Prestes a completar um mês como presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o engenheiro Gustavo Montezano disse ao Valor que até o fim do ano espera transformar a instituição de fomento no “banco mais transparente do mundo”. Na semana passada, Montezano definiu um novo desenho para o BNDES, separando as áreas de negócios daquelas de apoio e de controle interno. A nova estrutura das superintendências busca melhorar aspectos ligados à conformidade (compliance, no termo em inglês).
Em entrevista na sede do banco, na sexta-feira, Montezano disse ter tomado conhecimento de operação de crédito feita pelo BNDES com a JBS S.A, em 2005, que resultou em desconto “não validado contratualmente” na taxa de juros cobrada pelo banco. O empréstimo foi para a compra da Swift Argentina pela JBS e teria resultado, segundo ele, em perda para o banco de R$ 180 milhões. Depois da entrevista, o banco atualizou a informação. Disse que o prejuízo teria sido de R$ 70 milhões, a valores corrigidos. Os R$ 180 milhões consideram encargos por inadimplência. Procurada, a JBS disse que “cumpriu com todas as condições contratuais do empréstimo firmado com o BNDES à época, saldando integralmente suas obrigações nos prazos devidos, e recebeu plena quitação do referido empréstimo pela instituição”.
Montezano também adiantou seus planos de médio prazo para o BNDES. Em até cinco anos quer fazer o banco aumentar a sua inadimplência, que é muito baixa. “É normal porque faz mais operações, tem um pouco mais de inadimplência, mas acessa mais devedores, ganha mais dinheiro no spread de operação.” Ele disse ainda que estuda pacote de medidas e ações para tornar o banco mais transparente.
O executivo trabalha com cinco metas: explicar a suposta caixa preta do BNDES até 16 de setembro, acelerar o desinvestimento da BNDESPar, transformar a instituição em prestadora de serviços para o setor público, definir plano trianual com orçamento e revisão das dimensões do banco, e devolver R$ 126 bilhões ao Tesouro este ano. Informou que, até agora, foram restituídos R$ 84 bilhões e que os R$ 42 bilhões que restam serão repassados no quarto trimestre.Ele afirmou que o banco tem um time dedicado à recuperação judicial da Odebrecht, na qual o BNDES tem créditos de R$ 8 bilhões, e disse que o banco vai se orientar pelo estatuto vigente para analisar o pedido do governo de antecipação de dividendos. O estatuto reserva 40% dos lucros para a própria instituição.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
Valor: O senhor tomou posse em 16 de julho. Qual é a avaliação até agora, quase um mês depois?
Gustavo Montezano: A transparência é um pacto fundamental no nosso projeto. Nossa meta número um, que é a explicação da caixa preta [do BNDES], que é abrir o banco para a sociedade, abrir o banco para o meio político de uma forma mais clara, passa por explicação, por entendimento. Porque às vezes uma “nuvem cinza”, um “fog” está ali enevoando as explicações. E muitas vezes [isso ocorre] porque é difícil concatenar, explicar e ligar os fatos.
Valor: A explicação da suposta caixa preta do BNDES é uma de suas prioridades…
Montezano: Só relembrando o que colocamos como metas de curto prazo, até o fim do ano, que são metas transitórias para cruzar a ponte, virar essa página do banco e entrar 2020 com o banco reposicionado como um novo banco de serviços. A meta um é a explicação da caixa preta, para a qual demos prazo de dois meses para cumpri-la, até 16 de setembro. A meta dois é acelerar o desinvestimento da BNDESPar. A meta três repagar os R$ 126 bilhões ao Tesouro neste ano. A meta quatro é ter um plano trianual em que consigamos apresentar um orçamento claro de receitas, despesas e ‘triggers’ [gatilhos] operacionais. E a meta cinco, que é subjetiva, de chegar em dezembro com meus clientes, especialmente Salim [Salim Mattar, da secretaria geral de desestatização, Tarcísio [Tarcísio Freitas, ministro da Infraestrutura] e Onyx [Onyx Lorenzoni, ministro-chefe da Casa Civil], dizendo que o BNDES está ajudando, que o BNDES é um banco de serviços.
Valor: Os temas têm evoluído?
