Investidores estratégicos e financeiros, locais e estrangeiros, começaram o ano mobilizados em torno da agenda de privatizações de infraestrutura no país. É difícil não pensar que essa pode ser a repetição da mesma história ouvida no passado recente sobre um longo ciclo de investimentos na área para eliminar gargalos e que acabou frustrando expectativas. Mas os investidores querem crer que desta vez pode ser diferente. Agora, dizem, ao mesmo tempo em que o governo passado deixou pronta lista de projetos prontos para serem executados, a posse de Jair Bolsonaro trouxe novo impulso, já que o presidente e sua equipe têm prometido ampliar as privatizações de serviços como aeroportos, rodovias e ferrovias. As condições macroeconômicas também são mais favoráveis do que no passado e a Lava-Jato eliminou artificialismos que privilegiavam as construtoras nas licitações.
Desde o segundo turno das eleições e principalmente nas primeiras semanas de governo, temos recebido muitas ligações de clientes interessados nos leilões de infraestrutura, diz Daniel O’Czerny, diretor de projetos e infraestrutura do Citi. Diante da procura, o banco planeja fazer em breve uma série de apresentações (roadshow) a clientes europeus para explicar os projetos a serem licitados.
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O mesmo interesse é atestado pelo sócio para infraestrutura da consultoria Roland Berger, Gustavo Lopes. Segundo ele, os investidores estrangeiros começaram a se movimentar pouco antes das eleições, quando o cenário ficou claro.
Estou bastante confiante de que estamos diante de um bom momento para os investimentos em infraestrutura no país, diz Otavio Castello Branco, sócio do Pátria Investimentos, gestora de recursos com grande especialização na área. Do ponto de vista macroeconômico, poucas vezes tivemos taxa de juro e inflação tão baixos e uma área cambial sólida. Além disso, o mercado de capitais está disposto a financiar os projetos, diz ele, mencionando a formação da equipe de governo como algo positivo. Recentemente, a Entrevias, concessionária de rodovias controlada pelo Pátria, financiou toda a necessidade de capital via debêntures de infraestrutura.
Castello Branco confirma o interesse da gestora em ativos de rodovias, linhas de transmissão de energia e de geração, todas áreas em que já possui investimentos. Comenta-se que o Pátria estaria em negociações com um parceiro estratégico para participar da próxima rodada de leilões de aeroportos, marcada para março, e um dos nomes citados é o da operadora alemã Avialliance. O executivo não fala sobre o assunto.
O Pátria tem hoje 14 empresas de infraestrutura em seus portfólios e uma equipe de 60 pessoas dedicadas à área. Atualmente, os investimentos são feitos pelo seu terceiro fundo de infraestrutura, que possui US$ 1,7 bilhão captados principalmente com investidores estrangeiros e que já investiu em oito projetos. Segundo Castello Branco, por ora não há necessidade de captar um novo fundo.
A Vinci Partners é outra gestora de fundos local que já se dedica a infraestrutura e que agora vai ampliar sua aposta. Vamos crescer nossa equipe conforme as oportunidades se concretizem. Já temos identificados possíveis times para atuar dentro das empresas, diz Alessandro Horta, sócio da Vinci.
Para ganhar agilidade para as diversas oportunidades que aparecerão, a gestora resolveu criar veículos específicos por projetos em vez de captar um fundo multissetorial. Um deles está sendo estruturado agora para participar da próxima rodada de aeroportos. A gestora estaria formando um consórcio com a francesa Aéroports de Paris, conhecida pela sigla ADP. Horta não confirma. No caso de leilões de transmissão, a gestora criou um veículo que obteve compromisso de investidores da ordem de R$ 300 milhões a R$ 400 milhões com mandato para participar de diversas rodadas.
O sócio da Vinci diz que, além de aeroportos e linhas de transmissão, a gestora também tem interesse em geração de energia e empresas de saneamento. Esses são os segmentos em que colocamos um foco maior, diz ele, sem descartar que outros possam interessar, como o de rodovias.
O’Czerny, do Citi, calcula que sete a dez grupos, no mínimo, estão avaliando o leilão de doze aeroportos, divididos em três blocos. O banco assessora um deles. Será um mix de investidores financeiros e estratégicos. Hans Lin, chefe de banco de investimentos do Bank of America, avalia que será um jogo mais de operadores do que de investidores financeiros. Na última rodada os operadores já levaram os lotes sozinhos e não precisaram de capital de terceiros, afirma.
Outros nomes de operadores de aeroportos interessados no certame, além de ADP e Avialliance, seriam a suíça Zurich, que opera com a CCR o aeroporto de Confins (MG), a francesa Vinci, que opera Salvador, a alemã Fraport, que opera Fortaleza e Porto Alegre, a francesa Egis, acionista minoritária no grupo que administra Viracopos e a argentina Corporación América, que já está nos aeroportos de Natal e Brasília. A espanhola Aena, que ainda não está no Brasil, também é citada. A Changi, de Cingapura, que administra o aeroporto do Galeão, afirma que está avaliando sua participação na rodada. Entre grupos brasileiros, fala-se de CCR e Socicam, que já administra aeroportos regionais como o de Caldas Novas (GO).
O bloco mais atraente é o do Nordeste, cujo principal atrativo é o aeroporto do Recife (PE). O mais incerto é o do Centro-Oeste, que tem baixo volume de passageiros e exigirá alto investimento.
