Trem-bala de R$ 374 bi divide a Califórnia, que teme elefante branco

FRESNO
(CALIFÓRNIA)

O projeto
conta com vigorosa oposição dos republicanos, entre os quais o presidente
Donald Trump. Sofre com a escalada dos custos e o atraso das obras. A maioria
dos californianos se opõe a ele. E uma questão central —como será pago—
continua sem resposta.

Mas no Vale
Central do estado, longe dos debates em Washington e na capital californiana,
Sacramento, o trem-bala de US$ 100 bilhões (R$ 374 bilhões) que ligará Los
Angeles a San Francisco já saiu da prancheta de desenho e está sendo
construído, em 21 canteiros de obras espalhados por cinco condados do centro da
Califórnia.

Um dos
trechos mais ambiciosos do projeto teve suas obras iniciadas duas semanas atrás
—uma via elevada que permitirá que os trens circulem sem interromper o trânsito
em uma grande rodovia em Fresno.

Outros três
viadutos terão obras iniciadas nos próximos meses. Há cerca de 2.000 operários
trabalhando, a partir das 5h, para evitar o calor vespertino de até 43 graus.

“O
melhor resumo é dizer que a terra está voando no Vale Central”, afirmou a
High Speed Rail Authority, que comanda o projeto, em um recente plano de
negócios.

Mas apesar
de todos os guindastes, do pessoal em macacões cor de laranja, dos caminhões
que apitam para avisar que darão marcha a ré e do concreto fresco, está bem
longe de certo que esse projeto venha a ser completado.

Além da
falta de verbas, ele enfrenta oposição de Trump e do deputado Kevin McCarthy,
líder da bancada republicana na Câmara dos Deputados, cujo distrito eleitoral
representa a cidade californiana de Bakersfield.

Os atrasos
continuados e a alta do custo alimentaram críticas de que a Califórnia —talvez
o mais próspero dos estados americanos— está desperdiçando dinheiro em um
projeto de transporte que os adversários descrevem como exemplo perfeito de
governo perdulário, em um estado controlado pelos democratas.

“Teremos
a forma mais cara e mais lenta de trem de alta velocidade concebível”,
disse Jim Patterson, ex-prefeito de Fresno e agora deputado estadual
republicano, que critica o projeto.

Apesar das
obras em curso, o plano enfrenta a ameaça sempre presente de que um futuro
governador decida que o dinheiro do estado seria mais bem usado para, por
exemplo, combater a crise da habitação. O governador Jerry Brown, um dos
grandes proponentes do projeto, concluirá seu mandato no final do ano.

“O
projeto parece fazer ainda menos sentido nas condições atuais”, disse Joe
Nathan, professor de administração pública na Universidade Stanford.

Para os
defensores do transporte ferroviário de alta velocidade, a Califórnia sob o
governo de Brown vem sendo um dos raros casos de sucesso, enquanto outros
projetos ambiciosos de trens-bala bancados por governos enfrentam dificuldades
em todo o país diante da oposição dos republicanos, que se preocupam com o
custo desses projetos e com as perturbações causadas pelas obras.

O governador
Rick Scott, da Flórida, rejeitou verbas federais para ajudar na construção de
uma linha ferroviária de alta velocidade entre Tampa e Orlando, dizendo que ela
custaria demais para os contribuintes.

Tentativas
de modernizar a linha ferroviária entre Boston e Nova York, no corredor
nordeste da Amtrak, fracassaram repetidas vezes por conta da oposição de
comunidades localizadas na rota.

Uma linha
ferroviária de alta velocidade está sendo construída no Texas, para ligar
Dallas, Fort Worth e Houston, mas o projeto está sendo financiado pelo setor
privado.

O trem de
alta velocidade na Califórnia, defendido por Brown e por seu predecessor, o
republicano Arnold Schwarzenegger, é o mais ambicioso projeto de transporte
público em curso nos Estados Unidos. E está seguindo em frente enquanto outras
ambições no campo do transporte de massa —quanto ao metrô da cidade de Nova
York, ou uma nova linha de trens elevados em Honolulu— se viram bloqueadas por
altos custos e oposição.

O apoio
entusiástico de Brown foi crucial para o progresso do projeto. Gavin Newson, o
vice-governador democrata e principal candidato a suceder Brown, ofereceu
visões conflitantes quanto ao projeto ao longo dos anos: em alguns momentos,
parecia próximo de se opor abertamente a ele, ainda que venha afirmando em sua
campanha que o apoia, embora expresse preocupações quanto ao custo e problemas
de engenharia.

Em
contraste, John Cox, seu adversário republicano, prometeu inequivocamente que
abandonaria o projeto, se eleito.

A linha de
1.300 quilômetros entre Los Angeles e San Francisco deve ser completada em
2033. Não faltam obstáculos ao que mesmo os mais entusiásticos defensores do
projeto consideram como um cronograma ambicioso, entre os quais o desafio de
engenharia de construir túneis nas montanhas Tehachapi, uma barreira entre o
Vale Central e Los Angeles.

O custo
originalmente seria dividido entre os governos federal e estadual, e empresas
privadas. Mas esse arranjo se desfez, porque a esperança de verbas federais
desapareceu, com os republicanos no poder em Washington, e as empresas optaram
por não participar de uma empreitada tão incerta.

Até agora, a
High Speed Rail Authority conseguiu menos de US$ 30 bilhões dos US$ 100 bilhões
de que o projeto necessita, e antecipa-se que os custos previstos das obras
continuem a subir.

“O
restante do dinheiro precisa ser obtido”, disse Martin Wachs, professor
emérito de engenharia na Universidade da Califórnia em Berkeley e membro de uma
comissão apontada pelo legislativo estadual para revisar o projeto. “No
momento, 100% do custo do projeto será absorvido pelos contribuintes.”

Começar a
construção sem que todo o financiamento esteja organizado representa uma aposta
estratégica pela High Speed Rail Authority e por Brown: quando uma parte
suficiente dos trabalhos estiver concluída, futuros líderes hesitarão em
abandonar o projeto e deixar uma paisagem repleta de colunas, viadutos, pontes
e leitos para trilhos incompletos.

Diante da
redução nos recursos, os organizadores alteraram seus planos e seu foco é
concluir o trecho de 190 quilômetros entre Bakersfield e Madera até 2022.

Brian Kelly,
presidente da High Speed Rail Authority, argumentou que quando esse trecho
estiver completo, as pessoas se unirão em torno do projeto, e os empresários se
convencerão de sua viabilidade.

“Se eu
colocar trens em circulação, os californianos começarão a ver que isso é algo
que nós desejamos”, ele disse. “As pessoas prestam atenção demais ao
que não temos. Mas arrecadamos capital significativo para realizar aquilo que
precisamos realizar”.

“Sim, o
projeto tem desafios”, disse Kelly. “E o desafio primário para esse
projeto é o mesmo hoje que no dia em que os eleitores aprovaram a emissão de
títulos para financiá-lo. E é o fato de que não temos dinheiro suficiente para
construir o que desejamos construir.”

 

Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2018/08/trem-bala-de-r-374-bi-divide-a-california-que-teme-elefante-branco.shtml


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