Banqueiros de instituições públicas, privadas e estrangeiras
discutiram ontem, em seminário promovido pelo Valor em Brasília, formas de
canalizar o escasso crédito subsidiado e as isenções de impostos para
viabilizar financiamentos privados de obras de infraestrutura dentro do pacote
anunciado há dois meses pelo governo Michel Temer.
O presidente para a América Latina do Bank of America,
Alexandre Bettamio, defendeu a criação de uma debênture dolarizada para
financiar infraestrutura com isenção de Imposto de Renda e a possibilidade de
empresas emitirem instrumentos híbridos de capital e dívida, seguindo o modelo
hoje permitido para instituições financeiras.
A presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
e Social (BNDES), Maria Silvia Bastos Marques, disse que, durante a travessia
para um modelo em que o setor privado financia a maior parte dos projetos de
infraestrutura, não faltarão recursos do banco público, mas com premissas que
priorizem projetos com retorno social maior do que o econômico.
O presidente do Itaú Unibanco, Roberto Setúbal, destacou o
papel do governo e Congresso em garantir regras macroeconômicas e regulatórias
estáveis e previsíveis, que por si só abrem caminho para que o interesse e a
inovação do setor privado apresentem alternativas para financiar os projetos e
mitigar riscos.
A presidente do Citibank América Latina, Jane Fraser,
destacou a importância de o Brasil estabelecer um arcabouço regulatório sólido,
aliado a uma carteira de projetos exequível, a exemplo do que fazem outras
economias da região, como México e Peru.
Há cerca de dois meses, o governo anunciou uma carteira de
34 projetos de concessões para infraestrutura (aeroportos, mineração, rodovias,
energia, ferrovias e energia) que demandariam investimentos estimados em cerca
de R$ 100 bilhões.
O governo anunciou também uma mudança na lógica de
financiamento desses projetos, que antes era apoiado sobretudo em recursos
aportados pelo Tesouro Nacional nos bancos públicos, com subsídios embutidos
nas operações de crédito para garantir tarifas mais baixas e mitigar custos
regulatórios.
O novo modelo busca fontes de financiamento sobretudo do
setor privado, mobilizando a poupança de longo prazo do país e acessando
recursos externos. A proposta, embora de forma geral vista como sustentável
pelos especialistas na área, levantou dúvidas sobre como seria feita a
travessia, quando o setor privado não está pronto para assumir sozinho a tarefa
e as condições macroeconômicas – sobretudo os altos juros vigentes no país –
seguem longes do ideal.
As questões vão desde o apetite do BNDES para financiar essa
transição até formas para garantir custos de capital compatíveis com as taxas
de retorno dos projetos de investimento e também para mitigar os riscos.
Banqueiros reunidos no seminário Infraestrutura e
Desenvolvimento do Brasil, organizado pelo Valor, com patrocínio da
Confederação Nacional da Indústria (CNI) e apoio do Banco de Desenvolvimento da
América Latina (CAF), delimitaram o papel das instituições públicas para
garantir recursos para o setor e também apontaram soluções para viabilizar
desde já que uma boa parte dos projetos sejam financiado com dinheiro privado.
Bettamio, do Bank of America, defendeu a criação de uma nova
debênture dolarizada que tenha como benefício a isenção de Imposto de Renda.
Ele argumentou que, hoje, já há um sistema parecido, com as Debêntures
Incentivadas de Infraestrutura, mas seu público são sobretudo pessoas físicas,
o que limita muito a possibilidade de alavancar recursos. Hoje, há cerca de R$
15 bilhões desses papéis financiando o setor.
Ele diz que, criando um produto de captação com taxas
competitivas, as empresas podem acessar um mercado subutilizado de
financiamentos estrangeiros. Hoje, lembrou, a dívida externa brasileira
vinculada a obras de infraestrutura é de apenas US$ 3 bilhões, num débito
externo total do setor privado de US$ 150 bilhões.
O pagamento de impostos e a necessidade de os investidores
se protegerem do risco cambial tornam os custos dessas operações proibitivos,
chegando a 135% do CDI. A isenção de Imposto de Renda possibilitaria reduzir
esse custo para 125% do CDI. “Se sair essa isenção tributária, haverá uma
fila de empresas para emitir debêntures”, disse Bettamio.
