O setor de cabotagem, responsável pelo transporte de cargas
entre portos brasileiros, entrou na mira do Ministério Público Federal (MPF),
que investiga denúncia de formação de cartel e atuação de servidores públicos
da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) para atender pleitos de
determinadas empresas.
O inquérito instaurado pelo núcleo de combate à corrupção do
MPF apura se companhias de transporte marítimo e funcionários da agência têm
atuado em conjunto, comprometendo a competitividade do setor, que movimenta ao
menos R$ 10 bilhões por ano. Atualmente existem 41 empresas de cabotagem
autorizadas pela Antaq. Em 2016, a movimentação de cargas no setor chegou a
212,5 milhões de toneladas. Nos últimos cinco anos, o crescimento médio anual
da movimentação de cargas na cabotagem foi de 2%.
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A acusação analisada pela Procuradoria da República no
Distrito Federal partiu da empresa Posidonia Shipping. A companhia carioca
denuncia que, desde que entrou em operação, em 2013, tem sido alvo constante de
decisões anticompetitivas por parte da Antaq. Pela denúncia, a agência estaria
privilegiando interesses de empresas associadas à Associação Brasileira de
Armadores de Cabotagem (Abac).
Mudança nas regras. Entre os episódios de atuação do suposto
cartel narrados pela Posidonia e incluídos no inquérito, a principal queixa diz
respeito à publicação de uma resolução pela Antaq em 2015, que mudou as regras
de contratação temporária de navios estrangeiros por empresas brasileiras. A mudança
mexeu com as exigências para o transporte de contêineres e cargas em geral, o
que, segundo a denúncia, teria favorecido as empresas ligadas à Abac e retirado
a Posidonia dessas operações.
O MPF enviou a acusação para a Secretaria de Acompanhamento Econômico
(Seae), do Ministério da Fazenda, para que fossem analisados os reflexos da
norma no mercado. A Seae confirmou que a medida restringe a competição no
setor. O órgão afirma, em relatório obtido pelo Estado, que a resolução da
Antaq “reduz, potencialmente, a concorrência nos setores de navegação de apoio
portuário e de cabotagem”, por conta de restrições de afretamento de
embarcações de outros países. A secretaria recomendou ao MPF que o caso seja
encaminhado ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para análise
sobre a atuação das empresas e da suposta formação de cartel. O inquérito do
MPF pede o afastamento preventivo de vários servidores da Antaq. Também orienta
ao diretor-geral da agência, Adalberto Tokarski, que instaure procedimento
disciplinar para apurar o caso.
A acusação de existência de cartel recai sobre seis empresas
ligadas à Abac e outras duas que não são associadas. As investigações serão
encaminhadas para o Cade e a Polícia Federal. Ao Estado, o presidente da
Posidonia, Abrahão Salomão, disse que a empresa se cansou de ser prejudicada
por práticas ilegais. “Vemos agentes públicos que deveriam preservar o
interesse nacional, agindo na defesa de cartel formado por empresas
estrangeiras travestidas de brasileiras, utilizando-se da presunção de
legitimidade que seus cargos lhes conferem em prol de práticas irregulares, e
benefícios próprios”, afirmou.
Apuração. A Antaq evitou comentar temas como a publicação de
resoluções restritivas ao mercado de cabotagem ou mesmo a citação de diretores
e funcionários da agência em denúncias de ligação com suposto cartel do setor,
mas confirmou que apura as acusações feitas pela Posidonia. “Esta agência não
comenta fatos relacionados a processos que tramitam na agência, no Judiciário e
no MPF, sob sigilo legal. No entanto, confirma que recebeu requisição de órgão
representante do MPF para instauração de procedimento disciplinar, que foi
devidamente atendida com instauração de processo para apuração, o qual
encontra-se em andamento”, afirmou.
A Associação Brasileira dos Armadores de Cabotagem (Abac)
declarou que “atua na defesa dos interesses comuns das empresas afiliadas, não
tendo qualquer interferência na atuação comercial dos seus associados, que
atuam em regime de livre concorrência entre si, dentro do que lhes é assegurado
pela legislação vigente”. Segundo a associação, “é totalmente descabida” a
acusação de que lidera um cartel no setor de cabotagem. “A Abac nunca recebeu
qualquer notificação ou indicação da existência de um inquérito sobre o assunto
mencionado, e se formos procurados pelo MPF, Cade, Polícia Federal, ou qualquer
outro órgão governamental não teremos qualquer problema para prestar os
esclarecimentos que forem demandados”, declarou.
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