“Acabou de passar um. Foi às 8h30. O outro, agora, só às 9h45”.
Com um olho nas mercadorias e outro no relógio, Benedito Farias, 60 anos, tem na memória todos os horários de passagem do trem. É uma questão de sobrevivência. Meio surdo, não consegue escutar o apito quando a locomotiva se aproxima. E, ali, um segundo de desatenção no momento errado pode lhe custar, no mínimo, a camisa rasgada ou um liquidificador esmagado.
Benedito e todos os outros comerciantes da Feira do Passarinho, no centro de Maceió, têm um local e uma rotina de trabalho um tanto inusitados. Suas barracas formam um corredor paralelo ao trilho do único trem da cidade e, 16 vezes por dia, recolhem mercadorias que ficam sobre as ferragens para a passagem do trem.
Enquanto ele não chega, as pessoas sentam, conversam, negociam. Os comerciantes abrem as barracas e expõem lá mesmo, em cima dos trilhos e no curto espaço que sobra entre as ferragens e as construções. Alguns colocam guarda-sóis para proteger as mercadorias. Os que não têm barraca passam de um lado para o outro com os produtos nas mãos, pendurados sobre o corpo ou guardados numa mochila prontos para ser expostos ao menor sinal de interesse do cliente.
Pode-se encontrar de tudo na Feira do Passarinho, que tem esse nome porque lá, há 40 anos, vendia-se muito do bicho. Hoje, apenas um ou outro circula com gaiolas. Os feirantes vendem comida, roupas, remédios, ferramentas, eletrodomésticos, aparelhos de som, televisão. A fidelidade do feirante a um segmento não é uma prática comum. Tudo depende do que se consegue durante a semana para vender ali. Às vezes, depende do que se consegue até na própria feira. É comum as mercadorias serem roubadas. Perguntar a procedência? Ninguém pergunta.
Na barraca de Benedito, tem sandália, televisão, mangueira, furadeira, cola SuperBonder®, até um ventilador velho está à venda. Na hora de negociar, é flexível. Um cliente passa e pergunta o preço da televisão.
– 50 conto, uma onça, mas aqui o senhor ainda vai me dizer quanto é que paga, porque aqui ninguém vende com uma palavra só, né?
A sandália, que às 9 horas era oferecida por R$ 15, às 9h30 vale R$ 13.
– Tem que tentar vender, né?
Pouco antes das 9h45, Benedito, que olha constantemente para o relógio, começa a recolher suas furadeiras e mangueiras. Deixa no trilho apenas os produtos menores, que não batem no fundo do trem. São quase 20 anos de trilho e 40 anos de feira. Trabalha no Passarinho desde o início, quando as barracas ainda eram montadas no meio da rua, próximo de onde é hoje. A feira atrapalhava o trânsito e a prefeitura decidiu mudá-la para perto dos trilhos, que eram usados como banheiro. Há 15, 20 anos, ninguém sabe ao certo, começaram a cercar a passagem do trem com barracas feitas de tábua ou alvenaria.
Os que trabalham ali logo se acostumam com o trem.
– Ói o trem, ói o trem, ói o trem.
É a senha para a correria. Basta o primeiro escutar o apito e dar o aviso para começar a movimentação. Os banquinhos sobre o trilho são recolhidos, os mochileiros enfiam seus produtos nas sacolas e espremem-se contra as barracas para não bater no trem, os barraqueiros fecham as portas e janelas.
Benedito é um dos últimos a se recolher. Velho conhecido dos maquinistas, sempre pede para eles irem mais devagar.
– Tem maquinista que reconhece e passa mais devagar. Tem outros que, para se mostrar, passam correndo. E, aí, o povo grita: “Eita, vai pegar a mulher com outro!”
Certa vez, estava distraído e quase foi pego. O maquinista era um velho conhecido, e conseguiu parar o trem antes que fosse levado pelos trilhos.
Ele conta a história de outros que não tiveram tanta sorte assim.
– Faz 15 dias, o trem pegou um cara cheio de cachaça. Sorte dele que a gente bateu, bateu, bateu no trem, o maquinista viu e parou. O cara saiu com a boca sangrando.
Benedito diz que são
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