À luz da previsão de que o PIB brasileiro, em 2020, retrairá até 7,5%, depois de tímido crescimento de 1,1% em 2019, voltou à carga a discussão respeitante à intensificação dos investimentos em infraestrutura, como forma de superação dos entraves estruturais à produção e de geração de postos formais de trabalho (com o consequente destravamento da demanda interna reprimida).
É consenso que o País ostenta déficit histórico de investimentos no setor. Nos últimos 15 anos, não mais do que 2,4% do PIB foram aportados em infraestrutura (1,69%, 0,4% e 1,87%, respectivamente, em 2017, 2018 e 2019). Para atingir estoque equivalente à média global, estima-se sejam necessários investimentos correspondentes a, ao menos, 5,5% do PIB, pelo prazo de 20 anos.
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A forma de implementação de ditos investimentos é controversa. O tema resvala a discussão sobre a capacidade e a conveniência de o Estado financiar projetos de infraestrutura. Qualquer solução proposta, em todo caso, não poderá se furtar de considerar a grave crise fiscal vigente, catalisada pela recente queda de arrecadação.
Nesse contexto, tramita, sob a possível relatoria do dep. Arnaldo Jardim (Cidadania/SP), o PL n. 2.646/2020, destacado do PL n. 7.063/2017, referente à Lei Geral de Concessões, fruto da compreensão do papel fundamental que os instrumentos de financiamento privado da infraestrutura exercerão, a curto prazo, para a recuperação econômica almejada.
Dentre outros aprimoramentos importantes, a criação das debêntures de infraestrutura, a par das existentes debêntures incentivadas (Lei n. 12.431/2011), merece ênfase.
Não obstante as debêntures incentivadas tenham alcançado, nos últimos 12 meses, volume recorde de captação (R$ 31,28 bilhões, contra R$ 20,38 bilhões injetados pelo BNDES), o potencial daqueles títulos restou prejudicado por diferentes fatores.
Em primeiro lugar, as captações acabaram por se concretizar em fases mais avançadas dos empreendimentos, quando estes já tinham sido implementados mediante outras fontes de financiamento. Isto ocorreu, em grande parte, em razão de os emissores das debêntures incentivadas serem obrigados, por lei, a demonstrar que os recursos captados serão alocados à solução de gastos e despesas ocorridos nos 24 meses seguintes ao encerramento da oferta pública. Some-se, a isso, o fato de as maiores incertezas quanto à viabilidade dos projetos se concentrarem, justamente, nas fases iniciais.
Em segundo lugar, a atratividade destes títulos, aos investidores institucionais, mostrou-se bastante tímida. Nas economias centrais, esta classe de inversores (e.g., fundos de pensão, seguradoras, entidades de previdência complementar), são os principais financiadores privados dos projetos de infraestrutura. Apesar disso, as debêntures incentivadas contemplaram tratamento tributário que privilegiou pessoas físicas residentes no País (isenção de IR) e, em segundo plano, pessoas jurídicas aqui sediadas (IR à alíquota de 15%). Tais incentivos, decerto, não lograram sensibilizar investidores institucionais que, em regra, já gozam de benefícios tributários similares (p. ex., cf. o art. 5º da Lei n. 11.053/2004 e o art. 69, § 1º, da LC n. 109/2001), e cujas decisões são pautadas, principalmente, pela análise da relação retorno/risco, e não por eventuais estímulos fiscais.
No mais, a rentabilidade média das debêntures incentivadas (em 2009, equivalente a IPCA + 4,7%) esteve em descompasso com os riscos inerentes ao mercado brasileiro. A razão para isto é, majoritariamente, estrutural – citem-se, p. ex., o efeito crowding out, intensificado nos últimos anos, e a patente insegurança jurídica do segmento, que dificulta planejamentos de longo prazo.
O primeiro dos citados entraves foi endereçado, pelo PL n. 2.646/2020, via extensão, a 60 meses, do prazo de comprovação da alocação. Com isso, possibilitar-se-á maior flexibilidade na definição dos gastos a serem custeados, estimulando-se a captação durante as fases iniciais do empreendimento.
A solução do segundo e do terceiro óbices, mais sensíveis, passa, justamente, pela criação das debêntures de infraestrutura, as quais, em seu cerne, contempla a transferência, aos captadores, de incentivos fiscais que, na sistemática das debêntures incentivadas, são postos aos investidores. Nesse sentido, as debêntures de infraestrutura permitirão, cumulativamente, aos emissores, a exclusão, do lucro real e da base de cálculo da CSLL, de até 30% dos juros pagos no exercício, majorados a 50% nos casos de projetos sustentáveis (greenbonds), além da dedução de aludidos juros na apuração do lucro líquido tributável.
Afora atrair investidores institucionais, tal mudança permitirá o oferecimento, a todos os subscritores, de rentabilidades mais elevadas, alinhadas a nossos notórios riscos macroeconômicos e setoriais.
Em contrapartida a essas mudanças, o PL n. 2.646/2020, sem descurar do resguardo à segurança jurídica e à previsibilidade, e em sintonia com as melhores experiências internacionais, andou bem ao prever mecanismos antielisivos capazes de evitar a criação de estruturas negociais carentes de substrato econômico, destinadas apenas ao aproveitamento de benefícios fiscais.
Apesar do exposto, o PL n. 2.646/2020 tem enfrentado resistência de parte do Executivo federal, contrária a novas renúncias tributárias. Esta é, todavia, uma orientação equivocada, que ignora os conhecidos multiplicadores fiscais vinculados aos aportes em infraestrutura, especialmente em cenários de déficit crônico de investimentos.
Não há dúvidas, pois, de que a aprovação do PL n. 2.646/2020 atenderá a anseios legítimos do setor de infraestrutura, como medida que se impõe para o urgente enfrentamento do iminente cenário de estagnação econômica.
*Rodrigo Petrasso, sócio do Toledo Marchetti Advogados
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