Se o Brasil
não tivesse deixado de lado os investimentos em ferrovias, a greve dos
caminhoneiros, que aconteceu no fim do mês passado, provocando desabastecimento
em todo país, poderia ter impactos menores, conforme especialistas na área de
logística. “O nosso maior problema é que não temos um modal competindo e
complementando o outro, como ocorre em outros países de dimensões
continentais”, observa o professor da Fundação Dom Cabral (FDC) Paulo Renato de
Sousa. Conforme o levantamento Projeto Brasil, do Instituto de Engenharia (IE),
67% do transporte de carga é feito por meio das rodovias. “Foi uma opção feita
pelo Estado brasileiro na década de 50”, ressalta o presidente da entidade,
Eduardo Lafraia. Já a Fundação Dom Cabral estima que 75% da produção do país
seja escoada pelas estradas do país inteiro.
Não bastasse
a concentração da matriz do transporte de cargas, os quilômetros de estradas de
ferro utilizadas foram reduzindo com o passar dos anos, tanto no Brasil como em
Minas, segundo o membro da ONG Trem André Tenuta. “Na década de 60, o país
chegou a ter quase 40 mil km de estradas de ferro. Hoje, não chega a 30 mil
km”, diz. Uma queda de 25%. No Estado, em 1961, eram 8.451 km de ferrovia. A
partir de 1996, caiu para 5.850 km.
Tenuta, que
também é presidente do Instituto Cidades, explica que o déficit da malha
ferroviária brasileira cresceu devido a diversos fatores, entre eles o uso
político das ferrovias a partir do fim da década de 40. “A administração não
era técnica, prevalecia o filhotismo, as despesas com pessoal cresciam. Isso
tudo ocasionou uma ineficiência administrativa”, diz.
Na década de
80, houve uma tentativa de resolver os problemas financeiros da chamada Rede
Ferroviária Federal, que incluiu a redução de pessoal. Em 1996, a malha foi
privatizada por meio de concessões. A mineradora Vale foi uma das principais
concessionárias. “Como a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) só
foi criada em 2001, houve um período sem regulação”, diz.
Nas mãos de
grandes empresas exportadoras, a malha não cresceu. “É um modelo de ferrovia
que não funciona para servir o país. É um negócio de empresa”, observa Tenuta.
E se não
bastasse a retração do tamanho da malha, nem todos os 29.075 km concedidos para
a iniciativa privada estão em condições de serem usados, conforme levantamento
da Confederação Nacional da Indústria (CNI). São 8.600 km, o equivalente a 31%
do total da malha abandonados. E 23% (6.500 km) são de trechos considerados sem
condições operacionais. Para a entidade, a ausência de concorrência contribuiu
para a ineficiência do sistema.
Investimentos.
A Fundação Dom Cabral calcula que seja necessário investir, pelo menos, R$ 600
bilhões nos próximos 15 anos em logística no país.
Despesas. Os
custos logísticos consomem 12,37% das receitas das empresas.
Prioridade.
O Instituto de Engenharia recomenda priorizar os investimentos na Ferrovia
Norte-Sul.
Investimento
para ampliar malha é nulo
A
antecipação da concessão da malha ferroviária brasileira, que vence daqui a dez
anos, é uma medida que causa polêmica. O membro da ONG Trem André Tenuta é
contra. Para ele, é arriscado manter as estradas de ferro nas mãos de grandes
empresas exportadoras. “Elas têm interesse em manter apenas os corredores para
exportação. Logo, não atendem o interesse público”, analisa.
Conforme
levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI), no intervalo de 2006
a 2013, somente 7,6% (US$ 62 milhões) dos recursos investidos no setor
ferroviário foram destinados à ampliação da malha, excluídos os recursos para a
Nova Transnordestina.
Para o
especialista em políticas e indústria da CNI, Matheus de Castro, a antecipação
é uma oportunidade para corrigir erros cometidos nos anos 90, incluindo novos
investimentos nos contratos e incorporando o compartilhamento das malhas.
Tenuta frisa
que não há como garantir que os investimentos sejam feitos por essas empresas.
“Com a antecipação, as ferrovias ficariam com essas empresas por 40 anos”, diz.
Para ele, é possível aproveitar o que já existe e reativar as linhas mais
curtas. “Se o país tivesse os quase 40 mil quilômetros de linhas que já teve no
passado, já seria um bom começo”, diz.
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