O primeiro-ministro António Costa definiu esta manhã a
cooperação ibérica em matéria de energia como “a primeira prioridade”
para Portugal e Espanha neste momento, mas ainda não foi nesta 29.ª cimeira
luso-espanhola que se assinou um acordo.
O acordo só deverá ser assinado depois do Verão, apesar das
muitas horas que os secretários de Estado da Energia, Jorge Seguro e Daniel
Navia, passaram a negociar nestes dois dias de cimeira em Vila Real. O PÚBLICO
sabe que Lisboa estava pronta para fechar uma declaração formal, mas Madrid
pediu mais tempo para trabalhar questões técnicas, relativas sobretudo à
governação do Mibgas (mercado ibérico de gás natural, com 7,3 milhões de
consumidores, dos quais apenas 900 mil são portugueses) e à taxa de passagem do
gás pelos dois países (pancaking).
O Governo português acredita que se chegará a acordo antes
da próxima cimeira ibérica. Há questões difíceis, a começar pela diferença de
preço que Portugal paga, mais alto do que em Espanha. Espanha tem um mercado de
gás natural com 40 anos e um universo enorme de consumidores, ao contrário de
Portugal, cujo mercado só abriu há 20 anos e onde só há gás natural nas
capitais de distrito a Norte do Tejo.
Há, para além disso, a histórica barreira dos Pirenéus, que
há anos a França mantém fechado “como o gargalo de uma garrafa”, nas
palavras de Juan Lazcano, presidente da Comissão de Infraestruturas e
Urbanismo da Confederação Espanhola de Organizações Empresariais.
Além do gás, esta fronteira natural impede que Portugal e
Espanha exportem eletricidade para a Europa, em particular para o Leste e o
Norte europeu, muito dependentes da Rússia. “Espanha tem capacidade de
produzir o dobro da eletricidade que consome, mas não conseguimos passar os
Pirenéus”, disse Lazcano ao PÚBLICO, após os trabalhos de dois dias entre
empresários dos dois países, paralelos à cimeira política. Há dez anos, foi
feito um acordo europeu definindo que a França deixaria passar um mínimo de 10%
de energia eléctrica, “mas nada aconteceu”, diz o empresário. “E
estamos a falar de quantidades mínimas: passar de 1400Mw para 2800Mw. O último
concurso feito pelo Estado espanhol para fornecimento interno de eletricidade
foi de 3000Mw, o que mostra bem como estamos a falar de quantidades mesmo
pequenas”, diz. As obras de interconexão que permitiriam o transporte da eletricidade,
no entanto, “ainda nem começaram”.
Trata-se, dizem vários especialistas, políticos e diplomatas
dos dois países, de garantir um fornecimento seguro a toda a Europa. Seria uma
“alternativa muito relevante”, diz Luís Tão, presidente da associação
empresarial de Vila Real. “Porque os fornecedores do Norte da Europa são
muito instáveis. Basta pensar na Rússia. Mas estrategicamente, França não tem
interesse porque também é exportador.” A França “sabe isto muito
bem”, afirma Lazcano, pois há anos que há referências nos documentos da
União Europeia sobre a necessidade de se abrir os Pirenéus e “eliminar
este gargalo”.
A barreira política é de certa forma simples: como convencer
a Europa a pagar por um investimento que no futuro serviria todos, mas no
imediato apenas Portugal e Espanha?
Para António Saraiva, presidente da CIP, “completar o
mercado único da energia” é “uma urgência”. Mas que implica
cinco desafios concretos, como foi acordado no documento que os empresários
entregaram aos dois governos: preços da energia competitivos; maior
transparência na operação dos sistemas energéticos ibéricos para que os
operadores tenham igualdade de oportunidades; continuar a integração dos dois
sistemas eléctricos e “dar um novo e decisivo impulso” na consolidação
do Mibgas; harmonizar os sistemas regulatórios, e insistir na “necessidade
urgente de dispor de uma capacidade de interconexão suficiente entre a
Península Ibérica e o resto da Europa”.
Do trabalho feito nesta 29.ª cimeira ibérica – cujo tema
único foi a cooperação transfronteiriça e que envolveu quase meio Governo de
cada um dos lados -, foi possível chegar a acordo em relação a oito documentos,
assinados esta manhã no pátio de entrada da Casa de Mateus, em Vila Real. Entre
os quais o do reforço das ligações ferroviárias, identificadas pelo
primeiro-ministro português como a “segunda grande prioridade” da
cooperação transfronteiriça.
A declaração de intenções sobre infraestruturas de
transportes transfronteiriços, que há anos se arrasta nas cimeiras ibéricas,
estabelece como prioridade o investimento em três ligações ferroviárias:
Sines-Caia (Elvas); Aveiro-Vilar Formoso-Fuentes de Oñoro-Salamanca-Medina del
Campo; e Irún-Porto-Vigo. A declaração foi assinada pelos ministros das
Infraestruturas Pedro Marques e Iñigo de la Serna.
Costa e Mariano Rajoy comprometeram-se, na conferência de
imprensa final, em ter as ligações completas entre Porto e Vigo até 2018/19 e
entre Sines e Caia, e Aveiro e Vilar Formoso, até 2021.
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