Pelo menos cinco das dez maiores parcerias público-privadas (PPPs) já assinadas no Brasil tiveram fortes problemas de execução e fracassaram – ou, na melhor das hipóteses, enfrentam um futuro bastante incerto. Parte dos contratos já foi rescindida. O legado da frustração é uma desconfiança, principalmente das administrações estaduais, com essa modalidade de contratação e o encolhimento da oferta de novas PPPs nos atuais mandatos de governadores.
O levantamento foi feito, a pedido do Valor, pela consultoria especializada Radar PPP. Dos cinco projetos com problemas, três não têm mais possibilidade de seguir adiante como concebidos inicialmente. A licitação para construir uma linha de monotrilho (18-bronze), entre São Paulo e o ABC, foi revertida pelo governo João Doria. Houve rescisão do contrato do corredor rodoviário da PR-323, que previa 207 quilômetros de vias duplicadas no Paraná, diante da incapacidade financeira da concessionária. E a gestão do lixo em São Bernardo do Campo (SP), alvo até de uma CPI na Câmara municipal, já teve seu vínculo finalizado.
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O valor nominal dos dez maiores contratos alcança R$ 76 bilhões. Só esses três mais problemáticos totalizam R$ 21,3 bilhões. Há temores de que a PPP do Porto de Maravilha, de requalificação urbana da zona portuária do Rio, se some em breve à lista de fracassos.
De acordo com uma auditoria recente do Tribunal de Contas da União (TCU), os estudos que embasaram a compra de títulos mobiliários (Cepacs) pela Caixa Econômica Federal – base financeira do empreendimento – eram excessivamente otimistas e são remotas as chances de recuperação do investimento. Por falta de pagamento, a concessionária devolveu, no mês passado, a operação de dois túneis à prefeitura do Rio.
O quinto projeto em dificuldades, mas com perspectiva de sair da lista de PPPs problemáticas, é a linha 6-laranja do Metrô de São Paulo. A espanhola Acciona está a ponto de assumi-lo, após longa negociação para substituir o grupo Move SP, formado por três grandes empreiteiras – Odebrecht, Queiroz Galvão e UTC. O governo Doria pretendia formalizar a troca em maio, retomando as obras, mas veio a pandemia e o processo foi adiado para 22 de junho. A previsão de entrega era 2020, mas só foram feitos 15% das obras.
Das dez maiores PPPs, três estão com andamento considerado positivo: as linhas 1 e 2 do metrô de Salvador-Lauro de Freitas (BA), o sistema produtor de água São Lourenço (SP) e o esgotamento sanitário na região metropolitana de Recife. A parceria da Corsan para coleta e tratamento de esgoto, em nove municípios do Rio Grande do Sul, foi assinada em março e ainda está no início. O contrato de iluminação pública em São Paulo caminha para uma solução, após anos de impasse e disputas jurídicas.
Bruno Ramos Pereira, sócio da Radar PPP, encontra um ponto em comum na maior parte dessas parcerias: são projetos estruturados em torno do entusiasmo que o Brasil tinha sobre si mesmo até 2014. Muitos também tinham ou têm grupos atingidos pela Operação Lava-Jato, que ficaram com acesso restrito a financiamento.
Pereira lembra que os Estados demoraram a deslanchar seus programas de PPP desde que a lei geral de parcerias foi sancionada, em 2004, regulamentando procedimentos de manifestação de interesse e garantias. Isso coincidiu com um período em que as construtoras estavam em forte crescimento e tinham interesse.
São projetos altamente pretensiosos, de grande porte, a maior parte assinada entre 2010 e 2014. Eles incorporaram uma euforia em seus modelos e esse otimismo foi comprado pela iniciativa privada.
Pereira vê um reflexo negativo: Muitos gestores ficaram assustados com a situação fiscal e pegaram certa aversão às PPPs, esquecendo que elas podem inclusive poupar recursos públicos. No atual mandato dos governadores, houve somente seis novos projetos. Os Estados perderam o protagonismo, que hoje pertence às PPPs de iluminação pública nos municípios.
Ele enfatiza, porém, que governadores e prefeitos podem ter economia orçamentária com concessões administrativas ou patrocinadas de hospitais, escolas, creches e presídios, entre outros.
Um exemplo bastante citado de sucesso é a PPP da Bahia em que um consórcio privado, formado pela holandesa Philips, faz a gestão e a operação dos serviços de apoio ao diagnóstico por imagem em 12 hospitais públicos. O resultado tem sido aumento de pacientes atendidos, economia de recursos estaduais e ganhos para a iniciativa privada.
Pereira também menciona, como oportunidades, parcerias da União na área de infraestrutura. No momento em que o governo cogita acelerar investimentos do Estado em obras de logística, com ampliação de gastos do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) em rodovias federais, ele sugere como alternativa PPPs para execução do serviço por privados com aportes do Tesouro para equacionar a conta que não fecha apenas com a cobrança de pedágios.
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