Para Bruno Aurélio, sócio de infraestrutura e regulatório do escritório Tauil & Chequer Advogados, a existência de vários aeroportos no mesmo bloco vai demandar dos interessados maior investimento para conhecimento de problemas de cada terminal. Como há obrigatoriedade de pagar a outorga à vista, os ágios não devem ser tão relevantes, diz. A cereja do bolo nos aeroportos será a licitação dos blocos que incluem Santos Dumont, no Rio, e Congonhas, em São Paulo, que o governo Bolsonaro já sinalizou interesse em realizar, mas ainda não tem data. Muitos operadores já vão tentar se posicionar no mercado local com ativos menores à espera desses dois aeroportos, opina O’Czerny.
O mês de março promete ser carregado, com outros dois leilões além do de aeroportos (ver arte ao lado). Juntos, os três certames devem resultar em investimentos de mais de R$ 6 bilhões ao longo dos contratos. A temporada começa com os aeroportos em 15 de março. Na sequência, no dia 22, serão licitados quatro terminais portuários de combustíveis (em 5 de abril serão outros seis terminais). Para fechar o mês, está marcado para o dia 28 o leilão de 1.537 quilômetros da Ferrovia Norte-Sul.
Os terminais portuários irão a leilão num momento em que o país se torna cada vez mais dependente da importação de combustíveis. Diante disso, David Goldberg, sócio da consultoria Terrafirma, vê bastante interesse das distribuidoras de combustível. Avaliam os ativos nomes como Ultracargo, Raízen, Oiltanking, BR Distribuidora, Ageo e Cattalini, além de empresas argentinas e chinesas.
Já no caso da Ferrovia Norte-Sul, os interessados naturais são VLI Logística e Rumo Logística, pois o trecho que vai a leilão está no meio das malhas sob concessão das empresas. O tramo Norte da ferrovia desemboca na malha da VLI e o tramo Sul, na rede da Rumo.
Apesar de se tratar de investimento vultoso, ambos são grupos considerados com capacidade para captar recursos. A VLI tem entre os acionistas o fundo canadense que investe em infraestrutura Brookfield, além de Vale, Mitsui e FI-FGTS. Não se descarta no mercado que as duas possam se juntar para arrematar o ativo. A VLI tem uma vantagem competitiva, já que a ala Norte do trecho está pronta e, portanto, geraria sinergia instantânea com sua rede da empresa. Já a parte que falta terminar está na altura que deságua na malha da Rumo.
Goldberg, da Terrafirma, avalia que o investimento exigido na Norte-Sul está aquém do necessário e os volumes de carga geral estão, por sua vez, bastante superestimados. Se os números traduzissem a realidade, a outorga mínima teria de cair algumas centenas de milhões. Resta ver se o interesse estratégico dos grupos em arrematar a ferrovia vai superar essas dificuldades, diz.
Banqueiros, advogados e consultores têm trabalhado também para grandes investidores institucionais interessados nos diversos ativos a serem licitados, com destaque para aeroportos, rodovias e energia. Entre eles, destacam-se os fundos de pensão canadenses e os soberanos da Ásia e do Oriente Médio. Para rodovias, especificamente, tem havido movimentação de construtoras chinesas.
Em termos de perspectivas futuras, Daniel O’Czerny, do Citi, avalia que, embora os projetos mapeados pelo governo e o momento sejam bons, não são suficientes para garantir um ciclo longo de investimento em infraestrutura. O programa deixado pelo governo Temer, o PPI, é bom, mas é curto. Ele vai até 2022, mas a maior parte dos projetos se esgota em 2019 e 2020, diz o executivo. O desafio agora é o governo criar um ‘pipeline’ novo.
Em sua avaliação, o novo governo começou bem na área ao criar o Ministério de Infraestrutura. Será importante para consolidar áreas que estavam espalhadas por autarquias e ministérios, o que tornava tudo mais lento. O ministério único pode virar uma fábrica de projetos, diz.
Otavio Castello Branco, do Pátria, concorda com a necessidade de se renovar a lista de projetos para alimentar futuros leilões, mas diz que já existe um bom caminho andado. O pipeline de rodovias já é bem grande, em ferrovias já existem três a quatro grandes projetos identificados, exemplifica.
Ele, assim como outros participantes do setor, recebeu de forma positiva a indicação de Tarcísio Gomes de Freitas para a pasta de Infraestrutura. Representou a continuidade de algo que estava dando certo, diz ele, referindo-se ao fato de Freitas ter sido o responsável por leilões e concessões no governo de Michel Temer.
Há também grande expectativa entre participantes do setor de infraestrutura com a perspectiva de que o governo de Jair Bolsonaro fortaleça as agências reguladoras, o que aumentaria a previsibilidade de regras para os investidores, reduzindo o risco dos projetos.
O sócio do Pátria diz que, se fosse para citar uma única medida que alavancaria ainda mais os investimentos estrangeiros na infraestrutura, seria o ingresso do país na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Muitos fundos de pensão estrangeiros deixam de investir no Brasil porque o país não é membro da OCDE.
Alessandro Horta, da Vinci Partners, avalia que uma das medidas mais importantes seria o governo criar um mecanismo para mitigar o risco cambial dos investidores estrangeiros, algo que o novo presidente já disse ter interesse em fazer. Se isso acontecer, o céu será o limite para o ingresso de recursos estrangeiros, afirma o gestor.
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