Novelas e filmes recordam épocas em que os trilhos estavam diretamente ligados ao cotidiano das pessoas, seja nas viagens curtas, dentro das próprias cidades, ou até em viagens mais longas, entre um Estado e outro.
Passados os anos, a linha férrea não é mais a mesma, mas ainda possui sua importância e seus encantos. Atualmente, os trens transportam nove mil pessoas diariamente nas duas linhas oferecidas pela Companhia Brasileira de Trens Urbanos no Rio Grande do Norte.
À frente dessas máquinas, apenas uma pessoa: o maquinista que tem nas mãos a responsabilidade de dominar toneladas de ferros e transportar com segurança as centenas de passageiros que utilizam os trens. Diante de tanta responsabilidade, não é qualquer pessoa que consegue se tornar maquinista.
Conversando com alguns maquinistas, logo se descobre que a escolha pela profissão acontece cedo, geralmente durante a infância. Como aconteceu com Domingos Alexandre de Azevedo, de 54 anos, que está há 35 anos na CBTU. Ele é um dos mais antigos do Estado.
“Quando eu era criança já gostava de trens, de brincar de ser maquinista. Vivia dizendo que quando crescer ia trabalhar no trem. Era um sonho antigo, que graças a Deus consegui realizar”, conta emocionado o maquinista, durante a viagem para Parnamirim.
Nessa viagem, Domingos era o maquinista auxiliar. “Como não há uma visão privilegiada para o maquinista, é muito importante que uma pessoa ajude-o, dando orientações sobre obstáculos na linha férrea, entre outros perigos”, explicou.
É preciso muito preparo e esforço. O primeiro obstáculo é a aprovação em concurso público ou seleção interna, no caso dos empregados. Os principais requisitos para concorrer ao cargo são: idade mínima de 18 anos, Ensino Médio completo e ainda possuir noções básicas de mecânica. E ainda tem um treinamento prático, com duração média de três meses.
Esses conhecimentos são importantes porque as composições do sistema ferroviário de Natal foram adquiridas ainda na década de 50 e constantemente precisam de manutenção. Aliás, essa é uma das principais reclamações dos usuários: a falta de conservação dos trens e das estações.
“São máquinas antigas sim, o ideal seriam outras mais novas, mas se não fossem as ações de vandalismo de algumas pessoas, os trens poderiam estar mais bem conservados. Mas a rapidez e o preço da passagem compensam”, justificou o pedreiro, Francisco Araújo, que diariamente utilizada a linha Sul.
Para ser um bom profissional, na opinião do maquinista Domingos alguns atributos são necessários. “Tem de ser atencioso, ter total domínio e conhecimento da máquina que está operando, ser assíduo, para não atrapalhar os colegas, e saber manter a calma em situações de emergência”, recomenda.
O maquinista Edson Santos, resume a relação muito próxima entre o homem e a máquina: “Temos o privilégio de levar um trem, pesando centenas de toneladas, com centenas de passageiros. No começo assusta, mas somos treinados e preparados para isso. A sensação é maravilhosa”.
A CBTU Natal possui em seu quadro 20 maquinistas, que recebem uma remuneração mensal de cerca de R$1.500,00, trabalham cerca de oito horas por dia, com uma hora de intervalo. O que dá uma média de quatro viagens.
Vandalismo é o principal problema
Apesar de vantagens, como o valor da passagem, o transporte ferroviário em Natal ainda deixa muito a desejar, principalmente no que diz respeito à qualidade e à quantidade dos equipamentos.
Na Região Metropolitana há apenas duas linhas de trens, com máquinas em funcionamento desde o início da década de 50. São realizadas 24 viagens por dia, com exceção da quarta-feira, quando aumenta para 26 devido à Feira do Carrasco. No total, as duas composições (trens) do sistema transportam cerca de 9 mil passageiros diariamente.
