Projetos de mineração miram áreas preservadas

O Ministério do Meio Ambiente elaborou uma nota técnica
contrária ao fim da Reserva Mineral de Cobre e seus Associados (Renca), extinta
por meio de um decreto do presidente Michel Temer. O parecer da Secretaria de
Mudanças do Clima e Florestas da pasta, ao qual o GLOBO teve acesso, emitido em
20 de junho, alerta para o “possível aumento do desmatamento associado,
principalmente, aos efeitos migratórios decorrentes do projeto” na região com a
liberação da área para a mineração. O documento do ministério aponta que, em
2016, havia 646 requerimentos de lavra dentro da Renca. Desses, 41 estão em
terras indígenas e outros 600 aproximadamente estariam dentro de unidades de
conservação. Na área da reserva mineral estão nove unidades de conservação
florestal e terras indígenas.

A pasta do Meio Ambiente foi contra o primeiro decreto de
Temer e o ministro Sarney Filho só entrou no assunto na segunda versão do
texto. Apesar de participar “pessoalmente” da discussão do novo documento, o
ministro não subscreve o texto, que é assinado pelo presidente da República e
pelo ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho. O novo decreto foi
publicado na última segundafeira, numa tentativa do governo de minimizar as
críticas com o fim da Renca.

O parecer do Ministério do Meio Ambiente afirma que é
preciso manter a área da Renca proibida para a mineração “frente ao cenário de
aumento do desmatamento na região como um todo e à possibilidade de abrir uma
nova frente de conversão em áreas que ainda não foram afetadas de forma
significativa”.

GARIMPO NÃO JUSTIFICA LIBERAÇÃO

Os técnicos do ministério reconhecem que já se observa
atividade de mineração na Renca, mas que isso não justifica extinguir a área:
“Todavia, a existência de garimpeiros pequenos e locais não deve servir de
argumento para justificar alterações no decreto que acarretam perdas
ambientais. Ainda que estejamos convictos da conciliação entre
produção/extração e proteção ambiental, ressaltamos que essa expansão não deve
se dar sobre Terras Indígenas e Unidades de Conservação (exceto quando previsto
no Plano de Manejo da unidade), haja vista a importância dessas áreas de
floresta para a manutenção da biodiversidade e a garantia das metas brasileiras
de redução do desmatamento”, diz.

O texto faz um alerta ainda para o risco de aumento da
violência na região: “Além disso, a experiência recente mostra que interesses
econômicos agressivos aliados à gravíssima situação fundiária da Amazônia
Legal, sob a alegação de promover o desenvolvimento regional, vem motivando o
aumento da violência no interior do país. Em parte, isso se deve aos modelos de
crescimento econômico que não privilegiam o desenvolvimento endógeno, tampouco
respeitam a autodeterminação local, e em parte devido aos conflitos pela terra
gerados durante os programas de negociação e de reassentamento promovidos pelos
empreendimentos”, diz o texto.

A nota técnica do Ministério do Meio Ambiente, contrária
Àextinção da Renca, considera que a liberação para a mineração na área tem
potencial de atrair novos moradores à região rapidamente. Na avaliação dos técnicos
ambientais, esse boom na migração é um dos principais fatores que podem levar
ao aumento do desmatamento na área.

“Junto com a migração, motivada principalmente pela
necessidade de mão de obra, cresce a demanda por serviços auxiliares, o que
pode levar a necessidade de abertura de novas áreas, que fogem da alçada dos
estudos de impacto ambiental. Apesar de parecer um horizonte indutor da
economia local, o horizonte temporal desses benefícios é relativamente curto,
tanto é que na etapa de licenciamento são exigidos os planos de fechamento e a
elaboração de programas de diversificação da economia municipal ou regional”,
diz o texto.

RISCO EM ÁREA EQUIVALENTE A PORTUGAL

O documento lembra que o Brasil conseguiu reduzir em 60% o
desmatamento na Amazônia Legal em relação a 2005. Os resultados representam um
potencial de captação de recursos internacionais, desde que seja possível
assegurar a permanência desses resultados, apontam os técnicos. Eles afirmam
que as unidades de conservação e as terras indígenas são barreiras importantes
contra o avanço do desmatamento.

Com nove unidades de conservação e terras indígenas, a Renca
tem aproximadamente 46,5 mil quilômetros quadrados. Desses, 45,7 mil
quilômetros quadrados estão cobertos por floresta e 206 quilômetros quadrados
correspondem à rede hidrográfica, segundo dados anexados ao parecer.

“Observando as taxas de desmatamento recentes, verificamos
baixos valores de desmatamento, totalizando 151 quilômetros quadrados nos
últimos cinco anos de monitoramento. Isso mostra que as áreas protegidas no
local têm sido efetivas em conter o avanço do desmatamento”, assinala o
parecer.

Para Paulo Barreto, coordenador do Imazon, instituto de
pesquisa sobre a Amazônia, o principal problema com o projeto é a falta de
preocupação e de retorno para as áreas exploradas. Segundo ele, os maiores
beneficiados são sempre governo e empresas, e não as cidades.

