Empreiteiras negociaram propina para abafar apuração de cratera do metrô de São Paulo

Representantes de empreiteiras envolvidas no acidente nas
obras da linha 4-amarela do metrô paulista em 2007 negociaram o pagamento de
propina com um advogado que se dizia intermediário de um promotor de Justiça,
segundo a Folha apurou com profissionais ligados a três das construtoras do
consórcio que fez a linha.

O objetivo da negociação era favorecer executivos das
construtoras investigados no desabamento no canteiro de obras, que deixou sete
mortos em janeiro de 2007, no início da gestão José Serra (PSDB). Esse foi o
maior acidente da história do Metrô de SP.

A obra foi feita pelo consórcio Via Amarela, que era
liderado pela Odebrecht e tinha a participação de Camargo Corrêa, OAS, Queiroz
Galvão e Andrade Gutierrez.

As fontes que tiveram conhecimento sobre as tratativas,
porém, dizem não saber se o suborno foi pago. A simples solicitação ou oferta
de propina, porém, já configura o crime de corrupção, de acordo com o Código
Penal.

O Tribunal de Justiça julgará nesta quinta (17) o caso do
desabamento em segunda instância. Em primeiro grau, a Justiça absolveu os 14
réus das empreiteiras e do Metrô por considerar que a Promotoria não conseguiu
provar que os acusados tinham condições de evitar a cratera e as mortes.

A denúncia do Ministério Público não apontava a
responsabilidade de membros dos altos escalões das empreiteiras ou da estatal
de trens.

AS NEGOCIAÇÕES

Segundo as fontes ouvidas pela Folha, nas tratativas de
propina em 2007 um dos representantes das empresas foi o advogado Fernando
Maximiliano Neto, que já havia trabalhado no departamento jurídico da
Odebrecht. Outro nome é o do advogado Ismar Marcílio de Freitas Jr., que dizia
representar o então promotor Ruy Pires Galvão Filho.

À época do acidente, Galvão integrava a equipe de promotores
do foro regional de Pinheiros (zona oeste da capital), responsável pelo caso.
Ele nega ter atuado na apuração, apesar de ter assinado papéis da investigação.

Galvão, que foi promovido a procurador, aparece citado de
maneira cifrada em e-mail apreendido pela Polícia Federal na Operação Lava
Jato, segundo a Folha apurou.

Nessa mensagem, enviada em 2 de julho de 2007, o diretor da
Odebrecht nas obras da linha 4, Marcio Pelegrini, pede autorização para pagar
um “beneficiário” identificado como “Rui Falcão (prom)”,
referente à “metro-L.4”. Justificativa: “Ação: apoio no processo
de invest. MP”.

O “Rui Falcão” mencionado no e-mail é Ruy Pires
Galvão Filho, segundo fontes que tiveram conhecimento sobre as negociações em
2007.

A mensagem aponta também que a quantia inicial a ser paga
seria de R$ 200 mil e caberia à Odebrecht arcar com um quinto do montante.

Em avaliação sobre essa mensagem, a PF aponta em relatório
que “ao que parece, o pagamento em questão se destinava à obtenção de
algum favorecimento nos resultados da apuração e talvez da ação para
ressarcimento que foi proposta pelo parquet [Ministério Público]
estadual”.

A propina total, segundo papéis apreendidos em 2009 na
Operação Castelo de Areia, que investigou a Camargo Corrêa, seria de R$ 3
milhões.

A cúpula do Ministério Público abriu investigação sobre o
suposto pagamento de propina no mês passado, após a Folha revelar que
documentos obtidos pela PF mostravam indícios de suborno no caso.

O advogado apontado como interlocutor do promotor já foi réu
em um processo sob acusação de ter pedido US$ 500 mil a uma empresária para
“sumir” com supostas provas que a ligariam a falsificações de
certidões do INSS. Ao final, foi absolvido.

