O gargalo argentino: estradas ruins, pouca ferrovia e portos congestionados

Entre poças d’água, caminhões de carga transitam em baixa
velocidade pelo pavimento de cascalho. Embora a garoa seja intermitente, não é
difícil prever a dificuldade, em dias de maior precipitação, para percorrer
somente 9 quilômetros da rua que dá acesso a uma das plantas esmagadoras com
maior capacidade da Argentina, localizada em Timbúes, no núcleo portuário de
Rosário, o principal do país, composto por 29 terminais, distribuídos em cerca
70 quilômetros às margens do Rio Paraná.

A precariedade do caminho contrasta com a capacidade de
processamento nas esmagadoras, como a da Renova, uma joint venture das firmas
Vicentin e Glencore que pode processar até 20.000 toneladas de soja por dia e
investe para aumentar em 50% a capacidade. Essa é uma das 48 plantas de
processamento do país e o complexo de Rosário, na província de Santa Fé, conta
com 20 delas. As fábricas dessa área são responsáveis por nada menos que 78% da
capacidade nacional, estimada em 202.800 toneladas diárias. A Bolsa de Comércio
de Rosário (BCR) estima que apenas cerca de 30% da capacidade instalada está
ociosa.

Grandes congestionamentos nas estradas que levam a Rosário
são cenas comuns na época de colheita, de janeiro a junho, com o pico entre
março e maio. As vias que levam às instalações se congestionam com a quantidade
de caminhões, o que se reflete em filas duplas nas rodovias. “Cada vez que
chega a época da colheita, todos os acessos aos portos ficam congestionados. É
uma reação em cadeia”, diz o presidente da BCR, Alberto Padoán, que também é
diretor da Vicentin.

Um relatório do Banco Mundial apontou que o congestionamento
provoca um custo adicional no frete estimado em US$ 8,10 por tonelada. Durante
a colheita de soja, até 14 mil caminhões chegam diariamente a Rosário e levam
até 30 horas para descarregar. A espera deriva de carências na infraestrutura
viária e de uma capacidade de descarga portuária insuficiente.

Especialistas apontam os gargalos na exportação. A soma de
rodovias e estradas rurais em mal estado com a falta de trens e ferrovias, além
do baixo desenvolvimento do transporte fluvial, dificulta o escoamento. Somente
2.800 quilômetros de autopistas estão bem conservados. A situação é paradoxal
frente ao objetivo do presidente Mauricio Macri de mudar a imagem da Argentina
de celeiro para um potente motor agroindustrial.

 

Volume

 

Em 2016, a Argentina exportou 87,8 milhões de toneladas de
cereais, soja e seus derivados. Cerca de 67,7 milhões deste volume, ou 77%, foi
embarcado na Grande Rosário, que é o terceiro maior conglomerado urbano do
país, atrás de Buenos Aires e Córdoba.

O segundo complexo portuário mais utilizado foi o de Bahía
Blanca, de onde saíram cerca de 10 milhões de toneladas, seguido pelo de
Quequén, com 7,1 milhões de toneladas, representando 11% e 8% dos embarques,
respectivamente. O restante foi embarcado pelos portos de Zárate, Ramallo,
Villa Constitución-San Nicolás.

A BCR estima que, em 2016, o complexo portuário de Rosário
recebeu 2 milhões dos 2,6 milhões de caminhões e 194.700 dos 258.700 vagões que
ingressaram nos terminais portuários do país. A região também recebeu cerca de
3 mil barcaças, além de 2.100 navios oceânicos dos 2.900 que passaram pelo
sistema portuário.

Alfredo Sesé, secretário técnico de transporte e
infraestrutura da BCR, observa que o maior problema “é o desequilíbrio da
matriz de transporte a favor do uso do caminhão”. Os entraves podem acentuar na
medida em que a Argentina aumente sua safra. A ausência de políticas oficiais e
um crescente desinteresse estimulado pela comodidade de ter uma produção muito
concentrada nas proximidades dos portos favorecem o uso do caminhão.

 

Fretes

 

Nos custos agrícolas, o frete é um dos fatores que mais
incidem na diminuição das margens do agricultor. Levar a produção de fora do
núcleo de Rosário até seu complexo agroportuário implica em um aumento entre
30% e 40% no custo do transporte em lavouras mais distantes, em um raio entre
700 e 1.150 quilômetros.

