Mineração hi-tech

O jovem maquinista tem nas mãos controle total de uma composição ferroviária de 330 vagões. Da cabeça, onde está a locomotiva principal, até o fim da cauda, são quase 3,5 quilômetros de comprimento. A carga de minério de ferro pesa 35 mil toneladas, o que faz daquele conjunto, sob diversos critérios, o maior trem cargueiro do mundo. A viagem pela Estrada de Ferro Carajás segue normal, a julgar pela tranquilidade da paisagem à volta. Até que, após cruzar a divisa entre Pará e Maranhão, nas redondezas de Açailândia, uma parada de emergência precisa ser realizada.


Inexperiente, o condutor aciona imediatamente o sistema de frenagem, enquanto os últimos vagões ainda estão em uma área de declive da serra, sob a influên-cia da inexorável força da gravidade. A onda de choque percorre a composição inteira e é percebida como um violento tranco no assento. Um sistema eletrônico alerta para o rompimento do engate entre os vagões de número 54 e 55. O mais provável é que tenha havido um descarrilamento.


Refeito do susto, o operador da gigantesca máquina não se preocupa em olhar para trás e tentar medir o estrago, ao contrário. Sente-se aliviado. Tudo não passava de um treinamento em realidade virtual em um dos simuladores da Vale. Os equipamentos, que deixam pouco a desejar aos utilizados no treinamento de pilotos de jato, fazem parte do Centro de Excelência em Logística (CEL). Inaugurado pela companhia em Tubarão (ES), no fim de 2009, o laboratório desenvolve projetos capazes de surpreender quem ainda associa a atividade mineradora à figura do garimpeiro. As iniciativas tornam cada vez mais difícil desassociar a produção de commodities em larga escala do uso intensivo de tecnologia.


O simulador de locomotivas da Vale incorpora um software desenvolvido inteiramente no Brasil, em parceria com cientistas da Universidade de São Paulo, ao custo de 2,5 milhões de dólares. Enquanto o programa que acompanha os simuladores reproduz apenas a topografia da estrada de ferro, a companhia investiu na recriação virtual de todo o relevo em torno dos trilhos.


“O maquinista vê uma realidade muito próxima da que vai encontrar”, explica o diretor de planejamento, desenvolvimento e melhoria contínua da Vale, Mauro Neves. “Somos proprietários de um software totalmente nacional que oferece muito mais do que os equivalentes de mercado, cujos preços são quase proibitivos.”


O executivo afirma que o software é o único no mundo georreferenciado. Ou seja, os cenários são criados a partir das coordenadas do trajeto a ser reproduzido, com o auxílio de bases de dados da internet disponibilizadas gratuitamente por agências espaciais, como a Nasa – a mesma utilizada por outras ferramentas, como o Google Earth. A mesma tecnologia é utilizada nos simuladores de mina, que utilizam realidade virtual e são usados nos treinamentos em caminhões fora de estrada, pilotados não por motoristas, mas por operadores de equipamentos pesados, na terminologia adotada pela empresa. As cabines de realidade virtual evitam que os funcionários assumam diretamente o comando de veículos cujos pneus medem 3 metros de diâmetro e que se erguem à altura de um pequeno prédio de três andares. A capacidade de carga pode chegar a 400 toneladas.


O perfil dos operadores não lembra em nada o de um caminhoneiro comum, a não ser pela exigência da carteira de motorista categoria D. Mas os novos contratados costumam ser jovens, em geral com formação técnica, capazes de exibir não só resistência física, mas também de se sair bem após 120 horas de treinamento teórico, 12 horas no simulador e mais dois meses sentados no banco do carona, antes de assumir o comando de um fora de estrada.


