A tragédia em Brumadinho, com o rompimento da barragem na mina Córrego do Feijão, em Minas Gerais, deverá ter impacto negativo na economia brasileira e repercussão nos preços no mercado internacional. A decisão da Vale de fechar 19 barragens com técnica a montante, a mesma de Brumadinho, o que significa suspender a produção no local, vai reduzir a produção em 40 milhões de toneladas. Os desdobramentos do caso devem afetar a arrecadação de municípios e do estado de Minas, o desempenho da indústria extrativa, elevar preços do minério de ferro no mercado internacional, aumentar custos da siderurgia global e impactar a competitividade da própria Vale, a maior produtora global de minério de ferro.
A queda na produção da Vale afetará em cheio Minas Gerais, que atravessa grave crise fiscal. A suspensão das operações nas barragens vai resultar em queda de 30% na arrecadação de tributos estaduais do setor de mineração, segundo a Secretaria de Estado de Fazenda de Minas. O impacto anual deve ficar em torno de R$ 220 milhões. O estado também deve ter queda de R$ 79 milhões em royalties da mineração. O cálculo não leva em consideração os impactos indiretos da crise da mineradora no estado.
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– Essa paralisação vai prejudicar Minas Gerais, em crise fiscal. E não é só por causa da arrecadação menor, mas por toda a cadeia produtiva que está no entorno da produção de minério de ferro. O estado vai precisar de socorro, assim como os municípios dependentes – explicou Cláudio Frischtak, economista da Inter.B Consultoria.
‘Queremos negociar’
O anúncio da Vale também preocupa municípios mineiros que serão diretamente afetados pelo descomissionamento das 19 barragens. Brumadinho, Itabirito, Nova Lima, Congonhas e Ouro Preto temem ficar sem receber os royalties pela exploração da atividade, diz Waldir Salvador, consultor de Assuntos Institucionais da Associação de Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil (Amig). Do total arrecadado com royalties de minério de ferro, 75% são divididos entre os municípios, 15% ficam com o estado e 10% com a União. Juntas, essas cinco cidades receberam, em 2018, R$ 345 milhões, segundo dados da Amig. Segundo o IBGE, 35 cidades no país, das quais 15 ficam em Minas, são economicamente dependentes da atividade minerária.
– Onde há mineração, a diversificação da atividade econômica é dificílima porque tudo passa a se desenvolver para servi-la. Não vamos aceitar ficar sem receber. Todas as cidades fazem seu orçamento anual contando com isso. Queremos negociar – diz Salvador, que vai a Brasília na próxima semana para buscar informações sobre o pagamento de royalties junto ao Ministério de Minas e Energia e à Agência Nacional de Mineração.
Preço do minério em alta
Os efeitos não se restringem a questões fiscais. Analistas já preveem impacto negativo nas receitas da mineradora. A XP prevê recuo no faturamento entre US$ 3 bilhões e US$ 3,5 bilhões por ano. A Vale ontem anunciou que vai adiar a divulgação dos resultados do quarto trimestre para o dia 27 de março.
Segundo Felipe Beraldi, especialista em mineração da consultoria Tendências, a redução na atividade da Vale vai se refletir na queda da produção da indústria extrativa, que representa 11% do resultado geral da indústria. De janeiro a novembro do ano passado, o setor acumulava alta de 0,9%. Em Minas, o setor representa um quarto da economia.
– A mineração terá impacto negativo no setor em 2019. É difícil repor 40 milhões de toneladas no curto prazo- destacou ele.
A tragédia envolvendo a Vale fez bancos e consultorias reavaliarem o preço do minério para 2019. Ontem, o preço da commodity fechou em alta de 3,92%, para US$ 88,44 por tonelada. A Tendências elevou a expectativa de cotação, por tonelada, para o fim do ano de US$ 60 para uma faixa entre US$ 65 e US$ 70. O Goldman também aumentou as previsões para os próximos 12 meses de US$ 60 para US$ 65. A curto prazo, para os próximos três meses, o preço subiu de US$ 70 para US$ 80.
– O preço maior do minério vai elevar o custo para as siderúrgicas não só no Brasil como em todo o mundo – afirmou Beraldi.
Como o minério é um dos principais produtos de exportação da balança comercial brasileira, a Vale deve deixar de exportar US$ 2 bilhões por ano, durante o período de descomissionamento das barragens, segundo o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro:
– Não é bom para o Brasil porque já temos previsão de um superávit comercial menor esse ano, devido ao risco de quebra de safra da soja e desaquecimento da demanda global. Com esse movimento da Vale, o resultado deve ser menor ainda.
Além disso, analistas apontam o risco de a Vale perder o posto de maior exportadora global de minério de ferro, uma vez que um salto nos preços da commodity após o desastre poderia levar compradores a buscar rivais, como Rio Tinto e BHP, em busca de minério mais barato.
– Podem surgir outras ações coletivas além das duas já protocoladas, nos EUA, e um endurecimento do marco regulatório da mineração. Isso tem potencial para aumentar o custo da extração de minério para todo o setor – disse Alvaro Bandeira, economista-chefe da corretora Modalmais.
Já o presidente do Instituto Aço Brasil, Marco Polo, minimizou os efeitos da redução na produção da Vale. Para ele, as empresas siderúrgicas se verticalizaram e passaram a ter suas próprias minas.
Procurada, a Vale não comentou se vai continuar pagando royalties a outras cidades afetadas, além de Brumadinho, para a qual a companhia já anunciou que continuará a pagar.
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