Debêntures de infraestrutura e outorga: uma possível solução

Valor Econômico – A estratégia federal de desenvolvimento para o Brasil entre 2020 e 2031, que está no anexo do Decreto nº 10.531/2020, prevê o desafio de ampliar investimentos em infraestrutura, ocasião em que também dispõe sobre a necessidade de “dar maior segurança jurídica para a participação do investimento privado, nacional e estrangeiro”.

Dessa forma, a ampliação de investimentos em infraestrutura exige um ambiente de segurança jurídica, considerando que os projetos, nas mais distintas áreas, costumam se estender por muitos anos, como é o caso das concessões: contratos incompletos, de elevado custo e de longa duração.

Por isso, as alterações legislativas devem ser adequadamente ponderadas, uma vez que se corre o risco de prejudicar a sustentabilidade negocial de investimentos em curso ou, no mínimo, afastar perspectivas de investimento futuro para o setor, na direção contrária dos esforços que se quer envidar para o desenvolvimento nacional.

O que nos traz ao Decreto nº 11.964/24, destinado a normatizar os critérios e as condições para enquadramento dos investimentos para fins de emissão de debêntures incentivadas ou de infraestrutura, regulamentando as leis nº 12.431/11 e nº 14.801/24. Em suas poucas horas de vida, no entanto, passou a se questionar quanto à exclusão ou não da despesa de outorga nos projetos de investimento para fins de emissão dos valores mobiliários com benefícios fiscais.

A dúvida decorre, de um lado, da revogação do Decreto nº 8.874/16, cujo artigo 2º, parágrafo 3º, que dispunha que as despesas de outorga dos empreendimentos de infraestrutura fazem parte do projeto de investimento. De outro, o artigo 5º, parágrafo 2º, do Decreto nº 11.964/24 prevê que a emissão dos valores mobiliários com benefícios fiscais fica limitada ao montante equivalente às despesas de capital de tais projetos.

Como, então, solucionar esse impasse? É preciso, inicialmente, importar conceitos da contabilidade, sendo indispensável o exame da Orientação nº 5 do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), que traz como questão relevante o fato de que a contabilização de contratos de concessões está relacionada ao reconhecimento contábil do direito de outorga no início ou ao longo do prazo de concessão – uma vez que o concessionário terá o direito de prover o serviço público titularizado pelo poder concedente, nos termos contratuais. Assim, se e quando reconhecido, esse direito se caracteriza como um ativo intangível e/ou financeiro.

Ainda na referida orientação, seu item 17 considera um ativo intangível como o valor despendido pelo concessionário para ter o direito de prestar o serviço público remunerado pelos usuários. Já o item 18 diz ser necessário reconhecê-lo como ativo financeiro nas hipóteses em que o responsável por remunerar os investimentos do concessionário for o poder concedente – e o contrato estabelecer que há direito contratual incondicional de receber caixa ou outro ativo financeiro, independentemente do uso efetivo da infraestrutura (demanda) ao longo da concessão.

Ou seja: não é possível definir de forma abstrata e genérica a natureza da despesa de outorga, eis que inexiste um único modelo contábil aplicável à concessão. Justamente por isso, a OCPC 5 destaca que devem ser considerados todos os aspectos e circunstâncias inerentes ao contrato de concessão para que se possa definir a “essência econômica da transação que se pretende representar”.

Destaca-se que o artigo 22 do Decreto nº 11.964/24 coloca que incumbirá a ato do Ministério da Fazenda a possibilidade de disposição das despesas dos projetos de investimentos financiáveis por meio de debêntures incentivadas ou de infraestrutura.

No entanto, com base nos conceitos e orientações contábeis apresentados, entendemos que o decreto em tela não representa, per se, uma exclusão da despesa de outorga do montante a ser considerado para a emissão dos valores mobiliários fiscais – sobretudo porque não compete a tal decreto definir a natureza da despesa no contexto dos projetos de investimentos.

Além disso, a indicação de limitação às despesas de capital de tais projetos, por si só, não permite que se conclua pela exclusão da despesa de outorga, considerando as variadas modalidades do processo e suas definições, inclusive as relacionadas às despesas de capital.

Por isso, a partir da análise das particularidades de cada concessão, é preciso verificar e a despesa se enquadra como Opex ou Capex, uma vez que a outorga consiste em despesa para aquisição do direito de exploração, muito distinta de um dispêndio meramente operacional.

Nesse sentido, também podemos examinar a outorga como transferência de capital vinculada contratualmente a alguma finalidade específica de investimento pelo poder concedente e destinatário de tais valores. E, quanto à outorga como bônus, é possível identificar diferentes perspectivas econômico-financeiras a depender do agente. Conforme análise técnica que compõe o Acórdão 1598/17 do Plenário do Tribunal de Contas da União, o bônus de outorga, “para o empreendedor vencedor no leilão, assemelha-se a uma aplicação em renda fixa, pois terá investido um valor inicial (o bônus pela outorga) em troca de uma rentabilidade expressa pelo custo de capital do negócio”.

O exposto nos leva ao entendimento de que o decreto em análise não excluiu a outorga do montante a ser considerado para emissão de debêntures de infraestrutura. Impõe-se, desta forma, a análise dos modelos contábeis das concessões, que deve ser feita de forma individual, para alcançarmos a segurança jurídica a cada caso.

Rafael Maffini e Isadora Formenton Vargas são, respectivamente, doutor em Direito pela UFRGS e sócio do escritório Rossi, Maffini, Milman & Grando Advogado (RMMG Advogados); e mestra em Direito pela UFRGS e em Argumentação Jurídica pela Università degli Studi di Palermo e advogada do RMMG Advogados.

Fonte: https://valor.globo.com/legislacao/coluna/debentures-de-infraestrutura-e-outorga-uma-possivel-solucao.ghtml

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