— A região da Renca já tem um problema grave de exploração
ilegal, e o governo nunca fez nada sobre isso. Agora, o que eles estão dizendo
é ‘como já tem garimpo, vamos liberar.’ Em vez de punir os culpados, eles tiram
a proteção da área, sob o argumento de que vão cuidar. Mas não é isso que
acontece — disse.

Barreto cita outros projetos na Amazônia e destaca que a
consequência tem sido aumento de violência, invasão de terras, imigração e com
pouco retorno em termos de pagamento de impostos.

Segundo Márcio Santilli, sócio-fundador do Instituto
Socioambiental (ISA), apesar de algumas áreas da Renca possuírem planos de
manejo — que preveem a possibilidade de atividades de mineração em pontos
específicos da reserva —, há a preocupação de que tais regras não sejam
respeitadas.

— De fato, é possível que haja extração em alguns locais
preestabelecidos, mas não é isso que acontece. No DNPM (Departamento Nacional
De Produção Mineral), vemos que praticamente toda a extensão da Floresta de
Paru, por exemplo, que é uma das áreas mais vulneráveis da Renca, está
requerida por empresas privadas. Fica a pergunta se essas áreas serão
respeitadas ou se mesmo as áreas não previstas no manejo poderão ser objeto de
exploração.

A polêmica sobre a Renca trouxe à tona a discussão sobre o
avanço de atividades econômicas na região. Levantamento do WWF mostra que foram
aprovados ou estão em tramitação no Congresso Nacional e em assembleias
legislativas estaduais projetos de lei e medidas provisórias que colocam em
risco áreas protegidas cuja área equivale ao tamanho de Portugal ou cerca de 80
mil quilômetros quadrados, sobretudo na Amazônia Legal.

Uma das maiores ameaças é o projeto de lei 3751/2015, que
torna caducos todos os atos de criação de unidades de conservação cujos
proprietários privados não foram indenizados no período de cinco anos. Cálculos
preliminares do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
(ICMBio), citados no levantamento do WWF, apontam que há 56 mil quilômetros
quadrados de terras privadas ainda não indenizadas no interior de unidades de
conservação federais no país. A proposta foi apresentada pelo deputado Toninho
Pinheiro (PP-MG) e aguarda deliberação na Comissão de Finanças e Tributação da
Câmara dos Deputados.

‘ÁREA DE PROTEÇÃO VIRA MOEDA DE TROCA’

Uma zona protegida prestes a sofrer revés é a Floresta
Nacional do Jamanxin, no Pará, que havia sido criada para conter o desmatamento
na região da BR-163. Em maio, o Congresso aprovou a MP 756, que transformava
parte da floresta em área de proteção ambiental (APA). Apesar de também ser uma
unidade de conservação, a APA tem critérios de uso mais flexíveis. Uma das
principais diferenças entre uma floresta nacional e uma área de proteção
ambiental é que a primeira permite apenas a presença de populações
tradicionais, sendo que as áreas particulares incluídas no seu limite devem ser
desapropriadas. Já a APA admite maior grau de ocupação humana e existência de
área privada.

No entanto, a má repercussão da aprovação da MP levou o
presidente Michel Temer a vetar a MP em junho. Na mesma ocasião, Temer vetou
parcialmente a MP 758, que alterava os limites do Parque Nacional do Jamanxim,
para dar passagem à Estrada de Ferro 170, também chamada de Ferrogrão, em fase
de construção no Pará. No mês seguinte, porém, o Executivo enviou ao Congresso
projeto de lei com objetivo de alterar os limites da Floresta do Jamanxim. Com
as emendas de parlamentares, o ICMBio estima que a floresta vai perder quase 8
mil quilômetros quadrados de área, mais do que a MP previa.

— A redução de áreas protegidas não é novidade no Brasil,
mas esse processo se acelerou no governo Lula. O governo Temer fez disso uma
procissão. Para ganhar apoio no Congresso, as áreas de proteção ambiental
viraram moeda de troca. Isso afeta, sobretudo, a Amazônia Legal, que compreende
não apenas a Floresta Amazônica, mas áreas de transição em estados limítrofes —
afirma Jayme Gesisky, especialista em políticas públicas do WWF.

Para Luiz Jardim, professor da Uerj e integrante do Comitê
Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração, o caso de Jamanxin
mostra que o governo aceita flexibilizar unidades de conservação:

— Isso indica que, numa eventual exploração mineral na
Renca, não hesitaria em diminuir (áreas de proteção). Do Oiapoque ao Chuí,
cidade e campo, floresta e praia, nada fica de fora de uma nova lei fundiária
que organizações ambientais e de urbanismo consideram um dos maiores ataques a
unidades de conservação e à ordenação urbana já feitos no país. A nova lei já
está em vigor e cria a figura jurídica do “direito à laje”, legaliza habitações
insalubres, como cortiços, e invasões em parques nacionais dentro de áreas
urbanas como o Parque Nacional da Tijuca (PNT). Além disso, permite tornar
legais invasões de grandes áreas, com até 2.500 hectares ou um pouco mais do
que três vezes o tamanho do bairro de Copacabana.

