Sérgio Avelleda
é sócio-fundador da Urucuia: Mobilidade Urbana e coordenador do Núcleo de Mobilidade Urbana do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper
O governo federal anunciou, nos últimos dias, os projetos que receberão recurso do novo PAC da Mobilidade. Ao todo, a União deve repassar até R$ 33 bilhões, até 2026. Claro que somos cautelosos no sentido de que entre o anúncio de projetos classificados e empreendimentos prontos para a fruição da população há um longo caminho a percorrer.
Mas não podemos deixar de celebrar o compromisso público assumido pelo governo federal em apoiar estados e municípios na implantação de grandiosos investimentos que irão proporcionar cidades mais sustentáveis, eficientes e seguras, incidindo diretamente na qualidade de vida da população.
Alguns aspectos do novo PAC chamam a atenção. Segundo a página oficial do governo federal, “os novos investimentos priorizam transporte público de alta e média capacidade, como BRTs, VLTs, trens urbanos e metrôs e também outras infraestruturas, como terminais e ciclofaixas. O fortalecimento da integração entre os modais e a qualificação dos deslocamentos urbanos geram impacto direto na qualidade de vida das pessoas e benefícios econômicos e sociais.”
Conseguimos visualizar um fio condutor nos projetos aprovados, priorizando-se os impactos ambientais (está aí o Rio Grande do Sul a demonstrar a urgência de ações que reduzam os efeitos das mudanças climáticas) e a diversidade de modos de transporte, buscando a tão desejada integração multimodal.
No campo metroferroviário foram anunciados projetos de expansão de linhas de metrô em grandes cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Brasília. A meta é aumentar a cobertura e a capacidade de transporte, reduzindo o tempo de deslocamento. Também foram contempladas a modernização e expansão de redes de trens urbanos e metropolitanos, como a CPTM em São Paulo e a SuperVia no Rio de Janeiro.
No transporte sobre pneus haverá apoio para BRTs e implantação de frotas de ônibus elétricos. Por fim, o modal ativo não foi deixado de lado e haverá transferência de recursos para as ciclovias e as calçadas.
Andou bem o governo federal em diversificar os investimentos em diversos modos de transporte. Com esse anúncio, o Governo pode acelerar muito os objetivos da mobilidade urbana sustentável, segura e inclusiva. Mas esperamos que o Governo não envie apenas dinheiro.
Como temos insistido aqui e em outros artigos, é preciso aprimorar a governança sobre os sistemas de transporte. Especialmente aquela nas regiões metropolitanas. O Governo bem pode aproveitar essa oportunidade e ir condicionando a liberação de recursos ao comprometimento de estados e municípios em consolidar avanços na direção da constituição de Autoridades Metropolitanas de Transporte, integrações tarifárias e de meios de pagamento, e tantos outros aprimoramentos que desafiam a gestão pública dos sistemas.
A agenda da gestão metropolitana não encontra uma única contrariedade nos meios acadêmicos e entre os especialistas. De fato, nunca ouvi alguém dizer que isso é uma bobagem ou um erro. Ao contrário. Todas as evidências mostram que onde as cidades se uniram para gerir os sistemas de transporte, houve redução de custos, melhoria de qualidade e aumento da participação do transporte público na matriz de viagens.
Ocorre que essa agenda quase não anda no Brasil. Temos raros exemplos, e o que mais destaca é o da região metropolitana de Goiânia que deveria inspirar outras regiões. Na minha percepção, os agentes políticos resistem à ideia de entregar a gestão para um órgão metropolitano por medo da perda de controle político e os operadores privados receiam sempre novidades que podem alterar a regulação de seus contratos.
Enquanto isso, temos superposição de linhas, diversos meios de pagamento, déficits sérios de integração, quer seja no planejamento, na operação ou na tarifação do sistema. Sempre costumo dizer que um cidadão de Guarulhos, que vive no Bairro dos Pimentas, e deseja vir para o centro da sua cidade, terá que ter um cartão municipal e pagará a primeira tarifa cheia. Lá chegando, se desejar vir à São Paulo, deverá usar um segundo meio de pagamento e pagará a segunda tarifa cheia. Quando chegar a São Paulo e necessitar ir a um bairro da Capital, terá que buscar em sua carteira um terceiro cartão e irá se submeter a uma terceira tarifa integral. Qual a mensagem que o transporte público envia a esse cidadão: “amigo, compre uma moto e não venha nos incomodar. É muito mais barato, rápido e fácil de usar”. Depois reclamamos que estamos perdendo passageiros.
À guisa de conclusão: sem um impulso externo, a agenda da gestão metropolitana pouco irá avançar. O governo federal tem a “faca e o queijo” na mão para acelerar a implantação das melhores práticas na gestão da mobilidade urbana. Esperamos que essa oportunidade não seja perdida!
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