O empresário Guilherme Quintella
lidera desde 2013 o projeto da Ferrogrão, a ferrovia de mil quilômetros que
ligará o Mato Grosso aos portos do Pará, reduzindo o custo logístico do
agronegócio de Mato Grosso.
Na Ferrogrão, sua Estação da Luz
Participações (EDLP) é sócia das trading companies ADM, Amaggi, Bunge, Cargill
e Louis Dreyfus, que, juntas embarcam mais de 85% dos grãos exportados pelo
Brasil e devem construir e operar a ferrovia.
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Quintella também é o único brasileiro
no board da International Union of Railways (UIC) que vai se reunir em Paris
daqui a um mês para discutir o futuro da ferrovia no planeta. Ele conversou com
o Estado de Minas.
A greve dos caminhoneiros fez a
sociedade lembrar que o Brasil ignora as ferrovias. Como aproveitar este
momento?
É claro que o Brasil precisa de mais
ferrovias, mas isso não pode ser uma resposta intempestiva a um evento. Usar a
greve para propor uma resposta imediatista sobre ferrovias é voltar aos erros
do passado. Vou dar alguns exemplos: em 2007, quando tivemos o acidente da TAM
em Congonhas e os aeroportos brasileiros pareciam que não iam mais dar conta do
recado, saímos querendo fazer um trem de alta velocidade entre o Rio e São
Paulo, além de construir e ampliar os aeroportos. Outro movimento intempestivo foi quando o
governo, por conta da crise do subprime de 2008, criou o PSI (Programa de
Sustentação do Investimento), que financiava 100% de caminhões e trens com
taxas fixas em torno 2%. O trem de alta velocidade não partiu, os aeroportos
não conseguem decolar e a farra do PSI, que quase quebrou o BNDES, não fez com
que as ferrovias avançassem.
O que precisa ser feito para termos
mais equilíbrio entre os modais de transporte?
O Brasil precisa de mais planejamento.
Se planejássemos mais, teríamos mais ferrovias, mais cabotagem, melhores
rodovias, mais produção, mais consumo, coletas, transferências e distribuições
mais eficientes, menos trânsito, menos acidentes, mais respeito ao meio
ambiente, e até mesmo caminhoneiros mais bem remunerados.
Quanto custa ao Brasil não ter
ferrovia?
É caro. Custa US$ 100 bilhões por ano.
A logística custa 15% do PIB do Brasil, contra 8% nos Estados Unidos A média
mundial é 10%. Ou seja, o Brasil desperdiça algo como 5% do PIB com a
ineficiência logística, em grande parte por privilegiar modos de transporte
menos eficientes. Com este valor desperdiçado, poderíamos construir a cada ano
37 mil quilômetros de ferrovias de carga, ou 7 mil quilômetros de trens
intercidades que andariam a 200 km/h.
Quando o Brasil desistiu das
ferrovias?
Foi logo depois da Segunda Guerra
Mundial. A cultura do automóvel tomou conta do mundo, muito influenciada pelos
Estados Unidos. Houve também incentivos. À época, o Banco Mundial só financiava
a construção de novas rodovias se em contrapartida o governo brasileiro
erradicasse trechos ferroviários existentes. Repare que este fenômeno não
ocorreu em nenhum outro país do mundo. Todos eles impulsionaram os dois modos
de transportes.
O empresário geralmente reclama do
custo logístico, mas o assunto ferrovias é muito pouco discutido. Por quê?
Porque as pessoas, de modo geral, não
percebem que este desperdiço é seu. Que é o cidadão que desperdiça o seu
salário quando ele paga 5% a mais, por exemplo, do que poderia pagar pelo rolo
de papel higiênico se o país tivesse uma matriz de transporte mais equilibrada.
Muitas vezes imaginam que este problema é da indústria, da agricultura, do
comércio, esquecendo que eles repassam o custo para os preços dos seus
produtos.
Como estão as discussões com o
governo?
Brasília não deixa de ser um grande
símbolo do abandono gradual das ferrovias no Brasil. É a única capital
importante do planeta que não tem uma monumental Estação Ferroviária. O
investimento público em transporte no Brasil alcançou 2% do PIB em meados dos
anos 1970, e desde então só caiu. Em 2017, foi de apenas 0,16% do PIB. Já que o
governo não tem capacidade para investir, ele deveria concentrar sua agenda de
curto e médio prazo em duas frentes para atrair capital privado para os
projetos, especialmente o capital estrangeiro.
Que frentes são essas?
Primeiro, planejar um programa robusto
de ações e investimentos que faça com que o Brasil reduza em 30% os seus custos
logísticos, para que possamos alcançar a média mundial. Segundo, concentrar
esforços para que o país possa desenvolver ações e regulamentações, ou
desregulamentações se for o caso, que possam proporcionar viabilidade aos
projetos que estão nas prateleiras e que precisam de investidores privados.
Quem deveria coordenar estas ações?
O Brasil deveria ter uma visão de
Estado para o relatório “Doing Business” do Banco Mundial, que todo ano analisa
as leis e regulações que facilitam ou dificultam as atividades das empresas em
190 países. O Brasil está em 139º lugar no ranking de competitividade
internacional, onde entram as questões de logistica? e transportes. O
investidor de infraestrutura precisa de previsibilidade, e esta deve ser uma
discussão mais tecnica? do que política
Como a UIC pode ajudar o país a
avançar em ferrovias?
A UIC tem muito a colaborar. Desde a
sua fundação, em 1922, ela acumula uma quantidade enorme de conhecimento, que
foi transferido para milhares de padrões operacionais, de segurança e outros,
mas penso que a solução dos nossos problemas está aqui mesmo no Brasil, e aí eu
volto ao tema do planejamento.
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