Nem Arauco e nem Fibria. O processo de venda da Eldorado
Brasil Celulose, controlada pelo grupo J&F, caminha para ter um desfecho
inesperado. Estão muito avançadas as conversas para a venda do controle
acionário para a indonésia Asia Pulp & Paper Group (APP), uma das maiores
do ramo no mundo, segundo informação de uma fonte qualificada. Nos próximos
dias, uma equipe da J&F e outra da APP tentarão finalizar um acordo de
compra de ações, que na sexta-feira já estava bem adiantado. A APP fez uma
proposta financeira superior a R$ 15 bilhões por 100% da empresa de celulose.
A venda da Eldorado faz parte do programa de desinvestimento
que o grupo J&F deslanchou para reduzir seu endividamento depois que seus
controladores, os Batista, admitiram envolvimento em práticas de corrupção.
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Se as conversas evoluírem bem, a venda pode ser fechada
ainda esta semana. Na sexta-feira, a J&F comunicou à Arauco que estava
encerrando as negociações com o grupo chileno, que havia despontado como
favorito em junho, quando o ativo foi colocado à venda. Um contrato de
exclusividade de 45 dias com os chilenos venceu no dia 3, mas as conversas
prosseguiram após isso.
Na semana passada, os dois lados ainda negociaram
intensamente, mas na sexta-feira a Arauco informou que não conseguiria cobrir a
oferta do concorrente. A chilena avaliou a Eldorado em R$ 14 bilhões e aceitou
todas as condições colocadas pelos Batista, segundo disse uma pessoa com
conhecimento do assunto.
Dos mais de R$ 15 bilhões da proposta da APP, têm que ser
descontados cerca de R$ 7,5 bilhões em dívidas da Eldorado, resultando num
“equity value” também em torno de R$ 7,5 bilhões para 100% do
capital. Como a J&F detém 80,98%, lhe caberiam aproximadamente R$ 6 bilhões
em pagamento. Os fundos de pensão Petros e Funcef detêm 8,53% cada um.
O Bank of America foi contratado pelos fundos para buscar o
melhor acerto dentro da Eldorado, que poderá ser a venda de suas fatias ao novo
controlador, à qual têm direito, ou a permanência como minoritários. As
fundações têm direito a uma série de vetos na empresa e devem usar esse poder
para melhorar sua posição negocial com o novo controlador. Três pessoas a par
do assunto consideram que, ao valor de R$ 15 bilhões, o mais provável é que
optem por sair do negócio.
Assim que venceu a exclusividade com a Arauco, ainda na
madrugada do dia 3 para o dia 4, a APP enviou aos Batista a sua proposta
vinculante e, a partir daí, entabulou conversas diretamente com o empresário
Joesley Batista para acelerar o processo. O diálogo direto foi decisivo para
que a APP despontasse no processo como favorita. Na operação, a APP é
assessorada pelo banco de investimentos BTG Pactual.
O grupo indonésio se propôs a aceitar os mesmos termos
contratuais da Arauco, apurou o Valor. Se fechar a compra, vai assumir, por
exemplo, o litígio com a Fibria, em que a Eldorado é acusada pela concorrente
de clonar mudas de eucalipto. Assumirá ainda o risco de não aprovação da
transação pelas autoridades concorrenciais, além de ter concordado em fazer um
contrato sem outras condições predecentes. E também trocará as garantias de
dívidas da Eldorado.
A Fibria, controlada pelo grupo Votorantim, tem enorme
interesse no ativo, com o qual alcançaria grande sinergia, já que ambas possuem
fábricas e florestas vizinhas em Três Lagoas. Tentou se aproximar dos Batista
para firmar um contrato de exclusividade, sem êxito. Os Batista resistiram em
abrir seus números a um concorrente direto com quem sempre viveram às turras.
Dois outros grupos estrangeiros fizeram ofertas: a também
indonésia April e a estatal chinesa China Paper Corporation. Teria partido da
April a maior proposta, de quase R$ 16 bilhões. No entanto, a APP demonstrou
interesse mais firme e foi incisiva na aproximação.
