Mudanças à vista nas agências reguladoras

Os futuros indicados ao primeiro escalão das agências
reguladoras precisarão ter pelo menos dez anos de experiência profissional na
área e serão escolhidos com base em uma lista tríplice encaminhada à
Presidência da República. Esse é um dos principais pontos de proposta elaborada
pela Casa Civil para despolitizar as agências e transformada em substitutivo de
um projeto de lei que já tramitava no Senado.

Em reta final de preparação no Palácio do Planalto, o pacote
de medidas para melhoria do ambiente de negócios vai incluir mudanças
significativas nos órgãos reguladores.

Ao Valor, o ministro Eliseu Padilha disse que pretende
mobilizar a base aliada do governo no Senado para aprovar a proposta já em
agosto. Atualmente, o projeto está na Comissão da Agenda Brasil, que reúne
conjunto de medidas que os senadores – principalmente do PMDB – consideram
necessárias para enfrentar a crise econômica.

Padilha ressaltou que a nova lei geral das agências segue a
mesma linha da mudança nas normas para empresas estatais – já sancionada pelo
presidente interino Michel Temer – e também para as regras de responsabilidade
dos fundos de pensão, que está na lista de prioridades do governo na Câmara dos
Deputados.

Queremos mudar esse ambiente regulatório, impedir
indicações políticas. Isso melhora o ambiente econômico, disse o ministro
da Casa Civil, em conversa com o repórter Thiago Resende, frisando que essa é
uma medida de Estado, e não de governo.

Frequentemente loteado entre indicados políticos, o primeiro
escalão das agências passaria a ter um processo público de pré-seleção. Uma
comissão a ser instituída por decreto presidencial, após a aprovação do projeto
de lei, abrirá chamamento para recrutar interessados em ocupar os cargos de
diretoria colegiada. Só poderão se candidatar profissionais com dez anos de
experiência prévia na área, no mínimo, ou pelo menos quatro anos em postos de
chefia no setor regulado.

Todo o processo deverá estar finalizado 120 dias antes do
término do mandato de cada diretor. Em seguida, essa comissão listaria três
nomes para encaminhamento ao presidente da República, cujo prazo para decisão
será de 60 dias. Não se sabe ainda quem a comporá, mas a promessa é de que não
seja formada por uma patota de caciques partidários. A definição com
antecedência visa evitar situações de vacância na cúpula das agências.

No governo da presidente afastada Dilma Rousseff, a Agência
Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e a Agência Nacional de Transportes
Aquaviários (Antaq) chegaram a ficar períodos de quase três anos sob o comando
de interinos, que não haviam sido sabatinados e aprovados pelo Senado.

Pendente de pequenos ajustes, o texto amarrado pelo Planalto
transformou-se no relatório da senadora Simone Tebet (PMDB-MS). Marcelo
Guaranys, ex-presidente da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e técnico
de carreira da Fazenda, foi um dos responsáveis pela redação. Atualmente ocupa
a subchefia de análise e acompanhamento de políticas governamentais da Casa
Civil.

Há um nítido contraste com a visão predominante na era
petista. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva mal havia subido a rampa
quando, no 49º dia de sua administração, convocou seus líderes no Congresso, em
fevereiro de 2003, para atacar o poder paralelo das agências e
tomar providências contra o processo de terceirização do Estado.
Elas mandam no país, reclamou o ex-presidente, conforme relato
feito logo em seguida por um dos participantes da reunião, seu então aliado
Roberto Jefferson.

A ira de Lula resultou no PL 3.337, que chegou à Câmara em
2004 e sempre caminhou de lado. O projeto estava cheio de aspectos controversos.
Um deles era o estabelecimento de contratos de gestão e desempenho
entre agências e ministérios. Esse contrato deveria ter uma pactuação de metas
e obrigações – vista como uma forma de ingerência no trabalho dos reguladores.
Temia-se, inclusive, a abertura de uma porta para a destituição de diretores
com mandatos estáveis e cortes orçamentários em caso de descumprimento.

O novo texto prevê a formulação de planos de gestão anuais,
mas feitos por suas próprias diretorias e com mecanismos mais flexíveis de
acompanhamento das metas, sem prejuízo da autonomia financeira das autarquias.

Outro passo importante é justamente esse: as agências vão se
tornar unidades independentes no Orçamento Geral da União. Isso não significa
que ficarão livres de eventual contingenciamento. Algumas, como a ANP (petróleo
e gás) e Aneel (energia elétrica), têm arrecadação superior às suas
necessidades por causa de taxas específicas cobradas de empresas reguladas ou
dos próprios consumidores.

Se o projeto for aprovado, a grande diferença é que as
agências não ficarão mais à mercê dos ministérios aos quais estão vinculadas.
Isso as deixa em constante subordinação ao ministro de turno, que hoje está
munido de condições legais para adotar uma atitude de represália quando se
sentir contrariado e pode concentrar os cortes de sua pasta nos órgãos
reguladores.

À luz da realidade nos últimos anos, não são perfumaria
trechos do artigo que tratam, por exemplo, da duração dos mandatos. Os
diretores poderão ficar cinco anos em seus cargos, mas sem a hipótese de
recondução, o que evitaria situações como as vividas na Aneel e na Agência
Nacional de Cinema (Ancine), onde os presidentes Romeu Rufino e Manoel Rangel,
respectivamente, já exercem o terceiro mandato seguido. São ambos conhecidos
pela capacidade técnica, mas a possibilidade de perpetuação nos cargos sempre
pode incentivar outros dirigentes a pautar sua conduta pela chance de
recondução. Talvez até seja ilusão achar que mudanças nas agências reguladoras
serão capazes de destravar grandes investimentos, mas dotá-las de maior
profissionalismo e diminuir o espaço para a ingerência política em órgãos
eminentemente técnicos é uma medida protelada há tempos e que não fará mal a
ninguém.

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