Ministério da Fazenda volta a apostar em receita “incerta” de outorgas de ferrovias no projeto de Orçamento

Valor Econômico – O Ministério da Fazenda voltou a considerar receitas incertas de outorgas ferroviárias no Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) 2025, enviado ao Congresso ao fim de agosto, repetindo, assim, uma prática que ocorreu no último ano com uma arrecadação que não tem se concretizado.

Segundo documentos obtidos pelo Valor via Lei de Acesso à Informação (LAI), técnicos do Tesouro Nacional apontaram “incertezas em relação aos valores estimados e aos cronogramas das operações” informadas pelo Ministério dos Transportes sobre uma receita de R$ 9,78 bilhões de outorgas em 2025, além de apontarem que “ainda restam etapas a serem superadas para a sua conclusão”.

Dessa forma, decidiram que a deliberação dessa inclusão precisaria ser tomada pela Junta de Execução Orçamentária (JEO) ou diretamente pelo secretário do Tesouro, Rogério Ceron. Eles recomendaram em nota técnica considerar para o Orçamento de 2025 somente R$ 5,6 bilhões a título de concessões e permissões.

Dias depois, o secretário do Tesouro assinou um ofício no qual decidiu incluir a previsão de arrecadação dos R$ 9,78 bilhões. No despacho, Ceron justificou a decisão ao assinalar que “há anúncio público por parte do Ministério dos Transportes sobre a iminência de acordo com as empresas envolvidas, em tratativas avançadas de negociação”. Com essa deliberação, o PLOA 2025 foi enviado com a previsão de arrecadação de R$ 15,43 bilhões com concessões e permissões.

Segundo a Secretaria Nacional de Transporte Ferroviário do Ministério dos Transportes (SNTF), do montante de R$ 9,79 bilhões, a arrecadação estimada para a repactuação de contratos é de R$ 2,6 bilhões para o ano 2025. Há, ainda, uma previsão de R$ 7,2 bilhões referentes a novas receitas de prorrogação antecipada de contratos de concessões ferroviárias.

Em entrevista ao Valor, Ceron justificou sua decisão ao defender que, ao longo deste ano, a Fazenda tem feito diversos cortes em receitas oriundas do Ministério dos Transportes que não estão se realizando. Caso os montantes não se concretizem em 2025 novamente, ele garantiu que o procedimento será o mesmo.

“A história joga ao nosso favor. Estamos fazendo ajustes bimestralmente, em todos os meus despachos estou reduzindo [receitas com concessões]”, falou o secretário. “Caso no próximo ano não estiver performando, começamos o processo de ajuste, não há nenhum problema quanto a isso”, complementou Ceron.

O secretário ainda falou que, como ele próprio tem realizado ajustes nas projeções no orçamento deste ano, não havia necessidade em deliberar esse tema na JEO para o PLOA 2025.

Dentro desse montante de R$ 9,7 bilhões previsto, segundo apurou o Valor, há a expectativa de receita de dois contratos ferroviários que ainda precisam ser analisados pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

Um deles, segundo uma fonte, ainda nem foi enviado para deliberação do Tribunal. A avaliação, nos bastidores, é que a operação poderia render um valor “substancial” que daria suporte à estimativa dos Transportes. Esse acordo já estaria “endereçado” e pronto para envio à corte de contas. No entanto, é um processo demorado – o que pode explicar a cautela da área técnica do Tesouro.

O contrato faz parte de um grupo de três processos objeto de pactuação de concessão ferroviária. Além do que ainda precisa ser enviado para deliberação no TCU, outro já se encontra em análise pelo tribunal. Apenas um já foi celebrado. Outros R$ 5 bilhões poderão ser obtidos com a renovação do contrato da Ferrovia Centro-Atlântica (FCA). Esse processo está numa etapa anterior aos demais, em audiência pública.

Há negócios na carteira do Ministério dos Transportes que poderão reforçar as receitas em 2025 mas não foram incluídos pela pasta em suas previsões de receita. É o caso dos contratos da Malha Oeste e da Transnordestina.

Técnicos e especialistas ouvidos pela reportagem apontam riscos dessa inclusão no PLOA, já que há chances de essa receita mais uma vez não se concretizar. Membros do próprio TCU dizem, sob a condição de anonimato, que é arriscado considerar receitas com contratos que ainda nem foram analisados pela Corte.

No âmbito do orçamento deste ano, o governo tem feito sucessivos cortes em projeções de arrecadação de outorgas ferroviárias – no total, a LOA 2024 apontava para uma receita de R$ 44 bilhões com concessões, mas o valor revisado no último bimestral é de R$ 20,7 bilhões. Em agosto do ano passado, reportagem do Valor já havia mostrado que os técnicos do Tesouro apontaram as mesmas incertezas sobre essas receitas.

Para a economista Vilma Pinto, diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI), há mais uma vez um risco de não materialização das receitas, dado que a própria área técnica apontou incertezas. “A frustração de receitas é ruim do ponto de vista do planejamento e da execução orçamentária. Neste ano, já temos observado uma revisão bimestral para baixo”, alertou.

Quem avalia em sentido semelhante é o economista Tiago Sbardelotto, da XP Investimentos. Para ele, o ideal seria o governo adotar as “premissas das mais conservadoras possíveis” na hora de considerar essas receitas no orçamento, principalmente após o ocorrido este ano. “A incerteza continua muito grande em relação a essas concessões ferroviárias. Não há detalhes sobre esses acordos”, comentou.

Procurado, o Ministério dos Transportes não respondeu ao pedido para comentar a questão.

Fonte: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2024/09/26/ministerio-da-fazenda-volta-a-apostar-em-receita-incerta-de-outorgas-de-ferrovias-no-projeto-de-orcamento.ghtml

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