O Globo – A alta de até 80%, desde o início do ano passado, no preço de insumos fundamentais para projetos de infraestrutura virou um problema para concessionárias de rodovias, ferrovias e aeroportos e uma dor de cabeça para o governo a menos de três meses da eleição.
Asfalto, aço e diesel, entre outros itens ligados à construção civil, dispararam em meio ao processo inflacionário global agravado pela guerra na Ucrânia. A alta nos custos ameaça frear obras das concessionárias, que falam em revisão de contratos num momento em que o governo está mais interessado em mostrar máquinas trabalhando. Construtoras que tocam obras públicas têm as mesmas dificuldades.
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As concessionárias têm alertado o governo de que os custos mais altos podem atrasar obras e até prejudicar serviços de manutenção, com consequências para usuários. Esperam algum tipo de compensação para cumprirem metas assumidas nos leilões.
A lista de aumentos com forte peso no caixa das empresas é encabeçada pelo cimento asfáltico de petróleo, um dos materiais mais usados em qualquer projeto de rodovias. O insumo subiu 80% nos últimos 18 meses. Mas a alta de preços da construção civil se espalhou para itens como aço, tubos de PVC, ligantes betuminosos, madeira, cobre e óleo diesel.
As empresas de construção também reclamam dos preços dos insumos, como vergalhões, arames de aço ao carbono e cimento. Este último, somente no primeiro semestre, teve reajuste médio de 16,84%.
Em geral, as empresas tentam convencer o governo sobre a necessidade de reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos. Isso pode significar, na prática, aumento de tarifas e de prazos estabelecidos nos contratos, entre outras medidas. Há problemas em concessões antigas e também nas celebradas no governo de Jair Bolsonaro (PL), que busca a reeleição em outubro.
— Existem, sim, problemas detectados no fluxo de caixa das concessionárias. O importante é que haja a construção da solução — diz Marco Aurélio Barcelos, diretor-presidente da Associação Brasileira das Concessionárias de Rodovias (ABCR).
Ele reforça que obras podem atrasar:
— Sem dúvida, sem mudanças, é possível falar em atraso, porque não tem conta que se pague. O risco que corre é o cronograma ficar comprometido.
Juro complica situação
Uma onda de revisão de contratos pode atingir em cheio uma das possíveis vitrines de Bolsonaro no ano eleitoral: a área de infraestrutura, que alçou o ex-ministro Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos) à condição de candidato bolsonarista ao governo do Estado de São Paulo.
Em 2021, por exemplo, o governo federal assinou três concessões de rodovias: BR-116/101, entre São Paulo e Rio de Janeiro; BR-153/080/414, que abrange regiões de Goiás e Tocantins; e BR-163/230, cuja área contempla Mato Grosso e Pará.
O remédio aplicado pelo Banco Central para combater a inflação, a alta dos juros, dificulta ainda mais a situação com o aumento do custo dos financiamentos.
— A situação é muito difícil, até porque o problema dessa inflação não se resolve com taxas de juros elevadas. O caso de rodovias é bastante significativo. Serviços de manutenção e conservação de estradas são afetados, assim como projetos em andamento — diz o presidente da Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), Venilton Tadini.
Fernando Paes, diretor-executivo da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), diz que a alta do diesel levou a entidade a pedir à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) uma revisão extraordinária dos tetos tarifários.
Ele afirma que o setor é muito impactado pelos “fortes e inesperados aumentos do preço do diesel”, que move as máquinas nos canteiros de obras, e cobra resposta rápida da agência:
— O impacto da alta dos principais insumos para investimentos em ferrovias, assim como rodovias, portos e aeroportos, certamente demandará revisão dos contratos com previsão de investimentos.
Ele explica que um dos argumentos usados pelas concessionárias é o de que os reajustes anuais dos tetos tarifários seguem o IPCA ou o IGP-DI. Esses índices, enfatiza, não refletem a real inflação de custos do setor, cujos insumos estão subindo bem acima da média.
— Temos a nossa inflação, que não é a inflação do dia a dia. O preço do aço subiu cerca de 70% em 2021 — exemplifica Vicente Abate, presidente da Associação Brasileira da Indústria Ferroviária (Abifer).
Romaria em Brasília
Ao GLOBO, o Ministério de Infraestrutura e a ANTT confirmaram que têm tratado do tema com as concessionárias, mas informaram que, até o momento, não chegou nenhum pedido formal de revisão contratual. Porém, essa escalada de preços não cria um problema só para os contratos de concessões. Também encarecem as operações de construtoras que executam obras públicas. As empresas do setor tem feito romaria em Brasília em busca de reajustes nos contratos.
“O Ministério da Infraestrutura acompanha as eventuais variações de preços de insumos que possam afetar o setor. O sistema de orçamentação do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) é baseado no Sistema de Custos Referenciais de Obras (Sicro), cuja atualização é periódica e é amplamente utilizado como referencial de custos para obras rodoviárias”, informou a pasta em nota.
A Associação Nacional das Empresas Administradoras de Aeroportos (Aneaa) informa que acompanha com apreensão a escalada dos preços dos insumos para a construção civil, com aumentos expressivos desde meados de 2020.
“As concessionárias do setor têm de cumprir metas contratuais de investimento em ampliação da infraestrutura e a alta, em alguns casos de mais de 50%, observada nos preços de materiais pesados impacta fortemente as previsões de custos estabelecidas nesses contratos de concessão”, afirma em nota.
Aeroporto foi devolvido
Parte dos aeroportos administrados pela iniciativa privada conseguiu reequilibrar contratos neste ano, após o forte impacto dos primeiros anos da pandemia. Uma das empresas que pediu revisão e não teve êxito, a Changi decidiu partir para uma medida mais drástica: devolver a concessão do Aeroporto Internacional do Galeão, no Rio.
A decisão acabou levando o governo a tirar o Aeroporto Santos Dumont, no Centro do Rio, do pacote de terminais a serem concedidos neste ano, atrasando ainda mais investimentos no setor. Os terminais cariocas só devem ir a leilão no ano que vem.
O advogado Frederico Favacho, sócio do escritório Santos Neto, acredita que o cenário pode gerar disputas na Justiça:
— Quando há inflação no custo das obras, normalmente, não há espaço para repasse automático nos contratos firmados com os poderes públicos, que estão amarrados nos termos dos editais que os precederam. Isso pode levar a uma onda de judicialização desses contratos em busca do reequilíbrio econômico.
Especialista em contratos de infraestrutura, Giuseppe Giamundo Neto defende revisão.
— Trata-se de uma problemática que atinge boa parte das concessões de infraestrutura com obras em desenvolvimento. Houve descolamentos inesperados dos padrões históricos de índices relacionados a materiais como asfalto, aço galvanizado, cimento Portland, dentre outros. É algo extraordinário e absolutamente imprevisível, que tem onerando demasiadamente o fluxo de caixa, daí a necessidade de imediata correção — argumenta o sócio do escritório Giamundo Neto Advogados.
Ernesto Tzirulnik, especialista em contratos de infraestrutura e doutor em Direito Econômico e Financeiro pela Faculdade de Direito da USP, avalia que a alta nos insumos se encaixa no critério de fator “imprevisível ou de consequências incalculáveis”, com entendimento, segundo ele, já consolidado do Tribunal de Contas da União (TCU).
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