Ele disse que os custos podem ser ainda menores se o governo
autorizar que empresas do setor de infraestrutura façam captações sob a forma
de instrumentos híbridos de capital e dívida, permitidos para instituições
financeiras. Um desses instrumentos é o título perpétuo, que nunca vence e é
tratado como uma espécie de capital. Como não há o pagamento, a empresa que
capta não precisa proteger o principal da variação cambial, apenas o pagamento
de juros periódicos. O custo, segundo ele, poderia cair a percentuais tão
baixos quanto 105% do CDI.
“Esses dois instrumentos bancariam quase todos os R$
100 bilhões necessários para financiar os 34 projetos de infraestrutura
anunciados pelo governo”, disse ele. “Estou otimista porque as
soluções não são complexas e o BNDES está disposto a financiar 50% dos projetos
com a TJLP.”
Maria Silvia, do BNDES, procurou afastar rumores de que
pudesse haver falta de recursos do banco para financiar os projetos de
infraestrutura anunciados. “Nunca dissemos que não há recursos para
financiar infraestrutura”, disse ela. “O que dissemos é que mudaram
as premissas de financiamento.”
Isso significa, segundo ela, que ganham mais subsídios os
projetos com um retorno social mais elevado, como o caso do saneamento básico.
Neles, ganhos como a melhora dos índices de saúde e proteção de recursos
hídricos são superiores aos resultados simplesmente econômicos contabilizados
no balanço das empresas.
O banco também se compromete a apoiar a travessia para
mecanismos de financiamento de mercado por meio da compra de até 100% das
debêntures emitidas pelos empreendimentos, juntamente com o fundo de
investimento do FGTS, conhecido como FI-FGTS.
Maria Silvia foi bastante questionada se, com o pagamento
antecipado de R$ 100 bilhões da dívida do BNDES com o Tesouro Nacional, o banco
não teria falta de recursos para financiar os projetos de infraestrutura e de
outros setores da economia.
Segundo ela, o pagamento antecipado foi negociado entre o
BNDES e o Tesouro e leva em conta o fluxo de recebimento do banco nos próximos
anos, que dá uma margem de conforto para continuar a prover recursos dentro do
planejado.
Ela não descartou, inclusive, um pagamento ainda maior ao
Tesouro, já que hoje a instituição tem um caixa de R$ 150 bilhões. Para tanto,
ponderou, seria necessária uma negociação com o próprio Tesouro para blindar o
seu caixa, discutindo aspectos como a distribuição de dividendos e outros desembolsos
extraordinários, como ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). “Pagamos
100% de dividendos, isso é excessivo”, disse. “Não deveríamos ter
isso como prática.”
Para Setúbal, os bancos privados não teriam condições de
financiar os projetos de longo prazo com recursos de seus próprios balanços,
mas ainda assim teriam um papel importante a desempenhar na estruturação de
operações no mercado de capital e fornecendo avais e fianças, por exemplo.
Mas ele disse acreditar que, com um ambiente econômico
estável e um arcabouço regulatório confiável e equilibrado, inclusive no que
diz respeito às tarifas, o próprio mercado terá condições de criar alternativas
para bancar os investimentos.
A ênfase do governo, disse, deverá ser trilhar o caminho
atual, que inclui as medidas de ajuste fiscal, que pela primeira vez dão um
horizonte de previsibilidade de 20 anos e outros avanços, como a redução
gradual das metas de inflação. Essas medidas permitiriam que a economia
operasse com juros mais baixos.
“Estamos caminhando para uma taxa de um dígito
sustentável”, disse Setúbal. “Com juros de curto prazo de 7% ou 8%,
que acho bastante possível, temos alternativas para financiar projetos a 9% ou
10%, o que é bastante interessante”, disse o presidente do Itaú Unibanco.
Jane Fraser, do Citibank, destacou que a carteira de
projetos tem que ser atrativa. “O dinheiro virá se o projeto for
previsível e transparente”, disse. “Isso vale para o investidor local
e externo.”
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