Enquanto o porto de Santos (SP) deveria estar se capacitando
para receber os navios da próxima geração, deu um passo para trás. No dia 29 de
junho, o assoreamento no canal de navegação do porto, o principal do país,
interrompeu a saída de dois navios – um da Maersk Line e outro da MSC, por
risco de encalhe. O porto é administrado pela Companhia Docas do Estado de São
Paulo (Codesp), responsável pela contratação das dragagens de manutenção.
A perda de profundidade levou à redução do calado máximo
operacional em quase um metro, de 13,2 para 12,3 metros, já parcialmente recuperada.
Hoje, o calado máximo operacional está em 12,6 metros.
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O resultado é que as maiores embarcações que frequentam
Santos – responsável por um terço da balança comercial – não conseguem mais
operar à plena capacidade. Isso significa perda entre 5 mil e 15 mil toneladas
por navio de grande porte, dependendo da embarcação. Em termos de receita de
frete marítimo, os armadores deixaram para traz o equivalente a US$ 23 milhões
até sexta-feira.
“A estimativa é conservadora, porque algumas empresas
não passaram informações por questões estratégicas”, afirma José Roque,
diretor-executivo do Sindicato das Agências de Navegação Marítima do Estado de
São Paulo.
Sem poder entrar à plena carga em Santos, porto inescapável
para os navios de importação pelo fato de o centro comprador do país ser o
Estado de São Paulo, alguns navios estão tendo de fazer uma parada extra em
portos que não estavam na rotação para “aliviar” carga e se enquadrar
no calado permitido do cais santista. É custo em cadeia.
De imediato, a carga fica para traz; no médio prazo, o
armador tem de compensar valor do que é dispensado e tende a elevar o frete. No
fim do dia, sobe o custo Brasil.
A alta taxa de assoreamento em Santos, um porto mais
suscetível ao impacto de ressacas, já impõe um limite ao carregamento das
embarcações. Os grandes navios têm de esperar a maré subir – o que adiciona um
metro no calado máximo permitido – para saírem ou entrarem totalmente
carregados. Situação que restringe a rotatividade no cais.
A perda de quase um metro na operação de uma só vez causou
revolta em terminais portuários. Sobretudo porque a Codesp recolhe tarifas
dessas empresas pela realização da dragagem.
A Codesp tem contrato com a empresa Dragabrás para a
manutenção da profundidade do canal de navegação. Questionada, a estatal não
explicou por que o calado foi reduzido já que a dragagem deveria ser contínua,
nem quanto tempo o trecho que perdeu profundidade teria ficado sem receber o
serviço.
“É um retrocesso. O maior porto da América Latina não
pode ter esse tipo de problema em 2017”, diz o principal diretor da Maersk
Line na Costa Leste da América do Sul, Antonio Dominguez. A empresa calcula uma
perda de 220 Feus (contêiner de 40 pés) que deixam de ser carregados por cada
navio que precisa operar com calado acima do atual limite. “Essa situação
anualizada é insustentável”, afirma João Momesso, diretor de trade e
marketing da companhia. A Maersk, como outros armadores, vem de uma sequência
de anos de prejuízo, devido aos fretes baixos.
A perda de capacidade para as companhias de navegação seria
maior se a próxima classe de navios, com oferta para 12 mil Teus (contêineres
de 20 pés) e calados maiores, já estivesse em águas brasileiras. Só não
chegaram porque os volumes de comércio exterior brasileiro ainda não se recuperaram
a ponto de justificar a vinda dessas embarcações – mas também porque a
profundidade de portos “inescapáveis” como Santos não permite.
“Se Santos é uma espécie de camisa de força para o
armador na importação, o mesmo já não acontece na exportação. Há algum tempo os
armadores já pulverizam a carga em outros portos do Sul. As prioridades do
porto de Santos parecem ser mais políticas, relegando a segundo plano sua
relevância no comércio exterior”, diz Leandro Barreto, sócio da Solve
Shipping e coordenador do curso de gestão de transportes da Fundação Instituto
de Administração (FIA).
Principal armador no Brasil, a Hamburg Süd lamenta que
Santos – cujos terminais têm investido em estrutura e equipamentos e num
momento de volta das exportações – tenha de restringir capacidade de navio. No
serviço para o Norte da Europa, o mais importante da empresa e onde estão
alocados seus maiores navios, cerca de 8% dos carregamentos estão
comprometidos. “É muito significativo. A primeira semana foi dramática, porque
tivemos de tirar água de lastro, que é o que equilibra o navio. Desde então
estamos fazendo um controle de booking”, afirma José Roberto Salgado,
diretor de operação e logística.
Procurada, em nota, a Codesp informou ao Valor que está
“atuando com a dragagem no trecho 1 para retomar a profundidade de
projeto” e que uma nova batimetria (levantamento da profundidade real) vai
ser apresentada à Capitania dos Portos para que seja “homologado o calado
operacional adequado”.
Leia também: Redução de calado é
falha operacional e de gestão
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