Antes da pandemia, 75% dos municípios brasileiros tinham uma situação fiscal considerada crítica. Quase 35% deles não se sustentavam, ou seja, a receita arrecadada não era suficiente para custear nem a Câmara de Vereadores nem a estrutura administrativa da cidade. Se a situação já estava ruim, em janeiro de 2021, quando tomarem posse de seus mandatos, os novos prefeitos deverão enfrentar problemas orçamentários ainda mais graves, herança da covid-19.
Se no lado da receita a arrecadação, assim como a economia, deve demorar a voltar aos níveis pré-pandêmicos, no lado das despesas os gastos devem ser afetados pelo aumento da demanda por serviços públicos, principalmente de saúde e educação. Nas grandes cidades, o financiamento do transporte público já virou uma fonte de preocupação que deve se estender às novas administrações.
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No fim do ano passado, quando revelou a situação crítica das cidades brasileiras, o Índice de Gestão Fiscal elaborado pelo departamento econômico da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) mostrou que 1.221, ou 22% dos 5.337 municípios analisados, terminaram 2018 sem dinheiro em caixa para pagar as despesas postergadas para 2019. Planejamento de gastos não fazia parte de 57% (ou 3.054) das administrações municipais. A economista Sol Garson, especialista em contas públicas, diz que a situação pode se agravar em 2021. Há um risco de as administrações deixarem grandes somas de despesas realizadas, mas não pagas. As prefeituras estão vivendo um ano sem igual, com uma execução orçamentária totalmente diferente e dentro de um cenário em que já havia muita dificuldade financeira. A nova geração de prefeitos terá desafios que nunca foram colocados, afirma ela, ex-secretária de Finanças do Rio de Janeiro.
Será fundamental, diz Sol, que os novos gestores identifiquem rapidamente o que é receita e gasto extraordinário e o que não é, para ter um mínimo de planejamento. Assim, na saúde, se parte dos gastos com a covid-19 neste ano não deve se repetir, nem por isso a despesa deixará de crescer em alguma medida. Em parte, porque ainda não se sabe quando a pandemia vai acabar e em parte porque deve haver um aumento de demanda de famílias que por causa da perda de renda deixaram seus planos de saúde privados. Só nos quatro primeiros meses da pandemia, de março a julho, 327 mil pessoas perderam o plano de saúde e mais de 520 mil deixaram de ter convênio odontológico, quedas consideradas históricas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
As cidades também deverão lidar com o represamento de demanda por atendimentos eletivos que foram cancelados durante a pandemia, lembra Kleber Castro, consultor econômico da Federação Nacional dos Prefeitos (FNP). Há também os efeitos crônicos, duradouros, da covid-19 na saúde das pessoas, que demandam tratamentos. É um tema pouco conhecido, mas que certamente virá, diz ele.
Na educação, secretários de médios e grandes municípios já relatam aumento na demanda por vagas nas escolas públicas, que vão ter que se adequar às normas de prevenção do coronavírus, o que implica mais gastos, afirma Castro.
Outro setor que vai precisar de atenção, em especial nas médias e grandes cidades, é o de transportes. Será o maior problema de todos na minha visão. O financiamento do transporte coletivo urbano, já vinha com problemas antes da pandemia e agora a situação se agravou.
No lado das receitas, segundo cálculos da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), as prefeituras podem terminar o ano com perdas de cerca de R$ 70 bilhões, já levando em conta a queda na arrecadação própria e nas transferências recebidas.
Castro, da FNP, diz que o ritmo de recuperação da economia ser determinante para a saúde, ou falta dela, dos municípios. Não sabemos como foi o impacto da covid-19 sobre cadeias produtivas, se muitas empresas faliram e seus efeitos sobre o emprego.
Para além dos problemas de caixa, Sol Garson aponta outro efeito deletério da pandemia: a diminuição do período de transição entre os mandatos, importante especialmente nas cidades grandes e médias para que o novo prefeito tome pé da situação.
A margem de manobra nas receitas e nas despesas é pequena, dizem os especialistas. Castro afirma que entre as medidas possíveis para melhorar o caixa está a revisão da planta genérica do IPTU. É uma medida impopular, mas há bastante espaço para melhorar o potencial de receita desse tributo. Para Sol Garson, medidas como aumento da alíquota do ISS e revisão do IPTU podem levar a um aumento da inadimplência, num resultado contrário ao desejado.
Com mais receita ou não, a melhora na eficiência de gastos e de arrecadação se tornou mais urgente. Um dos desafios dos novos prefeitos vai ser garantir a prestação de serviços com orçamentos totalmente comprometidos. Vão ter que gastar melhor, fazer mais com menos, diz Rodolfo Fiore, cofundador da Gove, plataforma que auxilia cerca de 300 governos municipais a administrar gastos e receitas e tomar decisões baseadas em dados. Um dos efeitos, desta vez positivos, trazidos pela pandemia, diz Fiore, é o aumento da procura por digitalização de processos para tomada de decisões no setor público.
Segundo o executivo, é possível perceber mudanças na postura dos gestores municipais em direção à procura por maior eficiência nos gastos e nas receitas. Fundada há cinco anos e apoiada por instituições como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a empresa tem registrado aumento na demanda por administrações municipais.
No atual ciclo, houve muito essa figura do prefeito gestor. Há um ‘ecossistema’ que está se movimentando mais. Há uma crescente percepção de que é preciso usar tecnologia para fazer coisas mais simples de forma mais barata e rápida.
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