A lei que regulariza invasões de áreas públicas e ocupações
de imóveis da União foi alvo de uma carta conjunta de 60 organizações
não-governamentais e redes da sociedade civil entregue em julho ao
procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Nela, as ONGs representadas pelo
Observatório do Clima pedem a abertura de uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade (Adin) contra a Lei 13.465, originária da Medida
Provisória 759.

Sancionada pelo presidente Michel Temer em 11 de julho, ela
é chamada por ambientalistas da Lei da Grilagem. Mas pode vir a se tornar
também a Lei da Laje ou ainda do Cortiço. Já que cria a figura do “direito à
laje” e do puxadinho e não exige habite-se.

— Essa lei promove a liquidação dos bens comuns dos
brasileiros e fere a Constituição numerosas vezes. Dilapida o patrimônio da
União e das gerações presentes e futuras ao ceder para particulares bens
comuns. Além disso, estimula a precarização das condições de vida da população
de baixa renda. Lajes e cortiços podem ser legalizados sem que seja necessária
qualquer contrapartida do Estado em infraestrutura básica. O Estado lava as
mãos e vira às costas a condições de vida insalubres — afirma a advogada
Patrícia Cardoso, uma das especialistas em direito ambiental e urbano que deu
apoio técnico ao pedido de abertura de uma Adin.

A nova lei abre caminho para legalizar as ocupações de casas
pertencentes ao Jardim Botânico do Rio, de empreendimentos de condomínios e
hotéis embargados, como Jurerê Internacional (Santa Catarina) e mansões
condenadas à demolição às margens do Lago Paranoá, em Brasília. Ou ainda de construções
dentro de unidades de conservação, como a que avança pelos limites do Parque
Nacional da Tijuca, no Morro do Banco, no Itanhangá.

‘CONVITE A NOVAS INVASÕES’

 Patrícia destaca que
a Lei 13.465 é particularmente perigosa para o meio ambiente, em especial para
a Amazônia, e toda a zona costeira do Brasil:

— A lei premia a grilagem e é um convite a novas invasões.
As zonas costeiras ficam particularmente vulneráveis porque a lei abre mão de
uma série de exigências ambientais que hoje impedem a construção dentro de
áreas protegidas.

A Lei 13.465 altera 23 leis, uma medida provisória e três
decretos-lei. Tem tantas possibilidades de interpretação e brechas que
transforma em incógnita de regras fundiárias o que era propriedade da União,
transfere patrimônio público para propriedade privada, tanto para uso domiciliar
quanto comercial.

— Não há conexão com os planos diretores de cidades e eles
podem ser desrespeitados sem que haja punição — alerta Nelson Saule, do
Instituto Pólis.

A nova lei foi sancionada pelo presidente Michel Temer
alegadamente para corrigir injustiças sociais e dar titularidade às terras
invadidas por pessoas de baixa renda — principalmente em unidades de
conservação da Amazônia. Um exemplo é o Parque Nacional do Jamanxim, no Pará.
Só que a lei contempla empreendimentos muito maiores, com até 2.500 hectares. E
estes podem ser comprados da União por valores que vão de 10% a 50% do valor
mínimo do mercado.

Pelas contas de Brenda Brito, especialista em questões
fundiárias e pesquisadora do Imazon, o prejuízo à União somente com a renúncia
às áreas ocupadas até 2009 na Amazônia Legal chega a R$ 19 bilhões:

— Esse valor equivale a 14 anos de orçamento do Ministério
do Meio Ambiente, que hoje não tem dinheiro nem para o combustível dos veículos
da fiscalização do desmatamento. A lei permite legalizar sem exigir
licenciamento ambiental. Abre precedentes perigosos e é um convite à grilagem e
à violência no campo.

A lei oferece facilidades a quem ocupa imóveis da União.
Quem invadiu propriedade da União até 22 de dezembro de 2016 pode regularizar
até dois imóveis, inclusive um comercial.

Se tiver renda entre cinco e dez salários mínimos, o invasor
pode pagar com sinal de 5% do valor da avaliação e financiar em até 240 meses
sem juros. Já quem tiver renda familiar acima de dez salários mínimos precisa
pagar 10% de sinal e parcelar em 120 meses. As pessoas de menor renda podem
requerer a transferência gratuita, mas terão de cumprir uma série de
exigências.

Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente e atual
presidente do Conselho de Meio Ambiente e Mudanças Climáticas da Associação
Comercial do Rio de Janeiro, vê na lei uma declaração de incompetência.

— Não punir a grilagem, o assalto aos bens públicos e
negligenciar o licenciamento ambiental não só dilapida o patrimônio comum
brasileiro quanto é uma admissão da incapacidade do governo de combater crimes
ambientais. O que essa lei faz é legalizar os crimes que o governo não consegue
ou quer combater.

O Ministério do Meio Ambiente (MMA) preferiu não se
manifestar.

  

Leia também: Governo
deve engavetar mineração em fronteira

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