A oportunidade da concessão do Trem de Alta Velocidade (TAV) pode ser analisada em pelo menos quatro aspectos. Um primeiro refere-se à competitividade desse serviço de transporte em qualidade e preço em relação a outras alternativas, notadamente a ponte aérea entre Rio e São Paulo. Um segundo refere-se ao balanço ambiental do projeto que considere tanto a sua implantação quanto a sua operação. Cada um desses tópicos mereceria uma abordagem detalhada e específica.
Para simplificar, partiremos do princípio de que o TAV apresentaria boa competitividade em preço e qualidade em relação ao seu concorrente mais próximo. E que sua pegada de carbono seria também mais vantajosa em relação ao transporte aéreo e ao transporte terrestre automotivo. O foco deste artigo é o custo-benefício de construção do TAV.
Mas um terceiro aspecto também importante refere-se ao custo fiscal do projeto. Neste caso, teremos um custo fiscal direto, determinado pelo valor das desapropriações (entre R$ 3 bilhões a R$ 4 bilhões seriam da responsabilidade direta do governo federal); e um custo indireto, determinado pelo financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), limitado a 60% (R$ 19,9 bilhões) do valor do projeto, o qual poderá ter uma equalização do Tesouro Nacional de no máximo R$ 5 bilhões, se a receita bruta do TAV, do primeiro ao 10º ano da operação do trem, for inferior àquela projetada nos estudos da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).
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Sobre a eventual equalização do Tesouro, há controvérsias se o financiamento do BNDES – tendo como custo básico a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), referência para o financiamento de todos os setores industriais, comerciais e de serviços, incluídas as concessões, inclusive as rodoviárias estaduais, implicaria custo fiscal. Estudos recentes do Tesouro Nacional e do BNDES indicam um custo fiscal zero ou, até mesmo, um superávit fiscal, quando se contabilizam todos os retornos diretos e indiretos produzidos e induzidos a partir dos financiamentos do Banco ao custo de TJLP.
Portanto, de maneira conservadora, é razoável supor que o mesmo resultado fiscal deverá ser obtido com a aplicação de recursos de financiamentos em TJLP no TAV. É bastante provável supor que o subsídio à construção do trem de alta velocidade seja de, no máximo, R$ 9 bilhões, representando pouco mais de 25% do valor do projeto.
Tal valor pode ser considerado baixo ou alto dependendo do custo de oportunidade de outros investimentos, bem como do custo-benefício do projeto em si mesmo. Se o custo de oportunidade for considerado em relação ao de outros sistemas de transportes, a exemplo do metrô, a comparação é altamente vantajosa para o TAV, uma vez que o metrô não consegue remunerar, nem pagar o investimento. O metrô tem de ser ressarcido integralmente pelos tesouros estaduais (ou federal, conforme o caso). Portanto, a comparação deve ser feita entre a parcela subsidiada do TAV e todo o investimento no metrô.
O subsídio de R$ 9 bilhões não é suficiente sequer para construir 9 quilômetros de linhas de metrô no Rio de Janeiro ou em São Paulo, ou seja, a equalização (frise-se, sem custo fiscal) é um pingo d ‘ água no oceano de necessidades destas duas metrópoles.
A equação do custo de oportunidade fica ainda mais favorável ao TAV quando se considera o quarto e principal aspecto do benefício do empreendimento: além da redução do tempo de viagem, da retirada de veículos das estradas e consequente diminuição de congestionamentos e poluição, da segurança para passageiros, ou seja, da melhoria de todo o sistema de transporte, o trem de alta velocidade irá facilitar o deslocamento de executivos, consultores e mão de obra qualificada. Tudo isso vai viabilizar o surgimento de novas localizações corporativas, fora da região metropolitana de São Paulo, que é, no momento, a principal metrópole nacional.
Como é por demais reconhecido, a região metropolitana de São Paulo encontra-se com custos, deseconomias, de aglomeração crescentes (degradação ambiental, aluguéis dispendiosos, congestionamentos de trânsito, violência etc.), o que enseja duas estratégias alternativas e que podem vir a ser complementares.
A primeira é um esforço de microlocalização metropolitana, o que vem sendo tentado há várias décadas, por meio da triplicação de rodovias em direção ao interior do Estado de São Paulo – estratégia que, tudo indica, atingiu o seu limite em termos de eficácia. A outra seria apostar numa segunda metrópole com aptidão nacional e que fosse relativamente próxima de São Paulo.
A proposta do TAV torna exequível as duas alternativas, na medida em que abre espaço para um novo padrão de desconcentração-concentrada microlocacional em Campinas e São José dos Campos, por um lado, e passa a viabilizar a volta do Rio de Janeiro ao cenário nacional, capacitando-o como metrópole nacional alternativa – e complementar – a São Paulo.
O Rio de Janeiro dificilmente seria um espaço concorrente, mas sim, provavelmente, complementar a São Paulo. Em termos de polo de localização corporativa, o Rio de Janeiro estaria acima de Campinas e de São José dos Campos, mas, certamente, um degrau abaixo da maior metrópole brasileira. O TAV ajudaria o coração econômico do Brasil – a região metropolitana de São Paulo – a ter suas artérias desobstruídas, propiciando maior crescimento e um desenvolvimento regional mais equilibrado da economia brasileira. O Rio de Janeiro, São Paulo e o Brasil ganham com o TAV.
*Maurício Lemos é economista e diretor do BNDES
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