Estadão (Opinião) – No final de novembro o Congresso Nacional aprovou mudanças importantes no conteúdo da nova Lei de Licitações e Contratos, que estão à espera da sanção presidencial para que se convertam em lei. Entre os ajustes estão a proibição da utilização do modo aberto de disputas para licitações de obras e serviços especiais de engenharia cujo valor esteja acima de R$ 1,5 milhão e a definição de prazo para que as administrações cumpram as obrigações de pagamento previstas nos contratos. São mudanças desejadas para que haja a melhora do ambiente de contratações públicas no Brasil. Mas a proposta despertou críticas de alguns políticos, particularmente quanto à proibição do uso da fase de lances em licitações desta natureza, alegando-se o risco de comprometimento da transparência e da formação de cartéis em licitações desta natureza.
Essas críticas, a nosso ver, não resistem a um olhar mais técnico sobre o tema e revelam uma falta de conhecimento sobre a dinâmica dessas licitações e o contexto em que as alterações foram concebidas.
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Em primeiro lugar, é preciso chamar a atenção para o fato de que a aplicação da fase de lances para licitações de obras e serviços de engenharia foi tratada de modo conflituoso e antagônico pela Lei de Licitações. Na norma do artigo 29, parágrafo único, vedou-se a utilização do pregão, que comporta necessariamente uma fase de lances para processar licitações desta natureza, enquanto na norma do artigo 56, § 1.º, obrigou-se a adoção da fase de lances para o processamento de licitações em geral, incluindo as de obras e serviços especiais de engenharia. Trata-se de uma verdadeira antinomia entre essas normas, que precisava ser corrigida, sob pena de remanescer um tratamento jurídico ambíguo e conflituoso sobre o tema.
Perceba-se que, caso a contradição não venha a ser superada, o impasse será solucionado, no campo da interpretação jurídica, pela prevalência da regra especial – que proíbe a fase de lances –, em detrimento da regra geral. Daí que a solução pela proibição a que a fase de lances seja utilizada para licitações de obras e serviços especiais já é extraída do conteúdo original da lei. Mas um ajuste legislativo nos parece bastante importante para elevar o grau de segurança jurídica em torno da questão.
Em segundo lugar, aquelas críticas desconsideram que a experiência prática com a utilização da fase de lances em licitações de obras e serviços de engenharia que tivemos no Brasil foi bastante insatisfatória, contribuindo para a precarização das propostas comerciais e para a geração de contratações inexequíveis. Não seria exagero dizer que um pedaço importante do nosso acervo de obras paralisadas decorre de inexecuções contratuais decorrentes de propostas inexequíveis.
Na origem, há uma licitação mal modelada, orientada à obtenção do menor preço a qualquer custo, mas nem sempre na busca do melhor preço. A fase de lances está no centro do problema, pois cria um ambiente propício para a chamada “maldição do vencedor” (winner’s curse). Ao induzir a uma redução progressiva nos preços pelos ofertantes, amplia o risco de propostas inexequíveis e da redução da qualidade na execução da obra.
Em terceiro lugar, a proibição da fase de lances não tem nada que ver com transparência ou com cartelização. A transparência do processo não é prejudicada pelo fato de os preços serem apresentados em envelope fechado. Os preços serão sempre secretos enquanto não revelados, tanto os preços apresentados em envelopes fechados como aqueles apresentados durante a fase de lances; tornam-se públicos ao serem relevados.
O que distingue o modo fechado do modo aberto não é a transparência, mas a dinâmica de renovação de lances. O lance apresentado no modo fechado é definitivo; o que é apresentado no modo aberto pode ser renovado. Também não há nenhuma evidência de que o modo fechado amplia o risco de cartelização, pois não é a possibilidade de renovar lances o que pode influenciar os incentivos para a cartelização.
Enfim, as críticas dirigidas aos ajustes aprovados no Congresso Nacional nos parecem inconsistentes e descontextualizadas do ambiente de contratações públicas no Brasil. Contratar obra pública não é o mesmo que comprar caneta ou pó de café. É preciso tratar o tema com a seriedade que merece, considerar o histórico de problemas com modelagens equivocadas e buscar modelos de disputa compatíveis com as complexidades inerentes ao processo de orçamentação e precificação destas obras e serviços. Já passou a hora de endereçarmos definitivamente a questão na legislação, de modo técnico e empírico, longe das retóricas políticas desconectadas da realidade brasileira.
Será também este um ajuste oportuno para melhorarmos a performance das próximas contratações de obras públicas envolvidas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Espera-se que as novas normas sejam devidamente sancionadas pela Presidência da República, sob pena de seguirmos com uma legislação ambígua e propiciadora de litígios e do risco de ampliarmos ainda mais o nosso imenso cemitério de obras públicas.
Por Carlos Eduardo Lima Jorge e Fernando Vernalha
* SÃO, RESPECTIVAMENTE, VICE-PRESIDENTE DE INFRAESTRUTURA DA CÂMARA BRASILEIRA DA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO (CBIC) E DOUTOR EM DIREITO DO ESTADO E ADVOGADO
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