Samir Keedi, economista e professor
Passada mais de uma década da privatização das ferrovias brasileiras, é hora de algum comentário. Entenda como privatização à sua operação pela iniciativa privada. Os ativos continuam do Estado, que é a pior parte desse processo.
Os males desse tipo de entrega é que a concessionária investe no que não é dela. Isso significa que os investimentos, de bilhões de reais, serão do Estado, no caso da concessão não ser renovada. O mesmo sistema infeliz da privatização portuária.
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Os problemas, como se sabe, são pelo menos de duas ordens. O primeiro é que todo investimento deve dar retorno durante o período de concessão. Isso implica no encarecimento das operações ferroviárias, como já ocorre com as portuárias. Caso o ativo fosse dos investidores, é provável que houvesse um barateamento dos serviços de transporte.
O segundo fica por conta dos próprios investimentos e sucateamento do ativo, com evidente redução da qualidade das operações. Ninguém irá investir nos últimos anos de uma concessão, sabendo que aquilo não é seu e com possibilidade de retomada pelo poder concessionário. Não se deve esquecer como as coisas funcionam. Todos conhecem a falta de previsibilidade e regras fixas do País. Vide a questão portuária e os retrocessos que sempre se procura impor aos terminais privatizados.
De qualquer modo, como o empresariado nacional tem vocação para herói, temos visto progressos, com os custos das operações sendo reduzidos. A produtividade também cresceu muito, com ambos beneficiando o usuário, a economia e o comércio exterior. Mas é preciso que o governo federal entre com recursos a fundo perdido para ajudar as ferrovias.
Todos têm consciência de que quando se repassa algo para alguém, ele deve estar em plenas condições de exploração e não foi o que ocorreu com nossas privatizações. O concessionário deveria entrar produzindo, fazer a manutenção e melhorar o ativo de modo a entregá-lo nas mesmas condições.
Obrigar o concessionário a devolver a empresa completamente reformada e com ativos em perfeita ordem não é justo. Contudo, de qualquer modo, a ferrovia já apresenta grandes e indiscutíveis resultados, inclusive lucro, e precisamos incentivá-la e aproveitá-la.
Sendo a ferrovia um modo de transporte mais barato que a rodovia, a mercadoria pode chegar às prateleiras com custo menor, e ter preço menor de venda. Com preços menores, o poder aquisitivo da população, a partir de sua renda disponível, sobe, sem qualquer aumento salarial, permitindo a compra de mais unidades.
A conseqüência disso seria direta, com o aumento do consumo, o que obrigaria o aumento da produção. O resultado seria mais investimento no aparelho produtivo e aumento do emprego, gerando mais renda disponível na economia. Estaria estabelecido o que se chama de círculo virtuoso da economia.
Outro resultado, com a economia girando mais, seria a maior arrecadação de impostos, dando ao Estado a possibilidade de mais investimentos em infra-estrutura geral, o que beneficiaria a todos. Isso poderia provocar, ainda, uma redução da carga tributária percentual.
O País precisa voltar-se para a mudança da matriz de transporte, que é uma das formas de crescimento sustentado. A melhoria da logística interna fará milagres pela nossa economia interna e pelo comércio exterior. A logística é, hoje, a última fronteira para a melhoria de nossos processos e distribuição de mercadorias. Sendo assim, precisamos nos enquadrar no que há de melhor no mundo.
O investimento na ferrovia é urgente. O Brasil possui menos de 20% da malha ferroviária da terra do tio Sam e em piores condições. Em 1948, o País tinha 35.000 quilômetros de ferrovia, que foram reduzidos a 29.000 quilômetros hoje.
As concessionárias estão fazendo sua parte, e é preciso que o governo faça a sua. É necessário que os usuários descubram e prestigiem a ferrovia de modo a tornar o País melhor. Até a qualidade de vida seria melhor com a retirada de boa parte dos veículos rodoviários das vias públicas, reduzindo o investimento em estradas, poluição, etc.
Precisamos que o transporte rodoviário, o mais versátil de todos, tenha uma utilização mais nobre, fazendo pequenos trajetos, viabilizando melhor a intermodalidade e a multimodalidade, bem como os trajetos peculiares.
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