Estadão – Após servidores contestarem na Justiça uma das nomeações do presidente Bolsonaro à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), uma dança das cadeiras expôs ainda mais o clima de insatisfação que tomou a área técnica do órgão.
A causa da discórdia é uma briga entre empresas do setor de ônibus e a pressão do Senado contra a abertura promovida pela agência nesse mercado. O novo capítulo da crise foi desencadeado pela decisão do novo diretor-geral da ANTT, Rafael Vitale Rodrigues, de dispensar Sylvia Cotias Vasconcellos do cargo de superintendente de Serviços de Transporte Rodoviário de Passageiros. Ela chefiou o projeto que gerou a proposta do novo marco regulatório do transporte de ônibus, criticada por empresas contrárias ao modelo de concorrência. Após a exoneração, três gerentes da superintendência pediram para deixar seus cargos.
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Ao comunicar a decisão, o especialista em regulação Álvaro do Canto Capagio escancarou o descontentamento. No ofício, ao qual o Estadão/Broadcast teve acesso, Capagio afirma que os quadros técnicos da agência enfrentam “há bastante” tempo desafios de toda ordem e “imensuráveis pressões políticas e econômicas” contra o “avanço” regulatório no setor de transporte rodoviário de passageiros. Ele ocupava a cadeira de gerente executivo da Superintendência de Serviços de Transporte Rodoviário de Passageiros (Supas).
No documento, Capagio narra que organizações empresariais “contempladas com décadas de atividade monopolística”, além de setores com representação no Congresso, se “levantam” contra o “esforço” da ANTT. Segundo ele, por isso, é “impossível a um servidor público resistir a tantas forças antagônicas sem o indispensável vínculo de confiança com seus pares”.
Diante do cenário, diz o servidor, a exoneração de Sylvia se reflete em “desesperança”. “Razão por que decidi não mais permanecer no exercício do cargo de gerente executivo desta Superintendência, pois quando se perde a esperança, perde-se qualquer fôlego que possibilite o prosseguimento da caminhada”, afirma no ofício dirigido ao novo diretor-geral da ANTT, nomeado no fim de julho.
Rafael Vitale Rodrigues foi indicado à chefia da ANTT após o Senado rejeitar, nos bastidores, a primeira indicação feita pelo ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas. Nome de confiança de Tarcísio, o escolhido inicialmente era Davi Barreto, que hoje já ocupa uma das cadeiras do colegiado, com mandato até 2023. A ideia de alçá-lo à diretoria-geral, no entanto, não resistiu à pressão do Senado, sob a presidência de Rodrigo Pacheco (DEM-MG), herdeiro das empresas Santa Rita e Viação Real.
A atuação de Barreto foi marcada na ANTT pela abertura do mercado de ônibus, movimento combatido por senadores ligados a companhias consolidadas do setor. Em reação à postura do órgão regulador, no ano passado, o Senado aprovou um texto que limita a concorrência no segmento, sob relatoria de Acir Gurgacz (PDT-RO), cujos familiares são donos do grupo Eucatur, que opera empresas de ônibus interestaduais.
O nome de Barreto para a diretoria-geral chegou a passar na Comissão de Infraestrutura do Senado no fim do ano passado – um passo anterior à votação no plenário. Mas a resistência de senadores impediu que a deliberação avançasse, e obrigou o Ministério da Infraestrutura a arregimentar um novo acordo com a Casa. A escolha de Sampaio, ex-quadro da Confederação Nacional do Transporte (CNT), gerou reação entre servidores da ANTT, que contestaram sua nomeação no Supremo Tribunal Federal (STF) no fim do último mês.
Reservadamente, servidores apontam que a exoneração de Sylvia foi resultado da pressão política do Senado. Hoje, o projeto de lei aprovado pelos senadores que muda as regras para entrada de novas empresas no setor aguarda votação na Câmara, sendo que há um desejo do governo em convergir os textos da matéria e da proposta do novo marco regulatório do segmento – que será analisada pela diretoria da ANTT.
Além de Capagio, também pediram exoneração de seus cargos comissionados Antonio Esposito, então gerente de Estudos e Regulação do Transporte de Passageiros, e Bruno Alvarenga, que estava na gerência de Acompanhamento e Monitoramento de Serviços.
Resposta
A ANTT afirmou que alterações nas lideranças são naturais diante de uma nova composição diretiva, e que as novas nomeações seguem os ritos regimentais e respeitam os critérios estabelecidos em normativos da agência. A agência não comentou o teor do ofício escrito pelo ex-gerente executivo da Supas.
Pacheco e Gurgacz já afirmaram não ter interesse pessoal no projeto que tramita na Câmara.
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