Ajuste nos trilhos

Se fossem um organismo vivo, é como se, todos os dias, as quase quinhentas cidades brasileiras com populações de 50 mil a 500 mil habitantes sofressem algum tipo de acidente vascular. Em diferentes graus de gravidade, elas apresentam artérias entupidas, trânsito “coagulado” e “pressão alta” no sistema de transporte coletivo. Uma situação que se agrava nos centros urbanos maiores e nas principais capitais do país.


No mais detalhado estudo em curso a respeito dos congestionamentos nas ruas brasileiras, a Fundação Dom Cabral definiu o problema como “apagão na mobilidade urbana”. Iniciado em 2004 e com atualizações anuais, o levantamento é constituído de dezenas de medições mensais em campo e centenas de entrevistas entre as populações de São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Belo Horizonte. Essas capitais registram elevação anual nunca inferior a 15% no tempo perdido no trânsito diário. Uma média que se repete, com pequenas variações, em todos os anos da pesquisa.


A partir de uma equação complexa e rigorosa, os pesquisadores estabeleceram uma remuneração média diária de R$ 70 para cada pessoa presa no tráfego, multiplicaram esse valor pelas horas gastas para a conclusão dos trajetos partida-destino e concluíram que, só em São Paulo, as perdas econômicas chegam a nada menos que R$ 4 bilhões a cada ano.


“Averiguamos um aumento preocupante com o tempo gasto no trânsito e uma drástica redução na qualidade de vida das pessoas”, afirma o professor Paulo Resende, responsável pelo Núcleo de Infraestrutura e Logística da Fundação Dom Cabral. “O pior é que essa situação vai se estendendo a praticamente todas as cidades com mais de 50 mil habitantes, que muitas vezes nem departamento de trânsito ou secretaria de transportes possuem.” Resende é um duro crítico da forma improvisada com que governos lidam com a questão. “Não conheço uma cidade brasileira que use a lei de ocupação do solo a favor do transporte”, diz. “Depois que se constrói um shopping, por exemplo, é que se vai ver o que deve ser feito para minimizar o caos.”


As principais apostas nas capitais para atenuar esse quadro são a integração dos sistemas de transportes e a construção de vias de metrô. No Rio de Janeiro, as duas linhas expandidas recentemente em 1,8 quilômetro e 8 quilômetros já transportam cerca de 550 mil pessoas por dia. “Chegamos a esse volume logo após a entrega à população”, afirma o presidente da concessionária Metrô-Rio, José Gustavo de Souza Costa. “A demanda estava latente.” Orçada em R$ 2,6 bilhões, está em construção a Linha 4. Porém, a ritmo lento. A licitação foi vencida pela empreiteira Queiroz Galvão em 1998, mas a abertura efetiva das linhas só aconteceu em março deste ano.


“Um dos maiores e mais caros gargalos a serem superados é o das desapropriações”, justifica o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro Paulo Fleury, CEO do Instituto de Logística e Supply Chain. “Há dez anos, a Barra (por onde a linha 4 vai passar) era repleta de terrenos vazios, mas agora há um adensamento urbano e, com isso, os valores a serem pagos ficam mais elevados.”


A previsão é de entrega da linha completa em 2016, ano da Olimpíada. Uma meta que abarca um sonho. “Faremos a primeira grande garagem pública metroviária da cidade, onde o usuário deixará seu carro, tomará um carrinho elétrico até a estação do metrô e pagará uma tarifa integrada mais barata”, garante o secretário de transportes, Júlio Lopes.


No Nordeste, a capital do Ceará vive situação semelhante. A licitação para a primeira linha de metrô de Fortaleza foi concluída em 1997, mas somente em agosto deste ano chegarão os dois primeiros trens, de um total de 20, para os testes iniciais. Com 24,1 quilômetros de extensão, o metrô, que poderá acelerar a mobilidade de 350 mil pessoas, só deverá entrar em operação no fim de 2011 – contados 14 anos depois da publicação do edital para as obras. Uma das sedes da Copa do Mundo de 2014, Fortaleza tem um plano anunciado este ano pelo governador do Ceará, Cid Gomes (PSB), de melhorias em seu sistema viário, integração entre ônibus e metrô e reforma do aeroporto. Custo: R$ 6 bilhões.