A relação entre Galvão e Freitas Jr. já foi citada pela
revista “Veja”. Reportagem de 2006 diz que eles circularam por
Brasília em 2005, auge do mensalão, dizendo que a promotora de eventos Jeany
Mary Corner poderia entregar figuras do PT, algo interpretado pelo então
ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, como tentativa de extorsão.

OUTRO LADO

O procurador Ruy Galvão Filho nega ter negociado vantagens a
empreiteiras na investigação do maior acidente da história do Metrô e diz que
nunca poderia ter favorecido as construtoras porque não atuou no caso.

Mesmo após a Folha enviar ao Ministério Público cópia de um
requerimento assinado por ele nos autos dessa apuração, Galvão reafirmou, por
meio de nota enviada pela assessoria de comunicação do Ministério Público, que
teve apenas uma “atuação meramente formal, corriqueira e lateral”, ou
seja, sem participar da investigação do caso.

Galvão pedia no documento mais prazo para a conclusão do
inquérito policial.

“O então promotor e atual procurador de Justiça Ruy
Galvão não atuou no caso. Portanto, era impossível negociar qualquer tipo de
vantagem”, afirma o texto.

“O fato é que ele não participou da investigação e
tampouco do oferecimento da denúncia, esta a cargo do profissional responsável
pelo caso desde janeiro de 2007.”

O promotor que iniciou a apuração foi José Carlos Blat. Já a
denúncia foi apresentada por Arnaldo Hossepian.

Galvão também nega que tenha participado em 2005 de atos de
extorsão contra petistas durante o mensalão.

Segundo a nota da Promotoria, “episódio de 2005 foi
devidamente investigado pela Corregedoria do Ministério Público. O procedimento
foi arquivado, uma vez que nada se apurou contra a atuação do membro do
MPSP”.

O advogado Ismar Marcílio de Freitas Jr., apontado por
representantes das empreiteiras como o intermediário na negociação da propina
nas apurações sobre o acidente, diz que não atuou no caso.

“Na época do acidente eu estava fora de São Paulo.
Nunca advoguei para empresas, nunca estive na Odebrecht ou OAS. Não tenho
contato com ninguém dessas empresas”, afirma.

Freitas Jr. diz que conhece Galvão e defende-o. “Ele
nem atuou nesse caso”, diz, repetindo a versão do promotor.

O advogado afirma que a versão de que tentou extorquir
petistas durante o mensalão, quando defendia a promotora de eventos Jeany Mary
Corner, “foi apenas ilação” da revista “Veja”.

Freitas Jr. diz que o único caso em que foi réu sob acusação
de extorsão acabou arquivado. Ele era acusado de pedir US$ 500 mil a uma
empresária para desaparecer com papéis que poderiam envolvê-la em crime de
falsificação. “Foi uma montagem que fizeram contra mim.”

O ex-advogado da Odebrecht, Fernando Maximiliano Neto,
apontado como negociador pelas construtoras, afirmou à Folha que preferia não
se manifestar.

A Camargo Corrêa, OAS e Odebrecht não quiseram se
pronunciar.

Cronologia

12.jan.2007

Desabamento nas obras da linha 4-amarela do metrô em
Pinheiros, na zona oeste de São Paulo, mata sete pessoas

Entre 2007 e 2008

Ministério Público de SP investiga o caso, concluindo que,
desde dez.2006, já havia sinais de que o terreno estava cedendo

Jan. e fev.2009

Promotores denunciam 14 pessoas (cinco funcionários do Metrô
e nove do consórcio construtor ou de terceirizadas)

11.mai.2016

Juíza acata a tese do consórcio de que terreno era
imprevisível e inocenta os 14 acusados; falta julgar indenização

19.out.2016

A Folha revela que documentos apreendidos pela PF sugerem
suborno a promotores por empreiteiras; MP abre inquérito

17.nov.2016

Nesta quinta, o Tribunal de Justiça de São Paulo julgará o
caso do desabamento em segunda instância

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