Thalisson Lopes tornou-se, aos 23 anos, o mais novo instrutor de simuladores das minas de Carajás no Pará, depois de passar um ano e meio no comando de um fora de estrada. Mais do que a perícia ao volante, pesaram na promoção a capacidade de ler manuais em inglês e espanhol e o conhecimento de uma série de procedimentos de segurança e do uso de equipamentos, como os quatro diferentes tipos de freio dos caminhões usados nas áreas de mineração. “Dirigir é fácil. O problema é ficar de olho nos avisos de óleo, temperatura e outros comandos que não podem ser ignorados”, diz Lopes. Em junho, ele viaja para o Chile para participar de mais um treinamento e obter a certificação da empresa fabricante dos simuladores.


Em meio a toda a poeira e ao barulho das minas, a tecnologia surge nos lugares mais insuspeitos, como o pátio dos caminhões, onde a lavagem das máquinas eita por robôs. Controles remotos, ainda em fase de testes, começam a ser utilizados em momentos de manobra, carregamento e descarregamento dos veículos. Evita-se, dessa forma, a presença humana em alguns dos locais mais insalubres ao longo da cadeia logística.


A tecnologia não deixa de acompanhar o minério após o embarque nos trens. Na prática, um acidente como o descrito no início deste texto dificilmente ocorreria. As composições ferroviárias da companhia estão incorporando o sistema de frenagem eletropneumático, até hoje usado apenas em trens de passageiros, e que permite o acionamento dos freios vagão a vagão, individualmente. Normalmente, a cada solicitação de parada, uma tubulação de ar que percorre todo o trem é esvaziada, de modo a liberar todas as sapatas de freio. E o sistema só -pode voltar a ser utilizado depois que o ar é novamente bombeado. As composições da Vale equipadas com o sistema permitem o uso parcial da pressão do ar, o que garante um ganho médio de eficiência energética de 2% nas viagens.


Outra inovação é utilizada nas subidas, quando os trens de carga usualmente contam com os cavalos de força extras de locomotivas de apoio, chamadas de drivers. Acopladas ao fim da composição, as máquinas avulsas ajudam a empurrar a estrutura morro acima. O sistema, amplamente utilizado em todo o mundo, evita a necessidade de utilizar durante toda a viagem motores com uma capacidade somente exigida nos trechos mais íngremes. O problema é que sua utilização exige paradas para acoplar e desengatar as máquinas. Entra em cena, então, outra solução brasileira, inspirada nos sistemas de abastecimento de aviões de carga em pleno voo.


“Desenvolvemos um sistema de alinhamento de engates a laser, que permite o acoplamento dos drivers com a composição em movimento. Os trens trocam informações na própria linha, sincronizam lentamente as velocidades e se aproximam até o momento do encaixe”, explica Neves. “Além do ganho de tempo, há uma redução de 5% no consumo de diesel, já que a exigência de combustível é muito maior a cada vez que precisamos colocar um trem em movimento.”


Na chegada ao porto, os vagões são descarregados sobre esteiras rolantes, em máquinas chamadas de viradores. Os operadores, que antes observavam o processo a partir de cabines instaladas à frente do equipamento, agora operam as máquinas a uma distância de cerca de 1 quilômetro. Em vez de observar o interior dos vagões em meio à poeira, os funcionários contam com o auxílio de sete câmeras e um sensor tridimensional, capazes de identificar quaisquer resquícios de minério.


“Tivemos de trabalhar por dois meses com um olho no vagão e outro na tevê, até nos acostumarmos com o sistema novo, mas agora escapamos dos ruí-dos e da sujeira”, comemora o operador Patryck Dias de Mendonça, de 24 anos. Após concluir um curso técnico, ele agora estuda engenharia de automação, de olho na crescente demanda por funcionários capazes de lidar com os novos sistemas e equipamentos.


De acordo com Neves, boa parte das tecnologias colocadas em uso foram propostas pelos próprios funcionários. O diretor afirma que há dezenas de outras iniciativas em andamento, pinçadas de um banco de ideias com 7.195 propostas, que vão de novas formas de sondagem geológica e o uso de teleféricos no transporte de minérios a sensores para reduzir o consumo de energ

Fonte: Revista Carta Capital

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