Apenas o metrô tem custo estimado em R$ 1,44 bilhão. “Aos poucos, estamos conseguindo os recursos necessários por meio do PAC, do BNDES e do nosso próprio caixa”, diz o secretário estadual de infraestrutura, Adail Fontenele.


Em Salvador, o quadro, do ponto de vista da pontualidade, parece ser igualmente grave. O projeto inicial, que previa a ligação do centro com dois dos bairros mais populosos, começou em 2000. Até o momento, as obras a cargo do consórcio Metrosal (Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e Siemens) já consumiram cerca de R$ 1 bilhão, mas a extensão da linha foi reduzida de 11,6 quilômetros para 6. De acordo com a prefeitura da cidade, a previsão é de que as obras terminem este ano e as portas dos trens sejam abertas ao público no primeiro semestre de 2011.


Enquanto Belo Horizonte tem 28 quilômetros e não possui planos para fazer a sua ampliação, Porto Alegre dá mostras de querer mais. A construção da primeira linha foi iniciada em 1980, ligando o centro às cidades ao norte da área metropolitana. Hoje, são 33,8 quilômetros de linhas. Até 2012, mais 9,3 quilômetros deverão ser entregues. “Acreditamos em conexões de meios de transporte para aumentar a mobilidade urbana na capital gaúcha”, explica o secretário nacional de mobilidade urbana, Luiz Carlos Bueno, ligado ao Ministério das Cidades. “Vamos investir mais na linha 1, contratar o projeto da linha 2 e conectar a Estação Aeroporto da Trensurb com o Terminal do Aeroporto Salgado Filho, por meio do aeromóvel.”


Há, porém, os que questionam os custos dos investimentos em metrô quando comparados, por exemplo, a soluções com a dos VLTs (Veículos Leves sobre Trilhos), como os de Curitiba. Com efeito, um quilômetro de construção de metrô custa, em média, R$ 99 milhões, enquanto a mesma extensão de VLT pode ser feita por R$ 33 milhões. Na avaliação do presidente do Centro de Transporte Sustentável do Brasil, Luís Antonio Lindau, nem todas “as cidades brasileiras precisam de metrô”, afirma. “Para São Paulo, realmente é uma necessidade, inclusive por ter uma iniciativa privada forte e possibilitar retorno financeiro, mas as realidades das outras 70 cidades com mais de 500 mil habitantes são diferentes.”


A interligação de modais também é defendida pelos especialistas. Em São Paulo, com seus 20 milhões de habitantes projetados para 2015, a fórmula da interligação de meios de transporte está sendo seguida. De acordo com o estudo da Dom Cabral, os congestionamentos na cidade cresceram 23% entre 2007 e 2008, com duração igual ou superior a duas horas em 74% dos casos. No entanto, a inauguração do trecho sul do Rodoanel e a entrega de duas estações de metrô e 12 de trens, num total de 9,6 quilômetros de extensão de linhas, nos últimos três anos, mostram que as queixas dos paulistanos sobre os congestionamentos tendem, no curto prazo, a diminuir.


Até 2011, o governo estadual deve investir R$ 23 bilhões em transportes. O objetivo é quadruplicar a rede sobre trilhos de 60,2 quilômetros, em 2007, para 240 em 2011 – 162 quilômetros de trens e 78 de metrô. Este ano, os pontos de conexão entre os dois modais subiram para 40 na Grande São Paulo (eram 30 em 2007) e deverão chegar a 91 em 2014. A essas medidas somam-se a ampliação para 6,1 mil vagas nos 39 bicicletários em operação nas estações de metrô e trens. “Nosso plano pretende aumentar o número de usuários do metrô e dos trens”, afirma o secretário de transportes metropolitanos José Luiz Portella.

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