O Globo – Janelas quebradas, fachada pichada, fissuras, restos de telas de obras iniciadas e não concluídas. O estado da Estação Ferroviária Barão de Mauá, a Leopoldina, é “deplorável” e “digno de dar vergonha”, afirma o juiz Paulo André Espirito Santo, da 20ª Vara Federal do Rio, na sentença que condenou a concessionária SuperVia, bem como a Companhia Estadual de Transportes e Logística (Central) e a União a reparar os danos causados ao espaço, inaugurado em 6 de dezembro de 1926. Os réus que descumprirem os prazos fixados na decisão estão sujeitos a multa diária de R$ 30 mil, limitada ao teto de R$ 12 milhões.
Com seus quatro andares na Avenida Francisco Bicalho, no Centro, esse patrimônio cultural e histórico foi fechado em 2001 para passageiros, remanejados, então, para a Estação Central do Brasil. O terminal de trens Barão de Mauá foi projetado pelo arquiteto inglês Robert Prentice e é tombado pelos institutos do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e Estadual do Patrimônio Artístico e Cultural (Inepac).
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— O arquiteto se inspirou nas estações inglesas eduardianas (variante do estilo neobarroco) do século XX. Nunca foi completada. Visava a unificar os serviços da Estrada de Ferro Leopoldina, que, naquela época, era administrada por um grupo inglês, que, em 1946, foi nacionalizado e incorporado pela Rede Ferroviária Federal — explica o historiador Milton Teixeira. — Dali, saíam o Trem de Prata, que ia para São Paulo, e o Trem de Ouro, para Minas Gerais.
Depois que fechou as catracas para os passageiros, houve muitos projetos para o espaço, lembra Teixeira:
— Seria museu, shopping center, sede do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos). Absolutamente nada saiu do papel. No interior, há riquíssimos mármores e placas de bronze. Nos terrenos à volta, estão apodrecendo máquinas ferroviárias antigas. Há até um vagão e uma locomotiva da antiga Estrada de Ferro do Corcovado, de 1909. Estamos perdendo história. Em qualquer lugar do mundo, a estação estaria sendo bem aproveitada. Aqui, ao contrário. Há alguns anos promoviam bailes ali dentro. Imagina o que acontecia de vandalismo.
Desde 2013, o Ministério Público Federal tenta na Justiça que o imóvel seja recuperado. Na sentença da última sexta-feira, o juiz Paulo André Espirito Santo afirma que os réus vêm descumprindo reiteradamente uma decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), de 2017. Por isso, diz ele, foi acatada a tutela de urgência para que os reparos sejam iniciados. O documento cita ainda que não está excluída a possibilidade de responsabilização dos gestores no futuro.
Risco de incêndio
Segundo a decisão, a Central, o Estado do Rio de Janeiro e a União devem iniciar a retirada de documentos e móveis, bem como instalar tela de proteção no prédio principal e no anexo no prazo máximo de 30 dias, além de apresentar ao Iphan o projeto de reforma completa do espaço. A concessionária SuperVia, por sua vez, terá que iniciar em até 15 dias a limpeza completa e a conservação da gare, da plataforma e do terreno adjacente. E também apresentar ao Iphan o projeto de reforma dessas instalações. O juiz determinou também que o Corpo de Bombeiros e a Secretaria de Defesa Civil do estado sejam citados “pelo risco iminente” de incêndio. A sentença não estipula prazo para início e conclusão de obras.
Contra a decisão, não cabe mais recurso em primeira instância. Só ao TRF2 e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Além dos laudos periciais, com fotos e análise da situação da estação, Espirito Santo informa que vistoriou o local. “Ter visto de perto toda aquela degradação, por ocasião da inspeção judicial, foi de uma tristeza só”, ressalta ele na sentença de 62 páginas. “E pior: passar por lá de carro, aumenta ainda mais essa tristeza e a sensação de vergonha. Essa situação decrépita ninguém disse ao juízo ou foi lida em algum lugar: ela foi constatada in loco, em março de 2016, por conta da inspeção judicial. E pode ser percebida ainda hoje por qualquer cidadão que passar pelo local”, acrescenta.
A vistoria, conforme a sentença, demonstra que o imóvel, em geral, precisa ser reformado, “dada a existência de infiltrações, manchas, mofo, corrosão de ferragens e acabamentos de pintura, além de fissuras, trincas e rachaduras em fachadas, pisos, vigas, mísulas, pilares, paredes e tetos”. Um dos problemas encontrados foi o de corrosão das ferragens expostas de vigas. O juiz cita “inúmeras rachaduras em estado avançado”, mas ressalta que não há risco de o prédio desabar.
‘Olhos fechados’
A sentença do juiz não poupa as autoridades responsáveis pela estação. Segundo o magistrado, “se tal situação ocorresse num país de primeiro mundo, dito desenvolvido, os gestores da empresa responsável pela manutenção ou o chefe do Poder Executivo titular da gestão (federal ou estadual) viriam a público pedir desculpas à população”. Espirito Santo escreveu que “não se consegue imaginar uma situação como essa da Estação Leopoldina num país europeu que, ao contrário do nosso, não fecha os olhos para a história e para os signos representativos da cultura nacional”.
Por e-mail, a SuperVia diz que está ciente do documento e analisando a decisão judicial a fim de adotar as providências cabíveis”.
Também por e-mail, a Advocacia-Geral da União (AGU) afirma que o órgão recebeu ontem a intimação e “já vem buscando entendimento junto ao Estado do Rio por uma solução definitiva, uma vez que cada ente, União e estado, é proprietário de metade do imóvel”. Acrescenta que “o acordo busca cumprir as obrigações de caráter solidário e assegurar a adequada preservação do bem histórico”.
A assessoria jurídica da Secretaria estadual de Transportes foi notificada na tarde de anteontem e está dando ciência da sentença à Central Logística, responsável pela administração do patrimônio. E a Central ressalta que “não há qualquer descumprimento à decisão judicial e que já concentra esforços para cumprir os prazos estabelecidos”.
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