A venda do negócio de linhas de transmissão da Âmbar,
empresa de energia da J&F, também caminha para um desfecho até o fim do
mês. A Brookfield ofereceu R$ 835 milhões pelo controle e está finalizando uma
auditoria.
A expectativa na J&F é concluir o programa de
desinvestimento da holding e da JBS até o fim de setembro para “virar a
página”. Em dois meses o grupo vendeu a fabricante de chinelos Alpargatas
para os controladores do banco Itaú (Itausa e gestora de recursos Cambuhy), a
empresa de lácteos Vigor para a mexicana Lala, e os frigoríficos da JBS no
Mercosul para o grupo Minerva.
A conclusão do programa de desinvestimento, com Eldorado e
parte da Âmbar será suficiente para zerar sua dívida e fazer um caixa
considerável. A Alpargatas rendeu R$ 3,5 bilhões ao grupo, Vigor trouxe R$ 2,8
bilhões e Âmbar e Eldorado devem representar outros R$ 6,83 bilhões, somando
pouco mais de R$ 13 bilhões. Após quitar a dívida de cerca de R$ 10 bilhões, a
J&F terá R$ 3 bilhões disponíveis.
O Banco Original, considerado um investimento ainda em fase
incipiente, será mantido, assim como a empresa de produtos de higiene e limpeza
Flora. Apesar da pressão sobre o grupo, a holding espera registrar retorno
expressivo nas operações. Vigor foi vendida por três vezes o valor investido.
No caso da Eldorado, que recebeu um investimento de R$ 1,5 bilhão do grupo, a
proposta da APP equivale a quatro vezes o valor investido.
A venda da empresa irlandesa de carnes Moy Park, em
andamento, e também da Five Rivers (confinamento nos EUA) encerrará o programa
de desinvestimentos da JBS, estimado em R$ 7 bilhões, que incluía ainda uma
fatia da Vigor e os frigoríficos do Mercosul. Como a JBS também renegociou sua
dívida de R$ 16 bilhões com bancos, deve sair de um índice de alavancagem de
4,2 vezes (relação entre a dívida líquida e o Ebtida em 12 meses) para algo em
torno de 3 vezes. A JBS, com subsidiárias nos EUA, Europa e Austrália, é o principal
ativo do grupo e manterá faturamento de R$ 140 bilhões ao ano mesmo com vendas
de ativos.
Superada a fase de desinvestimento, os Batista esperam, a
partir de outubro, poder se concentrar em outros aspectos da recuperação do
grupo pós-delação premiada, como o reputacional. Na seara legal, são muitas as
pendências.
O grupo é investigado pela Polícia Federal e pela Comissão
de Valores Mobiliários (CVM) por suspeita de uso de informação privilegiada na
compra de dólares e negociação com ações da JBS antes da divulgação do acordo
de delação premiada. Há ainda cláusulas do acordos de delação e de leniência a
serem cumpridas nos próximos seis meses.
É grande a expectativa no meio empresarial e bancário
brasileiro quanto à necessidade ou não do grupo de fechar um acordo com o
Departamento de Justiça dos Estados Unidos, o DoJ. Os Batista têm assegurado a
interlocutores que não será necessário firmar acordo e pagar multa porque não
foram cometidos crimes nos Estados Unidos. “Não houve corrupção nas
empresas de lá, as empresas brasileiras não têm ações negociadas no mercado americano
e os pagamentos de propinas no Brasil foram em espécie e com notas frias ou uso
de doleiros, ou seja, não envolveram o mercado de câmbio ou bancário nos
Estados Unidos”, disse uma pessoa próxima da J&F.
O Valor apurou que as empresas do grupo estão sendo
investigadas nos Estados Unidos por advogados contratados pela própria J&F,
conforme acerto com o DoJ. Pelo procedimento padrão nesses casos, a cada quinze
dias os advogados se reportam ao DoJ – e ao grupo – sobre o andamento das
auditorias. As investigações vinham sendo conduzidas pelo escritório americano
Baker McKenzie, mas ele está em fase de substituição por outro escritório de
advocacia. A expectativa é que as investigações nos EUA sejam concluídas
simultaneamente ao cumprimento do acordo de leniência no Brasil, no primeiro
trimestre de 2018.
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