Privatizar é bom, mas olhando apenas o caixa vira um perigo

Os livros de ensino médio costumam resumir a história
contemporânea com simplificações, mas atendo-se ao que é verdadeiramente
importante contar para jovens estudantes. Daqui a algumas décadas, quando for
preciso condensar os tempos de FHC-Lula-Dilma-Temer em dois capítulos, talvez
não haja linhas suficientes para descrever o processo de privatização em
setores-chave da infraestrutura brasileira.

Mas poderia se dizer mais ou menos assim: nos anos 90,
diante da necessidade de estabilização da economia e com juros altíssimos, o
governo FHC vendeu ativos preciosos e usou o dinheiro para conter minimamente a
explosão da dívida pública.

O tucano acertou e errou. É quase consenso o sucesso na
privatização das teles. Já a desestatização da Rede Ferroviária Federal
(RFFSA), feita aos trancos e barrancos para evitar novos prejuízos e levantar
algum caixa, deixou problemas incontornáveis de regulação. Basta dizer que mais
de 60% da malha hoje está completamente abandonada. As ferrovias não se
expandem e concessionárias cobram só um pouco abaixo do frete por caminhão, no
limite do que podem.

Além do ranço ideológico, Lula não precisava de dinheiro com
privatizações. Surfou no superciclo das commodities e conseguiu colher os
frutos de uma saudável formalização da economia, com pleno emprego e aumento da
arrecadação. Para que enfrentar sindicatos e a clientela petista se vivíamos a
ilusão da megalomania dos investimentos estatais?

Com Dilma, os preços do minério e da soja despencaram, a
economia perdeu fôlego, e ela aguentou-se enquanto não radicalizava suas
manobras fiscais. Para reeleger-se, levou a estratégia ao limite, pedalando
despesas para manter sensação térmica de crescimento econômico que não condizia
com a temperatura fora do ar-condicionado. O resultado é conhecido.

Na infraestrutura, admitindo que o Estado não tinha dinheiro
nem agilidade para tocar grandes projetos, Dilma trocou o PAC pelo PIL. Aceitou
o investimento privado, mas nunca se entregou de coração. Resultado: um plano
de concessões com contratos mal feitos, duplicações de rodovias que nunca
saíram do papel, um modelo esquisito para novas ferrovias que desagradou o
mercado. Pelo menos, por causa da Copa do Mundo e da Olimpíada, ganhamos aeroportos
que fazem sentir-nos no primeiro mundo, com lojas bacanas, corredores
iluminados, embarque sem ônibus irritantes. Que as concessionárias vencedoras
dos leilões tenham pagado ágios malucos e hoje estejam com risco de quebrar
torna-se mero detalhe?

Temer trocou o PIL pelo PPI – maldita sopa de letrinhas! -,
criou uma força-tarefa para coordenar as privatizações, acredita de corpo e
alma no papel do capital privado na infraestrutura. O mercado adora e aplaude.
“Mas perdemos a racionalidade e agora discutimos tudo sob o prisma
fiscal”, resigna-se um técnico do governo que, antes entusiasmado com a
modelagem das novas concessões, vê agora uma pressão gigantesca da equipe
econômica por vender tudo o que for possível. Brinca que o Planalto hoje só pensa
em três coisas: fazer caixa, fazer caixa, fazer caixa.

Fazer o leilão de Congonhas? Ótimo. Vão chover interessados.
O terminal fica mais bonito. Melhoram-se as condições operacionais. Poucos
sabem que as companhias aéreas deixam um avião parado no pátio para lidar com
imprevistos e não serem punidas por atrasos nos voos. A gestão privada pode
ajudar muito, certamente. Mas e o passageiro de Rio Branco, de Campo Grande ou
de Teresina? Fica com uma Infraero em frangalhos e sem caixa para o básico?
Vende-se o filé mignon, cobre-se um pouco do rombo e deixa-se o osso para o
Estado, sem pensar na regulação.

Privatizar a Eletrobras é boa ideia. Chega de deputado
indicando presidente da Chesf e senador mandando em Furnas. Mas uma pergunta
incomoda: será que é mesmo certo uma usina hidrelétrica construída no início do
século passado, totalmente amortizada, cobrar tarifa mais cara do que o
megawatt-hora de Belo Monte ou de Jirau? “Descotizar”, na prática,
significa mais ou menos isso. Resolve-se o dilema jogando a culpa na Dilma, e
pronto. Não seria legar à próxima geração os erros cometidos na privatização da
RFFSA, nos anos 90, porque afinal precisamos dar um jeito de cobrir o rombo de
2018? A resposta não cabe em um livro de história do ensino médio.

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