Com o objetivo de evitar uma ação judicial por improbidade
administrativa, a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) decidiu
anular um contrato milionário para manutenção de 48 trens da Linha 10-Turquesa,
que liga o centro de São Paulo ao ABC paulista. Para o Ministério Público
Estadual (MPE), que havia recomendado a medida em agosto por suspeita de fraude
na licitação, a decisão da estatal controlada pelo governo Geraldo Alckmin
(PSDB) “é o reconhecimento da existência do cartel” de empresas acusadas de
dividir contratos de trens e metrô em São Paulo.
Em nota, a CPTM afirma que o contrato de R$ 220,2 milhões,
assinado em março de 2013 com o consórcio TMT, formado pelas empresas Trail e
Temoinsa, “não foi lesivo aos cofres públicos” porque houve “desconto de 33% na
proposta vencedora”. Segundo a companhia, o processo de abertura de uma nova
licitação está em curso desde agosto, mês em que o MPE recomendou a anulação do
negócio. O cancelamento do acordo em vigor só deve acontecer após a contratação
de um novo fornecedor, para não afetar o serviço. A previsão, porém, é de que
isso seja concluído em abril de 2017, quando vence o contrato sob suspeita.
Na recomendação administrativa feita em agosto ao presidente
da CPTM, Paulo de Magalhães Bento Gonçalves, o promotor Marcelo Milani, da
Promotoria do Patrimônio Público e Social, pedia a nulidade imediata da
licitação e do contrato alegando que a concorrência pública feita em 2012 foi
um dos alvos do suposto cartel de trens. O promotor afirma que as investigações
mostraram que as empresas do setor subcontratam umas às outras “com o objetivo
de auferir vantagens ilícitas decorrentes das práticas anticoncorrenciais”.
Em ofício enviado ao promotor no mês passado, a CPTM afirma
que “cumprirá” o que foi determinado na recomendação administrativa “com o
intuito de evitar o ajuizamento de ação de improbidade administrativa ou de
responsabilidade em face de seus atuais e ex-dirigentes, bem como da própria
companhia”, mas alega que “diante da complexidade” da licitação, a publicação
do edital deve demorar 120 dias.
Cartel. Entre os indícios do cartel, Milani destaca que as
empresas que disputaram a licitação em 2012 (Temoinsa, Alstom e CAF) eram
parceiras no consórcio que detinha o contrato anterior dos mesmos serviços,
assinado em 2007 no valor de R$ 282,5 milhões. À época, afirma o promotor, a
TTrans foi a única empresa que apresentou uma proposta concorrente na licitação
e, depois que perdeu a concorrência, foi subcontratada pelo consórcio vencedor.
Já existem duas ações civis públicas propostas pelo MPE por
formação de cartel em contratos de reformas e manutenção de trens da CPTM entre
os anos de 2007 e 2012, nos governos José Serra, Alberto Goldman e Alckmin,
todos do PSDB. Em uma delas, ajuizada em setembro de 2015, a Promotoria pediu à
Justiça a dissolução de nove grupos empresariais, entre os quais as
multinacionais Siemens, Alstom, CAF do Brasil e Bombardier, e pedem que elas
restituam quase R$ 1 bilhão aos cofres públicos.
O cartel metroferroviário de São Paulo foi revelado pela
Siemens, em acordo de leniência com o Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (Cade), órgão antitruste do governo federal, em maio de 2013. A
empresa alemã admitiu a prática do conluio no âmbito de contratos da CPTM e do
Metrô, no período de 1998 a 2008. Desde a revelação do esquema, o governo
Alckmin mandou investigar o caso. A CPTM e o Metrô estão colaborando com as
investigações e a Procuradoria-Geral do Estado já ingressou com ação na Justiça
contra 19 empresas para exigir ressarcimento aos cofres públicos. As empresas
negam irregularidades e dizem que também colaboram com a investigação.
“Para o Ministério Público Estadual, a decisão de anular o
contrato é o reconhecimento por parte da companhia da existência de fraude e
formação de cartel, que atuou em todos os contratos de manutenção de trens da
CPTM desde 1998. Já temos duas ações ajuizadas e a investigação ainda não
terminou”, disse Milani.
Espanhóis. O contrato sob suspeita envolve a manutenção dos
chamados “trens espanhóis”, que foram fabricados em 1974 e adquiridos pelo
governo paulista em 1998. Hoje, eles rodam apenas na Linha 10-Turquesa
(Brás-Rio Grande da Serra). Em seu site, a Temoinsa afirma que presta o serviço
nesses 48 trens desde 1999. Segundo a CPTM, o primeiro contrato foi assinado em
2001.
Em julho, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) já havia
cobrado explicações da companhia sobre uma série de irregularidades envolvendo
seis contratos assinados em 2013 para a manutenção de 196 trens. As
contratações somam R$ 907 milhões em valores da época, ou R$ 1,1 bilhão em
números corrigidos pela inflação.
Empresa afirma que negócio ‘não foi lesivo’ ao Estado
A Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) afirmou,
em nota, que o atual contrato de manutenção dos 48 trens espanhóis, no valor de
R$ 220,2 milhões, “não foi lesivo aos cofres públicos” porque “o processo
licitatório obteve desconto de 33% na proposta vencedora”. Segundo a estatal, o
contrato assinado com o consórcio TMT corresponde a uma economia de R$ 111
milhões e tem valor até 44% menor do que os contratos anteriores para o mesmo
serviço.
“Além disso, os itens considerados na recomendação do
Ministério Público em nenhum momento imputam conduta irregular ou inadequada à
CPTM ou a qualquer agente público. A Companhia entende que não praticou
qualquer ato irregular e prestou todos os esclarecimentos ao Ministério
Público”, afirma. A estatal disse que abriu investigação interna para apurar se
houve fraude na licitação. A reportagem não conseguiu localizar as empresas do
consórcio TMT.
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