“A nossa expectativa é ampliar, em breve, esse número para 13 mil passageiros. Colocaremos em funcionamento, nos horários de pico, uma terceira composição. Para isso já estão em fase de recuperação duas locomotivas, quatro vagões e nove motores de tração”, explica o superintende da Companhia Brasileira de Trens Urbanos no RN, Erly Bastos Monteiro Segundo.
A linha Norte vai até o município de Ceará-Mirim e tem um percurso de 38 km, que é feito em 1h05m. Já a linha Sul, tem uma extensão de 18 km e vai de Natal a Parnamirim, o trajeto dura em média 37 minutos. Entre os dois percursos estão 22 estações para embarque e desembarque dos passageiros, que por sinal, reclamam da falta de estrutura.
O superintende da CBTU, reconhece que algumas estações precisam de melhorias físicas, mas afirma que é preciso colaboração. Boa parte dessas estações é pichada e tem algumas estruturas, como bancos, quebrados. Nem os trens escapam das ações dos vândalos. “É necessário conscientização, de cuidado com o bem público. A CBTU já faz esse tipo de trabalho, mas ainda é preciso uma grande melhora por parte da população”, disse Erly.
A reforma de algumas plataformas de embarque já está sendo feita. O projeto conta com a implementação de rampas de acessibilidade, piso tátil e banheiros para portadores de necessidades especiais. Outra proposta é a colocação de barras com informações em braile para os portadores de deficiência visual.
“Temos à disposição cerca de R$250 mil para investir nessas melhorias. Além disso, já foram investidos cerca de R$200 mil na automatização das cancelas. O nosso maior problema é mesmo a depredação por parte de algumas pessoas. Tivemos situações de colocar a cancela um dia e no outro ela já não estava mais no local, havia sido roubada”, diz Erly.
Acidentes
Com relação aos acidentes envolvendo os trens, o superintendente da CBTU explica que a Companhia toma todas as precauções para evitar esses fatos. Tanto que em 2008 foram registrados sete acidentes.
“A principal causa de acidentes é a falta de atenção dos motoristas e pedestres. Os maquinistas mantêm a velocidade máxima permitida que é 30km, nos trechos urbanos, e 60 km, na zona rural. Mas, infelizmente, fica praticamente impossível evitar acidentes quando não há colaboração da sociedade”, disse o superintendente da CBTU.
Para se ter uma ideia, cada locomotiva pesa 64 toneladas, com mais 32 toneladas de cada um dos três vagões são quase 200 toneladas de ferro. Muito difícil parar tudo isso a poucos metros de distância.
VLT
Por outro lado, é do transporte ferroviário que surge a principal alternativa de melhoria no sistema de transporte coletivo: o Veículo Leve sobre Trilho (VLT).
“Por enquanto ainda estamos na fase dos pré-projetos, mas a primeira etapa está orçada em R$167 milhões da CBTU, porém, um projeto do Governo do Estado, ainda em fase de estudo, que é bem mais arrojado é da ordem de R$ 506 milhões”, disse Erly.
O sistema de VLT será implantado primeiro em Maceió e Recife e só depois em Natal. “Mas se a cidade for escolhida como sub-sede da Copa de 2014, acredito que esses trâmites serão mais ágeis”, disse.
Jovens se arriscam em brincadeiras
Mas, a glória de ser maquinista envolve também momentos de grande dramaticidade. E olhe que não são poucos. Pessoas passando pela frente do trem, carros e motos que não respeitam a sinalização das passagens de nível, construções que não respeitam a distância de 15 metros da linha férrea.
No rio Pitimbu, os adolescentes fazem da linha de trem, o trampolim para seus saltos ornamentais. Uma brincadeira arriscada, que coloca em risco não só a vida deles como a de outras pessoas que estão no trem.
“Costumo dizer que para ser maquinista tem que ter o coração em dia. Nós levamos muitos sustos, as pessoas não têm ideia do quanto é perigosa essa brincadeira”, adverte Edson Santos, maquini
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