Montezano: Evoluímos em três metas. Devolvemos [em julho] mais R$ 40 bilhões ao Tesouro, totalizando R$ 84 bilhões este ano. Estamos bem confiantes que vamos cumprir a meta de devolução com liquidez, com conforto de capital. Tivemos um relato espontâneo de Tarcísio que o serviço está notoriamente melhor. E também tivemos eventos em relação à meta um, que é a explicação da caixa preta. No nosso pacto de transparência, as pessoas têm que ter a segurança de que o banco não tem nada a esconder e não tem mesmo. Minha sensação é de que os funcionários do banco estão super ‘comprados’ [comprometidos] com o projeto, a qualidade técnica cada vez me surpreende mais. E se for ver em termos de risco operacional, qualquer empresa erra, qualquer banco erra.
Valor: Quais são os eventos em relação à suposta caixa preta?
Montezano: Dentro da meta um, em que estou investindo um tempo grande e na qual há vários grupos de trabalho do banco engajados, o que chegou ao meu conhecimento nesta semana [semana passada]? Houve uma operação de renda fixa [crédito] do banco com a JBS S.A., em 2005, e que foi repaga em 2010. Por um erro operacional, o banco deu um desconto de juros na operação e, em 2017, em uma revisão interna feita pelo banco em relação aos seus processos, concluiu-se que esse desconto não foi validado contratualmente. Cabe lembrar que o banco fez um processo extenso de revisão em relação à JBS. Concluiu-se que o desconto dado pelo banco à JBS na operação de crédito não foi validado contratualmente. Entra na categoria de erro operacional.
Valor: Não foi um erro doloso?
Montezano: Não vou entrar no mérito de julgar se houve dolo ou não. Como executivo, minha forma de olhar é que houve um erro operacional. Só para deixar claro: não sou político e não sou juiz. Estou aqui como executivo do banco e não vou emitir opinião política, nem fazer julgamento porque não é minha função. Na minha função, o caso cai na “caixinha” de erro operacional.
Valor: O desconto não foi referendado pela diretoria do banco?
Montezano: Não foi contratualmente referendado. As respectivas áreas do banco reconheceram o erro operacional. Já tem uma conclusão interna de que foi um erro operacional. O evento está sendo investigado pelo TCU e pelo MPF. Todas as informações foram disponibilizadas. A investigação está em curso e o banco proveu tudo o necessário. O que estou querendo dizer de forma resumida é que o banco identificou, se mexeu e cumpriu as etapas certas para prover informações aos órgãos competentes. De novo, de forma executiva, operacionalmente, depois de descoberto o erro, o banco tomou o procedimento correto.
Valor: Qual foi o procedimento?
Montezano: O banco descobriu os erros nessa auditoria interna, proveu as informações aos órgãos de controle, as investigações estão em curso e o banco continua disponibilizando tudo que é necessário. O que chamou minha atenção é que eu, como cidadão, não tinha conhecimento do fato. Notei que isso nunca tinha sido apresentado à sociedade, aos políticos interessados no tema. Discutimos internamente que seria oportuno e correto comunicar isso à sociedade dentro do pacto de transparência que estamos propondo, sem detrimento da investigação em curso. Mas como é um tema sensível é importante que o banco seja o protagonista da informação, que dê o primeiro passo na transparência.
Valor: O caso envolveu empréstimo para JBS na Swift Argentina?
Montezano: Isso. Parte dos juros do empréstimo tinha critério de conversibilidade. Os juros seriam descontados se o banco convertesse uma participação na empresa, o que não ocorreu e, mesmo assim, o desconto foi concedido [o empréstimo foi de R$ 187,4 milhões para compra de 75% da Swift Argentina, incluindo capital de giro].
Valor: Qual o custo da operação?
Montezano: Foi de cesta de moedas [dólar] mais 7% ao ano, dos quais 4% seriam descontados, ou seja, o custo cairia para cesta de moedas mais 3% ao ano caso houvesse o evento de conversão [subscrição de debêntures ou equity]. O evento de conversão não ocorreu, porém, o desconto foi dado. Os 4% acumulados por cinco anos não foram recolhidos pelo banco. Queremos ser o banco mais transparente do mundo. No fim do ano quero chamar todos os bancos do mundo para disputar quem é o mais transparente. Esse comportamento nosso é o primeiro evento material de marcar essa mudança.