Uma pesquisa realizada pelos especialistas Julio Calzada e
Emilce Terré, do departamento de investigações econômicas da BCR, estimou que a
cadeia de cereais e oleaginosas argentina gasta US$ 4 bilhões anuais com frete
de caminhão, o equivalente a 1% do PIB do país de 2016. Os cálculos foram
feitos sobre a base de uma estimativa de colheita total de 126 milhões de
toneladas, das quais 105 milhões de toneladas são transportadas em caminhões
dos campos às indústrias, aos portos e para o mercado interno. Outros 11
milhões de toneladas são transportadas por ferrovias e apenas 200.000 toneladas
viajam em barcaças.

Conforme o estudo, baseado em números do Ministério da
Agricultura, fontes próprias e outras oficiais, cerca de 8,7 milhões de
toneladas chegam por caminhões do norte da Argentina para a região central
(portos da Grande Rosário, indústrias e consumo em geral). A essa carga foi
aplicado um custo estimado de US$ 65 por tonelada. Para o resto da mercadoria
que chega aos portos da Grande Rosário, Bahía Blanca, Quequén e outros, o valor
do frete para uma distância média de 320 quilômetros é de US$ 35 por tonelada.

Da safra de 126 milhões de toneladas, 105 milhões são
transportadas por caminhões

Pelo terceiro ano consecutivo, a pesquisa apontou que é mais
caro transportar por 1.000 quilômetros grãos do norte da Argentina para os
terminais portuários da Grande Rosário do que enviá-los deste complexo para os
portos da China, a mais de 20.000 quilômetros de distância. Um exemplo de
comparação é o traslado de uma mercadoria de Joaquín V. González, em Salta, até
os portos de Rosário, percorrendo 1.150 quilômetros, com custo unitário de US$
65 por tonelada por quilômetro. Enquanto isso, o frete marítimo a partir de
terminais da Grande Rosário aos portos asiáticos, por exemplo, em Xangai, na
China, custa US$ 39 por tonelada por quilômetro.

Um estudo da BCR comparando os fretes com os dois principais
países concorrentes na exportação de grãos e oleaginosas mostrou que o frete de
caminhão da Argentina é 70% mais caro que o dos EUA e 76% mais caro que o
brasileiro para distâncias equivalentes. Vale observar que, ao contrário da
Argentina, mais da metade da produção brasileira de grãos está bem distante dos
portos.

A principal vantagem do complexo portuário de Rosário, além
de concentrar o processamento da soja, é justamente a proximidade com a principal
zona produtora argentina, o Pampa Úmido. Em um raio de 300 quilômetros,
concentram-se 46% da produção de grãos e outros cultivos do país, passando
pelas províncias de Santa Fé, Córdoba, Buenos Aires e Entre Ríos. Outra
facilidade natural é a barranca elevada do Rio Paraná, que facilita os
carregamentos a granel.

“Esse sistema argentino é líder no mundo e funciona. Mas
estamos trabalhando em condições desfavoráveis, como a elevada inflação e a
pesada carga tributária.”, disse o economista chefe do Instituto de Estudos
Econômicos e Negociações Internacionais da Sociedade Rural Argentina
(Ieeyni-SRA), Ezequiel de Freijo.  Na
opinião dele, “quando o governo deixar o ritmo de gradualismo nas reformas e
promover os ajustes necessários, o modelo agroexportador da Argentina será
muito mais eficiente e difícil de ser vencido por outro país, mesmo o Brasil,
apesar de seu tamanho”.

O analista da consultoria Agritrend, Gustavo López,
concorda. Para ele, o Brasil tem dificuldades não só de logística, mas em sua
estratégia de vendas. “O consumo interno do Brasil de óleo e farelo de soja é
muito elevado e tem um comprador forte da soja em grãos, que é a China, o que
lhe dá comodidade. E, por isso, tem uma lógica de negócios de valor agregado
voltada para o mercado interno e de matéria-prima destinada à China”, detalhou.
A Argentina desenvolveu sua lógica para exportar valor agregado, já que o
consumo interno é menor do que sua capacidade de produção.

A intenção do governo Macri é reforçar esse modelo e
melhorá-lo com obras de infraestrutura. Afinal, exportar a mercadoria com valor
agregado amplia a entrada de divisas, gera empregos e atrai investimentos. “Se
o país tem como motor da economia o setor agropecuário, o setor agroindustrial
não é menos que um turbo. Temos de gerar maior valor agregado”, diz Alberto
Padoán, em sintonia com o discurso oficial.

O governo anunciou o projeto denominado Belgrano, que, entre
outros objetivos, prevê, até 2019, investimentos do Estado e das plantas
industriais instaladas nos terminais para melhorar 1.600 quilômetros da linha
ferroviária que passa por seis províncias do norte (Jujuy, Salta, Tucumán,
Chaco, Santiago del Estero e Santa Fé).

 

Leia também: Produtividade
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Fonte: Globo Rural

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