Foi
encerrada, há pouco, na Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), a audiência
pública realizada pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), que
teve por objetivo discutir a ferrovia que ligará Sinop a Miritituba, no Pará, a
chamada Ferrogrão. Além de apresentar o esboço do projeto, o órgão colheu
sugestões para aprimorar os estudos técnicos que irão balizar o contrato de
concessão.
Dezenas de
indígenas acompanharam a audiência. Os que fizeram uso da palavra criticaram o
projeto, principalmente, por não terem sido ouvidos previamente. “Nossa reserva
já sofre com o desmatamento, com mudança de clima e rios que estão secando.
Este projeto precisa ser estudado direito. O povo, seja indígena ou não,
precisa entender melhor sobre a Ferrogrão. Os índios precisam ser ouvidos. Os
políticos pensam no desenvolvimento econômico de Mato Grosso, mas não no
desenvolvimento do nosso povo”, afirmou o articulador político do movimento
indígena, que representa 16 povos do Xingú, Yefuca Kayabi.
O
empreendimento também recebeu críticas por parte dos trabalhadores rodoviários.
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores no Transporte Rodoviário do Norte
de Mato Grosso (Sintronormat), Jaime Sales, disse que a ferrovia irá resultar
em milhares de demissões no setor. “Fizemos uma conta básica e, só na parte de
direção veicular (motoristas), estimamos a perda de 10 mil empregos. Com a
parte de logística interna, este número praticamente dobra. É uma questão que a
ANTT não se preocupou em explicar”, criticou, apoiado por Wilson Rodrigues,
presidente do Sindicato dos Caminhoneiros Autônomos de Sorriso e região.
Edeon Vaz,
diretor do Movimento Pró-Logística da Associação dos Produtores de Soja e Milho
de Mato Grosso (Aprosoja), por outro lado, defendeu o empreendimento. Para ele,
o temor de desemprego por parte dos rodoviários é infundado. “Quando se
implanta o modal ferroviário, você tem que alimentá-lo. Vai ter que ter
caminhões transportando o grão até a ferrovia. Igual ocorre com a Ferronorte
(Santos-Rondonópolis). Isso vai acontecer aqui. Vai ter que trazer produtos de
Juara, de União do Norte, de Trivelato. São rotas de 300 a 400 quilômetros que
vão alimentar a ferrovia. Isso ‘não entra nas contas’ dos caminhoneiros”.
O
superintendente de Ferrovias da ANTT, Jean Mafra, não descartou a possibilidade
de remarcação das audiências canceladas em Itaituba e Novo Progresso, ambos
municípios do Pará. O adiamento, segundo a agência, se deu em razão do bloqueio
na BR-163 por parte de indígenas, que, por sua vez, contestam a justificativa e
criticaram duramente a decisão. “Vamos levar para a ANTT deliberar e brevemente
vamos ter uma posição sobre isso”, garantiu Jean.
Caso não haja remarcação, a fase de
audiências públicas deve se encerrar no próximo dia 12, com uma última sessão
no prédio da ANTT, em Brasília (DF). Além de Sinop, também foram realizadas
audiências em Cuiabá e Belém. Após encerramento desta fase, o Tribunal de
Contas da União (TCU) ainda precisará aprovar o plano de outorga elaborado pelo
Ministério dos Transportes. Em caso de autorização, o edital de licitação, na
modalidade leilão, será lançado. A empresa que oferecer o maior lance, então,
poderá assinar o contrato.
Além de
lideranças indígenas, representantes sindicais e produtores rurais, também
participaram da audiência o prefeito de Sorriso, Ari Lafin, o deputado federal
Ederson Dal Molin, o secretário municipal de Indústria e Comércio de Sinop,
Daniel Brolese, e o vereador Ícaro Severo.
Os debates
não contaram com a presença do Ministério Público Federal (MPF). Em nota
assinada por procuradores da República do Pará, Mato Grosso e Brasília, o órgão
justificou que a ANTT se recusou a acatar a recomendação que apontava uma
séries de riscos socioambientais e aos cofres públicos, além do desrespeito a
direitos de indígenas e ribeirinhos, com a realização das audiências antes das
consultas aos povos afetados.
Os
procuradores alertam que a homologação dos estudos para a concessão da ferrovia
sem a consulta aos impactados pode levar à anulação desses estudos, que
custaram R$ 33,7 milhões aos cofres públicos, e tornar ilegal todo o processo
da concessão da ferrovia.
Segundo
eles, o relatório de viabilidade técnica da ferrovia homologado pelo Ministério
dos Transportes sugere interpretação equivocada de portaria sobre a atuação de
órgãos federais em processos de licenciamento ambiental, induzindo conclusão
errada de que o trajeto “não afetaria áreas indígenas por estar a mais de dez
quilômetros de distância”.
Para o MPF,
essa conclusão viola o dever de informação às empresas licitantes, tendo em
vista que pode haver resistência das comunidades interessadas e pedido judicial
de anulação do processo de concessão, além do ajuizamento de outras ações.
A previsão é
que o edital e o leilão ocorram no primeiro semestre de 2018, de acordo com o
cronograma do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI). O prazo de
concessão será de 65 anos e os investimentos previstos são de R$ 12,6 bilhões.
O projeto da
Ferrogrão entre Sinop e Itaituba tem 1.142 quilômetros de extensão. O novo
corredor ferroviário de exportação, que promete melhorar o escoamento da
produção agrícola do Centro-Oeste via Porto de Miritituba (PA), tem previsão de
carregar até 42 milhões de toneladas de grãos em 2050.
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