Depois de reativar a indústria naval com a exigência de conteúdo nacional em plataformas e navios da Petrobras, o governo quer fazer o mesmo com a indústria ferroviária.
O trem de alta velocidade que ligará o Rio de Janeiro a São Paulo e Campinas terá obrigatoriedade de componentes nacionais. O consórcio escolhido para realizar a obra também terá de transferir tecnologia para a indústria brasileira. “Vamos exigir nacionalização”, diz o ministro dos Transportes, Paulo Sérgio Passos, sobre a obra de R$ 34,6 bilhões. Após a aprovação pelo Tribunal de Contas da União, Passos diz que o governo está pronto para licitar o projeto ainda este ano.
Leia a seguir sua entrevista.
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DINHEIRO – O crescimento na casa de 10%, no primeiro trimestre, tornou ainda mais evidentes os gargalos na infraestrutura brasileira. A manutenção dessa taxa de crescimento vai piorar esse quadro?
PAULO SÉRGIO PASSOS – Eu diria que o fato de o Brasil crescer a taxas elevadas tem uma repercussão natural na necessidade de infraestrutura de transportes. Temos aí um desafio, que é qualificá-la, seja nas rodovias, nas ferrovias, seja nas hidrovias e nos portos, para dar suporte aos fluxos que decorrem desse crescimento.
DINHEIRO – Que saltos devem ser dados para reduzir o peso desses gargalos no chamado custo Brasil?
PASSOS – O Brasil passou mais de 20 anos muito contraído nos investimentos em infraestrutura, por conta de ajustes fiscais que teve de fazer como reflexo das crises externas. Isso fez com que investíssemos abaixo do necessário e levou ao acúmulo de demanda. Hoje estamos revertendo esse quadro, e a melhor expressão disso é o PAC, um programa robusto baseado nos estudos do ministério e consolidado no Plano Nacional de Logística.
DINHEIRO – E o que deve ser concluído em breve para melhorar a logística brasileira?
PASSOS – O que esse governo fez foi trazer para o centro do debate sobre infraestrutura os investimentos na malha ferroviária. Nós estamos investindo na Transnordestina, na Norte-Sul, estamos licitando mil quilômetros da Leste-Oeste, na Bahia, que vai servir a área produtora de grãos do oeste baiano. Vamos fazer o prolongamento da Norte-Sul de Anápolis (GO) até Estrela d’Oeste (SP), onde ela se junta com a ferrovia que vai até Santos. Nas hidrovias, vamos concluir as eclusas de Tucuruí, no Pará, em setembro.
DINHEIRO – O balanço do PAC registra que o Brasil investe apenas 0,5% do PIB em infraestrutura de transportes. Que meta se busca atingir até o fim do governo e qual seria o patamar ideal?
PASSOS – Temos que trabalhar de maneira muito firme para manter esta tendência de crescimento. Temos que levar em conta que esse esforço deve ocorrer não só com recursos públicos, mas também com empenho da iniciativa privada. Nós já tivemos investimentos públicos em 0,2% do PIB, hoje estamos em 0,5% do PIB. Diria que se chegarmos a um patamar acima de 1%, isso será razoável. Será algo em torno de R$ 25 bilhões por ano. E atraindo a iniciativa privada, poderemos compatibilizar a eficiência da infraestrutura com o crescimento do País.
DINHEIRO – Em que projetos a iniciativa privada se mostrará indispensável?
PASSOS – Para citar alguns exemplos, na área rodoviária as concessões têm atraído o interesse de grupos empresariais brasileiros e estrangeiros. Já foram mais de três mil quilômetros leiloados. Na área ferroviária, há alguns anos, fizemos o leilão para exploração da Norte-Sul, de Palmas até Açailândia, no Tocantins. A Vale se habilitou, venceu e garantiu um aporte de R$ 1,4 bilhão. Temos hoje o projeto, um dos maiores em desenvolvimento no mundo, que é o trem de alta velocidade no trecho Rio de Janeiro-São Paulo-Campinas.
DINHEIRO – Há chances de o projeto ser licitado ainda neste governo?
