O Ministério da Economia aceitou socorrer operadoras de transporte coletivo em R$ 4 bilhões, como determina um projeto em tramitação na Câmara. O governo, porém, vai condicionar a ajuda a um conjunto de mudanças estruturais nos sistemas de ônibus das cidades e nas empresas prestadoras de serviço, incluindo novas licitações.
A equipe econômica quer que todos os contratos de ônibus socorridos sejam alvo de licitação pública e pretende eliminar pontos considerados impeditivos para a entrada de novos operadores no sistema, marcado por escândalos de corrupção em diversos estados e alvo constante de reclamações dos usuários.
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– A gente viu uma oportunidade de condicionar esse repasse a uma revolução no setor. Não se pode repassar recurso para empresa com baixo grau de governança. A gente passa para estados e municípios, que vão se comprometer com uma série de ajustes – disse ao GLOBO o secretário de Desenvolvimento da Infraestrutura, Diogo MacCord.
O projeto de socorro federal ao setor está na pauta da Câmara e pode ser votado nesta semana. Prevê que 60% dos recursos totais sejam destinados aos municípios. Os estados e o Distrito Federal receberiam os 40% restantes, de acordo com o tamanho da população em regiões metropolitanas. Os gestores locais passarão os recursos às empresas de ônibus e metrô.
O relator do projeto, deputado Hildo Rocha (MDB-MA), acatou alguns pedidos do governo, mas a equipe econômica ainda aguarda ajustes no texto para liberar o dinheiro. A revolução citada por MacCord começaria pela obrigatoriedade de licitar, em um prazo de 18 meses, todas as operações que ainda não passaram pelo processo. Este ponto já foi aceito por Rocha.
Contratos de 15 anos Por esse critério, quase todas as linhas intermunicipais do Estado do Rio precisam ser licitadas. Segundo o Departamento de Transportes Rodoviários do Rio de Janeiro (Detro), 90% das 1.187 linhas intermunicipais em atividade no estado estão sem licitação, e 924 delas circulam na região metropolitana. A exigência não afetaria linhas da capital, que foram licitadas recentemente.
– Vamos licitar o sistema rodoviário intermunicipal no próximo ano – disse o secretário estadual de Transportes, Delmo Pinho.
O governo federal quer ainda que os contratos socorridos tenham um aditivo impedindo sua prorrogação e fixando vigência de 15 anos, a contar da aprovação da lei. Estes dois pontos ainda são negociados com o relator.
– Sem isso, a gente não consegue justificar a entrada de dinheiro nem a política pública. Não é uma operação de socorro, é uma operação de transformação do setor – afirma MacCord.
O Ministério da Economia também quer a reversibilidade dos bens – transferência dos veículos da frota e das garagens – para os municípios, ponto também aceito pelo relator. Hoje, as operadoras são donas dos veículos e dos espaços, o que, segundo MacCord, cria uma barreira à entrada de novas empresas.
Isso porque a vencedora de uma concorrência pública tem pouco tempo para mobilizar equipamentos e garagens, o que reduz o interesse pelo negócio. Se os bens forem dos municípios, um novo prestador de serviço teria condições de operar de imediato.
‘Combate à cartelização’ O governo federal quer ainda auditoria independente nos balanços partir de 2021, com encerramento do contrato caso não sejam atendidos níveis mínimos de qualidade, e incentivos à adoção de bilhetagem eletrônica.
– A proposta do governo é excelente. O governo não pode dar uma ajuda sem exigir nada em troca. E a transformação precisa ser grande, inclusive no combate à cartelização. O ramo de transportes tem muitas distorções e pouca transparência – diz o economista e sócio da consultoria Inter.B, Claudio Frischtak.
O presidente executivo da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), Otávio Cunha, afirma que a ajuda será insuficiente para reestruturação da atividades, porque durante a pandemia o setor teve prejuízo R$ 3,72 bilhões.
– Essa ajuda, ainda que bem-vinda, vem fora de hora. As empresas se endividaram para manter a operação durante a pandemia. O setor está disposto a revisar os contratos em função do apoio do governo com a condição de buscar um reequilíbrio econômico para a atividade.
Para Cunha, o ideal seria um marco regulatório do setor de transportes, como houve para o saneamento.
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