodovias.
Trens de passageiros devem ser de média e curta distância, interligando cidades no máximo em 100 km.