PASSOS – Confiamos num parecer favorável do TCU, para que já possamos fazer o leilão da obra. Estamos preparados para, assim que recebermos o sinal verde, colocar a licitação na rua em até uma semana. É um investimento da ordem de R$ 35 bilhões. Temos interesses declarados de grupos empresariais da Coreia, do Japão, da China, da França, da Alemanha e da Espanha. Mas também percebemos uma mobilização dos grupos brasileiros de construção pesada, já que falamos de um projeto que vai consumir em obras civis mais de R$ 20 bilhões.
DINHEIRO – As empresas interessadas questionaram muito a viabilidade financeira do projeto e cobraram mais facilidades do governo. Foram feitas concessões?
PASSOS – O governo estruturou de forma cuidadosa e inteligente o plano financeiro que vai dar suporte ao projeto. Primeiro, garantindo que haverá participação do governo brasileiro na composição do equity (capital próprio exigido) da sociedade de propósito específico, que será responsável pela construção, operação e manutenção do trem. Isso é uma demonstração de confiança e aumenta a credibilidade. Dos R$ 10 bilhões, a participação do governo será em torno R$ 3 bilhões. O governo vai colocar também à disposição uma linha de financiamento de cerca de R$ 21 bilhões, de longo prazo, com cinco anos de carência, e 30 anos para pagamento. São recursos garantidos pelo Tesouro Nacional.
DINHEIRO – Tantas concessões não poderiam mostrar fragilidades no projeto?
PASSOS – Fazemos isso porque um dos pressupostos desse projeto é a criação de condições equânimes para os diversos competidores. Assim, garantimos maior competitividade. Um outro aspecto é que o governo vai se responsabilizar pelo custo das desapropriações, hoje estimadas em R$ 2,3 bilhões, mas isso vai ser confirmado somente quando formos a campo. Em relação aos custos socioambientais, naquilo que exceder o orçamento previsto da obra no valor total de R$ 35 bilhões, as condicionantes adicionais serão assumidas pelo governo brasileiro.
DINHEIRO – Haverá uma participação mínima de empresas nacionais nos consórcios ou de nacionalização da obra?
PASSOS – Os consórcios vão precisar demonstrar que têm expertise na construção de trens de alta velocidade. Por essa razão, será indispensável que os grupos se apresentem bem conformados em relação às exigências. As empresas brasileiras têm capacidade para fazer obras em qualquer lugar do mundo e o Brasil dispõe de grupos suficientemente fortes. Em relação aos equipamentos e sistemas eletroeletrônicos, levamos em consideração dois pontos fundamentais. Primeiro, que a implantação do projeto deve ser acompanhada de transferência de tecnologia. E segundo, que vamos exigir nível mínimo de nacionalização. Vamos usar a indústria nacional porque ela está preparada.
DINHEIRO – Mesmo com o trem-bala, ainda é necessário investir mais nesse meio de transporte. Qual deve ser a participação das ferrovias no transporte de cargas nos próximos anos?
PASSOS – O Brasil já chegou a ter 40 mil quilômetros de linhas férreas. Hoje visualizamos que até 2023 a participação ferroviária no transporte de cargas pode sair dos atuais 25% para 35%. No longo prazo, dará para avançar ainda mais. É bom lembrar que boa parte dos 25% é o transporte de minério de ferro, o que implica uma média ainda menor nos outros setores. Mas, se persistirmos nos investimentos no transporte ferroviário, o panorama vai se modificar. Na agenda do governo já temos algo em torno de cinco mil quilômetros de ferrovia, mas precisamos de 15 mil quilômetros de trilhos de bitola larga.
DINHEIRO – Como o governo pretende melhorar as rodovias enquanto a rede ferroviária ainda não absorve parte do transporte de cargas?
PASSOS – A rede rodoviária federal tem cerca de 60 mil quilômetros pavimentados. Em 2002, quase metade das rodovias estava em péssimo estado. Hoje, destinando mais recursos para a manutenção e recuperação da malha, podemos dizer que 86% das rodovias estão em condição regular, boa ou ótima. Não se pode manter as rodovias federais em boas condições gastando pouco. Há oito anos, gastavam-se R$
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