Valor: Qual seria a perda estimada nessa operação?
Montezano: A valores de hoje, se eu pegar cada um desses descontos concedidos indevidamente, a valores de hoje, corrigidos por Selic, seria algo equivalente a R$ 180 milhões.
Valor: Esse seria o prejuízo do banco na operação?
Montezano: Se o dinheiro que o banco deixou de receber, fosse aplicado e corrigido por Selic hoje o banco teria mais R$ 180 milhões no caixa [a cifra considera encargos por suposta inadimplência].
Valor: O banco vai acionar a JBS para ser restituído dos valores?
Montezano: Não, porque o banco deu um termo de quitação para a empresa. Essa é uma prática ordinária em crédito. A JBS tem um entendimento de que o desconto foi correto, foi devido, então pelas análises internas do banco, respaldado por outras pessoas, se recorrer na Justiça vai perder e pagar sucumbência. Então entrar com a ação seria mau uso do recurso público.
Valor: A diretoria do banco à época aprovou os descontos?
Montezano: Só o contrato original [que previa o desconto dos juros do empréstimo em caso de subscrição de ações ou de debêntures conversíveis de JBS].
Valor: O erro foi revelado por uma comissão de apuração interna, a chamada CAI, do BNDES?
Montezano: Foi. Não fui eu que descobri, mas chegou ao meu conhecimento. O banco por si só já tinha descoberto isso [os resultados da CAI estão disponíveis desde fim de 2017, mas ela foi concluída em junho de 2018].
Valor: Por que os resultados estão sendo revelados só agora?
Montezano: Porque eu tomei posse há três semanas. O banco concluiu o trabalho em 2018 e os procedimentos jurídicos estão em curso. O banco está fazendo o que tem que ser feito. A discussão é: tem o banco que comunicar isso à sociedade? Na minha visão sim, é um banco estatal que funciona à base do dinheiro do trabalhador. Mas a resposta de por que está sendo divulgado agora é que eu sentei na cadeira há três semanas e quero fazer esse pacto com a transparência. No meu julgamento, dos diretores e superintendentes do banco, o melhor caminho é relatar e depois a justiça que julgue o que tem que ser julgado.
Valor: São quantas CAIs sobre JBS? Há outras investigações e o banco já informou, em 2018, que elas não haviam identificado nenhum fato relevante, conforme as próprias demonstrações financeiras da instituição naquele ano.
Montezano: A CAI não é um ponto relevante. Temos hoje uma investigação privada [feita pela Cleary Gottlieb Steen & Hamilton LLP, dos EUA, e pelo brasileiro Levy & Salomão]. Acabamos de aprovar a extensão dessa auditoria privada, que está em curso investigando todas as operações com JBS e deve terminar em dois ou três meses.
Valor: Por que os resultados parciais ou finais dessa auditoria não foram divulgados até hoje?
Montezano: Só posso falar daqui para frente, não vou falar daqui para trás. O que eu pedi foram esses dois meses para formar minha opinião sobre o tema, para ter todas as informações e dar um “disclosure” de forma consistente. Essa operação em questão resolvi antecipar porque já há um reconhecimento interno desse erro operacional. Todo mundo erra: pessoas, empresas, instituições, países. Precisamos mudar essa postura em relação ao erro, que faz parte da vida. Quando tivermos a conclusão dos trabalhos da consultoria externa, podemos vir a público revelar o que foi encontrado.
Valor: Em menos de um mês, o senhor conseguiu ter avaliação sobre a suposta caixa preta do BNDES?
Montezano: Prefiro esperar o fim do trabalho para dizer. Seria leviano eu falar qualquer coisa agora. Mas o desafio é que ao fim do ano queremos ser o banco mais transparente do mundo. Muito da caixa preta passa pela dificuldade de explicação, de entendimento, de comunicação. Mas os temas são complicados, sofisticados e o time do banco está engajado em fazer o dever de casa para, em dois meses, vir a público contar tudo o que tivermos concluído. E repito: não somos políticos, nem juízes, nos
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