Destino incerto para os 40 trens de Cuiabá

VLTs de Cuiabá estão armazenados no local onde seria instalado o CCO do sistema, em Várzea Grande. Foto: Divulgação
VLTs de Cuiabá estão armazenados no local onde seria instalado o CCO do sistema, em Várzea Grande. Foto: Divulgação

Único resultado concreto de um projeto de mobilidade urbana que já demandou mais de R$ 1 bilhão dos cofres públicos, os 40 trens do VLT de Cuiabá-Várzea Grande ainda não têm uma destinação definida. Em meio a uma disputa judicial que já soma 14 processos e à decisão unilateral do governo do Mato Grosso de mudar o projeto para um Bus Rapid Transit (BRT), as composições estão armazenadas há sete anos no Centro de Controle, Manutenção e Operação (CCO), em Várzea Grande, sem qualquer serventia para a população.

O governador do Mato Grosso, Mauro Mendes (DEM), defensor do projeto de BRT, fez um pedido à Justiça para que todas as composições sejam retiradas do CCO e vendidas pela fabricante, a CAF Brasil, que integra o Consórcio VLT Cuiabá-Várzea Grande ao lado das empresas CR Almeida, Santa Bárbara Construções, Magna Engenharia e Astep Engenharia. Procurada, a CAF Brasil não quis comentar o assunto devido às ações judiciais ainda estarem em andamento.

Mendes, segundo informou a assessoria do governo à Revista Ferroviária, solicitou que os valores obtidos com a venda dos trens sejam depositados em uma conta judicial. O governador pleiteia o ressarcimento aos cofres públicos em função da decisão de mudar o modal a partir das denúncias de corrupção envolvendo o consórcio – o que deu origem à paralisação de implantação do sistema em 2014.

O plano do governador esbarra, porém, em um complicador ainda maior do que o imbróglio das ações judiciais envolvendo o projeto do VLT. A troca do modal depende do aval do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) e da Caixa Econômica Federal, gestor e agente financiador do projeto do VLT de Cuiabá, respectivamente. O MDR (ex-Ministério das Cidades) concedeu à época financiamento através do programa Pró-Transporte, que utiliza recursos do FGTS. Projetos com esse tipo de financiamento não podem ter seu escopo modificado, sob pena, inclusive de uma futura fiscalização e eventual punição por parte do Tribunal de Contas da União.

Os impactos financeiros são os que mais pesam na balança, tanto na hipótese de manutenção do VLT quanto de mudança para BRT, embora por razões diferentes. O valor total da obra do VLT foi calculado em R$ 1,47 bilhão, do qual R$ 1,06 bilhão (72,2%) já foi executado. A participação do governo do Mato Grosso, sobre o valor total, se deu pela soma de R$ 68,6 milhões de contrapartidas financeiras com R$ 257,3 milhões em desonerações.

O restante são verbas federais: R$ 423,7 milhões oriundos do financiamento a partir de recursos do FGTS (Pró-Transporte) e R$ 727,9 milhões do financiamento feito com recursos do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC), ambos operados pela Caixa. Segundo o banco, o governo de Mato Grosso já utilizou, na execução da obra, R$ 297,3 milhões do empréstimo do FGTS (70,1%) e R$ 660,8 milhões do PAC (90,8%).

Trens em perfeito estado

Vicente Abate, presidente da Associação Brasileira da Indústria Ferroviária (Abifer), diz que não é viável a solução de venda dos trens proposta pelo governo do Mato Grosso. “Se o fabricante tivesse alternativa, já teria tirado os trens de lá. O sistema é customizado para aquele projeto, não tem como transferir para ser usado em outro”, ressalta Abate, que vem acompanhando o caso de perto e foi um dos autores de contribuições enviadas ao governo do estado em favor da manutenção do VLT.

Segundo Jean Carlos Pejo, engenheiro e secretário-geral da Associação Latino-Americana de Ferrovias (Alaf) – que foi ao local em março último, durante uma visita técnica – as composições estão protegidas e em perfeito estado. “A solução que eu entendo, hoje, como técnico e engenheiro, é: com os recursos ainda existentes, conclui o primeiro trecho, entrega para a sociedade e aí abre-se uma PPP (Parceria Público-Privada), para a conclusão do sistema”, avalia.

Dos R$ 498 milhões utilizados para a compra dos trens, 98,2% (R$ 489 milhões) já foram medidos, ou seja, já constatado pelo estado como aplicado para efeito de pagamento ao consórcio. Esse valor representa 45% do total já aportado no empreendimento: R$ 1,066 bilhão. Além das 40 composições, com sete carros cada, já foram entregues 22 km de trilho, que também estão armazenados no CCO.

As principais alegações do governo mato-grossense para a mudança do modal são em relação aos valores que ainda terão que ser desembolsados se o VLT for mantido. Segundo a secretaria de estado de Infraestrutura e Logística do Mato Grosso (Sinfra-MT), que está à frente do projeto, seriam necessários 763 milhões para a conclusão do VLT, dos quais aproximadamente R$ 352 milhões teriam que sair do cofre estadual.

Já o BRT demandaria um acréscimo de R$ 460 milhões para a implantação, com aporte adicional do estado de apenas R$ 48 milhões, em função de um remanejamento de R$ 411 milhões que seria feito nos recursos ainda não desembolsados dos contratos de financiamento do projeto VLT, em vigor com a União. “Ou seja, estamos falando de uma economia de CAPEX de cerca de R$ 300 milhões do BRT em relação ao VLT”, argumenta o engenheiro Rafael Detoni, assessor técnico da Sinfra.

No dia 7 deste mês, o governo de Mato Grosso realizou uma audiência pública virtual para debater a mudança de VLT para BRT. A inciativa foi tomada após a Justiça Federal ter atendido ao pedido da prefeitura de Cuiabá – que é a favor da manutenção do VLT – para que o município participasse da discussão. Após o evento, contudo, o governador Mauro Mendes afirmou, através dos canais oficiais, que a mudança está mantida.

Os detalhes por trás do empreendimento ferroviário que era para ter sido um dos legados da Copa do Mundo de 2014 estarão na próxima edição da Revista Ferroviária.

5 Comentários

  1. Absurdo essa atitude desse governador, ao invés de respeitar o dinheiro do povo já gasto, querer trocar por um modal que toda a população sabe que não tem qualidade e tem vida útil muito inferior ao vlt, VLT já vamos cobrar o governo federal incluindo o vlt no pacote de obras inacabadas.

  2. A solução é simples, começa a operar um pequeno trecho, gera renda e vai acrescentando pequenos trechos com o capital gerado.
    Jairo Brugalli Flores

  3. Incrível como se brinca com o dinheiro publico, para atender interesses em favor de lobby. Estranho toda essa postura desse Governador uma vez que as unidades já estão guardadas e pelo que eu li já faz alguns anos se deteriorando perdendo os prazos de garantia dos equipamentos sem falar do prejuízo causado por essa rixa ao erário publico. Pior essa conta quem ira pagar são muitos dos seus eleitores.

  4. Negocie venda para o Governo de São Paulo, que está planejando e implantando VLTs em algumas cidades. Claro que não poderá haver exploração no preço dos veículos…

  5. Absurdo! No Brasil o cartel dos rodoviários é quem dá as cartas. Por isso estamos nesse atraso, pois trocam os trilhos pelo asfalto.

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