O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ontem ação civil
pública pedindo à Justiça a anulação imediata do contrato de concessão das
linhas férreas no interior do Porto de Santos por indícios de fraude à lei de
licitações e suspeita de formação de cartel. O MPF solicita que a União, as
agências reguladoras e a Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp)
promovam uma licitação para a escolha da nova concessionária, com prazo de 90
dias para a publicação do edital. A ação foi distribuída à 1ª vara cível da
Justiça federal em Santos.
Segundo a procuradoria da República em Santos, o contrato,
em vigor desde 2000, foi firmado irregularmente pela Codesp com o consórcio
Portofer.
A ação narra que as quatro empresas que integravam o grupo
tinham condições de competir entre si. Entretanto, de acordo com o MPF, organizaram-se
para justificar a dispensa de licitação.
As linhas férreas, com cerca de 100 quilômetros, e as
instalações concedidas integravam a extinta Rede Ferroviária Federal.
Atualmente, a titular do contrato é a empresa América Latina Logística S.A
(ALL), que em 2006 assumiu o controle das empresas do Portofer.
Além da Codesp e da ALL (tanto a holding como a Malha
Paulista S.A), também responderão à ação a Agência Nacional de Transportes
Terrestres (ANTT), a de Transporte Aquaviário (Antaq) e a União, na figura
jurídica do Ministério dos Transportes.
As empresas do consórcio já atuavam no porto de Santos
quando o processo de concessão foi aberto. Interessadas em manter as
atividades, elas enviaram uma carta-proposta conjunta à Codesp e foram
contratadas diretamente, segundo a inicial da ação proposta pela procuradoria.
A transferência das linhas férreas do porto de Santos da
estatal Codesp para a iniciativa privada integra o processo de desestatização
deflagrado na década de 90. A primeira Lei de Modernização dos Portos, de 1993,
recomendou a saída das companhias docas da operação portuária. Neste contexto,
a permanência da estrutura férrea dentro do porto sob a alçada da Codesp – que
sofrera um esvaziamento de funções e quadros – não fazia mais sentido, além de
ser um custo adicional de manutenção com o qual a estatal já não tinha como
arcar.
A decisão foi transferir às concessionárias cujos trilhos
chegavam na “porta” do cais a administração das linhas dentro do
porto. Na época, não existia claramente a figura do operador ferroviário
independente.
O contrato, com dispensa de licitação, foi firmado com duas
empresas, a Ferroban e a Ferronorte, em junho de 2000, e é válido por 25 anos-
podendo ser renovado por outros 25. À época, o presidente da Codesp era o ex-ministro
da Agricultura, Wagner Rossi, indicado do PMDB ao cargo e ligado ao então
presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer. O partido era influente no
comando da Codesp, estatal vinculada ao Ministério dos Transportes e
responsável por definir a exploração por privados das áreas do maior porto da
América Latina.
Segundo o MPF, a Codesp justificou que a dispensa da
licitação se devia ao fato de que qualquer das quatro sairia vencedora caso a
concorrência fosse realizada. Para a procuradoria, entretanto, a razão alegada
não se enquadra nas condições previstas em lei para que a disputa, por meio de
processo licitatório, deixe de ser realizada.
“Ora, se qualquer das empresas, que optaram por se
cartelizar, pudesse sagrar-se vencedora do certame, é evidente que existiria
competição viável entre elas”, destacou ao Valor o autor da ação, o
procurador da República Thiago Lacerda Nobre.
Para o MPF, a possibilidade de competição ficou ainda mais
clara com a desistência de uma das empresas do consórcio, a MRS Logística S.A.,
no momento da assinatura do contrato. A companhia deixou o Portofer por
divergências surgidas na etapa de discussão das bases do projeto.
O MPF afirma ainda que não foram apresentados estudos
técnicos ou outros documentos que justificassem a contratação direta. A
procuradoria informou que decidiu ajuizar a ação porque os responsáveis se
negaram a atender duas recomendações para regularizar a concessão. O contrato
firmado está previsto para expirar somente em 2025.
Procurada, a Codesp informou, em nota, que não foi
oficialmente notificada da ação.
Por meio de comunicado enviado pela assessoria de imprensa,
a Portofer afirmou que não tomou conhecimento da ação judicial e que o contrato
“foi celebrado em conformidade com as normas legais vigentes à
época”. Segundo a empresa, a legalidade do contrato foi afirmada tanto
pela Codesp como pelas agências reguladoras.
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