Economista do Ipea defende investimento público em inovação

O governo federal acerta ao condicionar obras de infraestrutura à presença de investimento privado, mas erra ao vislumbrar estratégia semelhante para ciência e tecnologia (C&T). O alerta é de André Rauen, que comanda a Diretoria de Estudos e Políticas Setoriais de Inovação e Infraestrutura (Diset) do Instituto de Política Econômica Aplicada (Ipea). Ele avalia que o avanço da infraestrutura não está emperrado. “As concessões estão saindo, mas os efeitos não são sentidos no curtíssimo prazo”, diz.

Rauen diz que, devido à restrição fiscal, as concessões público-privadas são mesmo a única saída para a infraestrutura. O economista afirma que, nesse ponto, o governo tem sido bem-sucedido e cita a  realização de 160 leilões e a qualificação de mais de 270 projetos pela Secretaria do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI). “Isso leva tempo porque é um processo longo e judicioso, mas está sendo afinado.”

Ele, no entanto, tem opinião oposta quando fala dos movimentos do governo relacionados à inovação tecnológica, a outra área de atuação da diretoria que chefia no Ipea. “O setor privado nunca vai entrar em uma atividade tão recheada de incertezas [ciência e tecnologia]. Não entrou nos Estados Unidos nem na China. Não vai entrar no Brasil, que tem bem menos empresas. Não há evidência de que é possível substituir investimento público por privado em ciência.”

As afirmações vão de encontro às intenções do governo para área, que passam pela redução do orçamento de órgãos de fomento, desvinculação de fundos setoriais destinados à pesquisa e desenvolvimento, fusões administrativas (Capes-CNPq e submissão da Finep ao BNDES) e atração de capital privado via fundos patrimoniais.
Para Rauen, o caminho para inovação não é maior participação privada, mas aumento de eficiência na aplicação de recursos públicos que devem ser preservados. O economista diz que, historicamente, o país optou pelas chamadas políticas de oferta como as pouco eficientes isenções fiscais para pesquisa e desenvolvimento. “Como política de oferta, o crédito e a subvenção para inovação sempre se mostraram mais eficientes”, diz. Caberia, também, intensificar políticas de demanda, como as encomendas tecnológicas. O modelo, em que o governo orienta a pesquisa pública e privada de acordo com necessidades pré-estabelecidas, é o mais aplicado nos EUA e, no Brasil, deu origem ao cargueiro KC-390 da Embraer e ao acelerador de partículas Sirius.

Na área comandada por Rauen, o Ipea firmou acordo de quatro anos com a Secretaria de Desenvolvimento de Infraestrutura (SDI) do Ministério da Economia para planejamento de longo prazo em infraestrutura. Os técnicos preparam uma espécie de catálogo com parâmetros para padronizar a avaliação e formulação de contratos público-privados. Uma das várias métricas que vão constar é a “taxa social de desconto” – retorno, em valores presentes, que determinada obra traz para uma região ao longo do tempo de concessão.
A cooperação prevê, ainda, estudos com simulações do impacto de mudanças climáticas e tecnológicas na infraestrutura do país e o acompanhamento de obras e concessões passadas, como o aeroporto de Brasília e a transposição do rio São Francisco. “Queremos entender o que acontecerá com rodovias e ferrovias se a fronteira agrícola mudar, ou os efeitos de uma explosão dos carros elétricos ou baterias mais eficientes na demanda por energia”, detalha.

Para o diretor do Ipea, as prioridades da área de infraestrutura devem ser o histórico déficit logístico e de mobilidade urbana, que pesa na queda crônica da produtividade brasileira ao limitar o desempenho de funcionários e o potencial de escoamento do agronegócio, além de inviabilizar a entrada da indústria do Brasil nas cadeias globais de valor cada vez mais pulverizadas. “Não tem como vender uma peça fabricada em Jundiaí [SP] para ser montada com outra feita na China e mais uma da Alemanha, se não houver infraestrutura equiparável a esse modelo de produção fragmentada”, afirma.

Uma terceira prioridade econômica é a redução da dependência da hidreletricidade. Nesse quesito, reconhece, o país vai bem, ainda que carregado pelo interesse privado. De fato, conforme mostrou o Valor, o Ministério de Minas e Energia espera que, ao fim da próxima década, as hidrelétricas respondam por menos da metade (49%) da capacidade instalada da matriz elétrica do país.

Fonte: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2019/11/22/economista-do-ipea-defende-investimento-publico-em-inovacao.ghtml

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