Prestes a sair do forno, o novo pacote de concessões de infraestrutura ainda tem conteúdo pouco conhecido. Mas informações já antecipadas indicam que haverá importantes revisões de regras, assim como ocorreu com as políticas fiscal, monetária e cambial neste segundo mandato da presidente Dilma Rousseff. O governo aposta nas concessões para plantar as bases da recuperação da economia, que depende de uma infraestrutura propícia à melhoria da produtividade.
No setor de ferrovias trava¬se um dos debates mais calorosos. O Tribunal de Contas da União (TCU) foi um dos primeiros a questionar o modelo lançado no Programa de Investimento em Logística (PIL), em 2012, que previa a concessão ao setor privado de 11 mil quilômetros de ferrovias e o investimento de quase R$ 100 bilhões. Nesse modelo, a estatal Valec assumiria o risco do investidor privado, comprando toda a capacidade de carga da via para revendê¬la aos transportadores. Segundo cálculos do TCU, o prejuízo do governo somente com a concessão de um trecho da Ferrovia Oeste¬Leste (Fiol) nesses moldes superaria R$ 17 bilhões.
O TCU aplaudiu a intenção do modelo de quebrar com o pernicioso monopólio vertical que pode se estabelecer quando o construtor da ferrovia é seu único operador, com consequências nefastas nos custos e na concorrência, mas destacou que o papel da Valec não garante que os objetivos de maior competição e redução dos preços serão obtidos e que o prejuízo era assustador.
As dificuldades fiscais do governo deram um argumento extra aos críticos do modelo de acesso aberto pois dificilmente a Valec terá condições financeiras para comprar a capacidade de carga e repassá¬la aos transportadores. O professor da PUC¬Rio, Leonardo Rezende, afirma que a concessão integrada produzirá o efeito oposto, isto é, vai abastecer os cofres do governo pois despertará interesse e gerará disputa (Valor, 26/5). Caberá ao regulador estabelecer regras para evitar abusos e fiscalizar as operações.
Já o ex¬presidente da Valec, José Eduardo Castello Branco, afirma que o uso da malha ferroviária por vários operadores é que garante a competição, como em uma rodovia, sugere a adoção das parcerias público¬privadas (PPP) nos casos em que os gastos não serão cobertos pela geração de receita e argumenta que o modelo é usado na União Europeia, parte da Austrália e do Chile (Valor, 28/5).
Nesse mesmo dia, porém, em entrevista ao jornal, o consultor do Banco Mundial que avalia o pacote brasileiro de concessão de ferrovias, Robert Willig, disse que o modelo europeu é uma “tragédia”, não reduziu custos e obrigou o governo a reassumir várias operações. O consultor recomenda um meio termo, que combina o modelo integrado com o acesso aberto e a regulamentação efetiva do direito de passagem.
Há discussões de modelos até mesmo em setores em que as concessões foram bem-sucedidas na primeira etapa do programa, caso dos aeroportos. Depois de ter colocado barreiras nos primeiros leilões para evitar que os grandes grupos participassem de várias disputas simultaneamente ou tivessem participação relevante em diversos aeroportos, há indicações de que o governo pretende reduzir esses limites.
Os leilões de rodovias, sucesso indiscutível da primeira fase do PIL, que ampliou a malha federal concedida à iniciativa privada de 3,9 mil quilômetros para 8,8 mil quilômetros, também não escapam da discussão por maior flexibilidade. Concessões já realizadas poderão ter o prazo ampliado ou aumentos de tarifa autorizados para a realização de obras que estavam a cargo do governo e não foram feitas por falta de recursos. Especula¬se até a inclusão nos leilões de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Nesse processo de revisão de regras, uma das partes mais complexas é certamente a do financiamento, que precisa ser redimensionado depois do corte dos repasses do Tesouro ao BNDES, mas depende de maior participação do sistema financeiro privado.
O pano de fundo das mudanças em gestação no programa de concessões é certamente a limitação fiscal, mas as discussões revelam também da parte do governo uma maior compreensão dos riscos e dificuldades de financiamento enfrentados pelo investidor privado e uma grande vontade de ser bemsucedido para melhorar o clima do país.
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